"Uma advogada extraordinária", com Park Eun-bin, faz sucesso entre os dorameiros

crédito: Netflix/divulgação

A Academia Brasileira de Letras (ABL) incluiu no Vocabulário Oficial da Língua Portuguesa a palavra dorama – produções televisivas de países do Leste asiático, especialmente sul-coreanas. A novidade foi recebida com comemoração e alegria pelos chamados dorameiros, mas gerou protestos de parte da população, o que inclui a comunidade coreana.

Os descontentes reclamam: "Está errado! Essa palavra é do japonês! Não pode ser usada para falar de produções sul-coreanas". Quem se incomoda com o uso de dorama para produções coreanas sente-se assim porque a origem japonesa da palavra deixa um travo amargo, pois Japão e Coreia do Sul têm passado conturbado e, muitas vezes, os coreanos foram oprimidos pelo Japão. Esse grupo propõe o uso da palavra kdrama para indicar as produções sul-coreanas.

Mas será que o dicionário errou mesmo? Para responder, temos que seguir a história das palavras e as voltas que o mundo dá. E precisamos saber qual é o critério para uma palavra entrar no dicionário.

VIAGEM ATÉ O BRASIL

Dorama, antes de chegar ao Brasil, viajou pelo mundo e vestiu-se com muitos significados. Dorama vem do inglês drama, que, por sua vez, surgiu no grego antigo e se referia ao teatro. Com o tempo, drama mudou em muitas línguas para as quais foi transportada, passando a significar uma história com tensão e conflito, o contrário de comédia. Também passou a significar uma situação tensa e triste. E pode significar reação exagerada a uma situação, como em: "Esse rapaz sempre faz um drama".

Na década de 1950, drama foi dos Estados Unidos para o Japão e a Coreia do Sul, adaptando-se à pronúncia das línguas locais. Não só a pronúncia se afastou da origem, mas a palavra também assumiu novo sentido. Drama passa a se referir, nesse contexto, a produções para a televisão.

A palavra, com a pronúncia japonesa, dá a volta ao mundo outra vez e vem para o Brasil, mudando mais uma vez de significado. E assim segue mudando: o português não segue o japonês, que não segue o inglês, que não segue o original grego. Essa é a vida das palavras. É fácil encontrar muitas palavras e expressões com histórias assim. Ao mudar de lugar, com o passar do tempo, elas vão se transformando.

Aparentemente, a palavra foi usada, pela primeira vez, na internet brasileira em 1990, já se referindo a produções da Coreia do Sul. As menções a dorama crescem muito nos anos seguintes e, de acordo com o Google, dorama já apareceu em páginas brasileiras mais de 3 milhões de vezes. A expressão kdrama apareceu um pouco mais tarde (1996) e soma apenas 632 mil menções no Google brasileiro, cinco vezes menos do que dorama. 

FÃS NAS REDES

A verdade é que dorama é usado por falantes brasileiros para se referir a produções televisivas do Leste Asiático, especialmente as sul-coreanas. Uma busca superficial nos grupos de Facebook com títulos como "Loucos por dorama" ou "Fãs de dorama" vai mostrar que ao falar de dorama, os brasileiros estão, em sua grande maioria, falando de produções coreanas. Há o consumo de produções televisivas de outros países, mas existe claro favoritismo e preferência por produções da Coreia do Sul.

Algumas pessoas se incomodam com isso, porque elas gostariam que o dicionário não "validasse" um uso "errado". Mas aí está o equívoco. Um dicionário não consegue inserir ou retirar uma palavra da língua. O dicionário, se bom, serve como rico e fiel repositório das palavras usadas e registra o maior número de sentidos em circulação. Serve para que qualquer usuário, ao consultar uma palavra, encontre a explicação do que ela significa e do que ela está significando em certo contexto.

O dicionário ideal é um registro que captura, com a máxima riqueza, o que acontece com a língua. Quem faz o dicionário é como o zoólogo que observa um ecossistema anotando e descrevendo todas as espécies que encontra. Registrando que uma espécie foi extinta ou dando notícia de uma nova espécie.

A comunidade que se sente afetada pelo uso pode combatê-lo na vida, no discurso das pessoas. Mas se queixar do dicionário é como se queixar ao zoólogo da presença de uma espécie invasora, como se o registro em dicionário tornasse a palavra "real".

KDRAMA É PROBLEMA

Os falantes de uma língua podem advogar por uma palavra ou combater o uso de outra. Isso é parte do nosso processo de construção do discurso público. Mas se dorama tem um defeito de origem, kdrama tem os próprios problemas. Para começar, é inglês, não português e, ao contrário de dorama, foge das regras de pronúncia e sintaxe do português.

Coreia em português é com C, não K. Além do que, a ordem em português é nome-nacionalidade (drama coreano, série coreana) e não "coreano drama". A adoção forçada da palavra criada para o mercado norte-americano ecoa opressões que tanto se quer combater quando falam de dorama.

Mas o debate está aí para isso, vamos discutir o que queremos dizer com as palavras, como as palavras repercutem. Enquanto isso, os dicionários, com capricho, devem ir anotando cada volta que a palavra dá.