Paula Vaz lança ‘Atire a primeira pedra nesse coração cansado’
Primeiro romance da poeta e psicanalista mostra que os relacionamentos, por mais sólidos que sejam, não podem ser maiores que o respeito ao vivo em nós
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Todo ano vem com alegrias e tristezas. Como sempre, é bom lembrar que o real está sempre atravessando na frente da charrete, bagunçando a vida certinha, organizada, os ideais mais do que desejados. Ainda assim, viver é bom. Melhor ainda é entrarmos o Ano Novo desejando. Desejando tempo de renovação, recomeço, muita arte, poesia, alegria.
Disse Guimarães Rosa que na vida precisamos mesmo é coragem. Então, e por isso mesmo, recomendo o último lançamento e primeiro romance da psicanalista e poeta Paula Vaz, “Atire a primeira pedra nesse coração cansado” (Record).
Maravilha é a palavra escolhida por Carla Madeira, escritora que dispensa apresentações, para definir o romance. Na orelha, nos convida a cruzar o umbral das idealizações. Entrar no romance nos desperta para a força do corpo. Do corpo que deseja e fascina, assusta, impacta enquanto percorremos a escrita de Paula.
O livro faz pensar. Freud se perguntou: o que quer uma mulher? Até hoje, não há resposta. Simplesmente não se pode dizer o que é uma mulher. Essa resposta escorre por entre os dedos, escapa uma palavra final. Muitos homens enlouquecem por não poder conter, controlar e reter essa mulher, cujo mistério os faz transpor os limites do amor ao ódio.
Não há resposta certa para o desejo, o amor não se apreende, nem se captura; é uma contingência, acontece em qualquer esquina. Muitos o temem e o evitam e a seus avatares. Não se pode falar de constância em matéria de desejo. O amor pousa onde quer. À revelia das normas e tradições. E isso enlouquece, desequilibra. Transtorna os desavisados e os avisados também. Esse não tem mestre nem dono.
Eis o porquê de tantas reações dramáticas vividas em consequência das variações, cada uma a seu modo, porém todas girando em torno da dificuldade experimentada quando um amor não pode suportar seu fim. E, outros, nem mesmo sua presença. Verão que esse romance indica que o amor é delícia e dor, pela vontade de reciprocidade. Não é estável em seus efeitos, depende do outro. É pura vulnerabilidade.
Laura, a protagonista, se escrutina, vai traçando o seu jeito singular de lidar com aquilo que deseja e depois com perdas que administra, também a seu modo, sofre e tenta não sucumbir como tantos. É uma mulher corajosa que se dá o direito de viver o chamado irrecusável do corpo que pulsa.
Também é sensível aos sinais que tanto queremos ignorar quando o brilho se apaga. Aqui não cabe essa opção. Todo sentimento sem hipocrisia ou negações, a verdade é desnuda. O véu cai, a coisa é como é.
Laura não silencia e nem recua diante dos sinais de seu corpo e da pergunta sobre onde o desejo poderia levá-la. Não pode evitar ou ignorar o barulho do desejo tampouco a angústia que a atravessa e a conduz do êxtase à devastação. Entende o encontro como milagre, nada se compara ao desejo , insensível às leis. O desejo pode ser ignorado como muitos o fazem, impelidos a trair a si mesmos, por temerem as perdas e as repercussões do que seria estar entre lealdade e fidelidade.
Enfim, o que é vital para uma pessoa só cabe a ela saber, porque nenhum corpo é dono de outro corpo, e os relacionamentos, por mais sólidos que sejam, não podem ser maiores que o respeito ao vivo em nós. Esse vivo em nós é uma boa pedida para 26. Que venha!
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.
