Inhotim tem sediado o Museu Afro-brasileiro nos últimos dois anos -  (crédito: Ícaro Moreno/Reprodução)

Inhotim tem sediado o Museu Afro-brasileiro nos últimos dois anos

crédito: Ícaro Moreno/Reprodução

Nego Bispo diz que a vida tem começo, meio e começo, essa frase descreve exatamente o que é a obra intelectual e artística de Abdias do Nascimento. Mesmo tendo partido para o Orum em 2011 depois de ter vivido aqui 97 anos, a obra de Abdias continua abrindo caminhos para inúmeras pessoas negras alcançarem espaços inimagináveis devido a exclusão proveniente do racismo tão presente na sociedade brasileira.

Em 2021 o Museu de Arte Negra, um projeto criado por Abdias, teve um novo começo, chegou fazendo a revolução em uma das galerias do instituto Inhotim. Exatamente, Inhotim, o espaço mais disputado pela elite da arte. Afinal é o maior museu a céu aberto da América Latina e um dos maiores do mundo.

Nos últimos dois anos, Inhotim vem sediando esse Museu Afrobrasileiro. Acolhendo um acervo nunca antes visto pela maioria do público que ali circula. Obras que colocam em evidência, dentre outros elementos negros, a religiosidade de matriz africana através de um xirê artístico com a presença de muitos orixás pintados por Abdias em telas grandes, com cores fortes que impressionam e conquistam olhares.

Além das artes plásticas o Museu de Arte Negra gestado e curado neste momento pelo IPEAFRO juntamente com Inhotim proporcionou ao público ter contato com um acervo de documentos e fotos que apresentam a trajetória e alguns episódios da vida desse multiartistas, político, panafricanista e militante do movimento negro. Uma verdadeira imersão ao mundo artístico e politizado dessa figura que enche os nossos corações de orgulho e esperança em meio ao caos de ser uma pessoa negra em um país racista que se afirma racialmente democrático.

Muito se engana quem acredita que a obra de Abdias chega sozinha nesse espaço elaborado, gestado e frequentado pela branquitude. O nome dele é tão forte e respeitado que abre portas para muitos. Chega como quem não quer nada ocupando a galeria da Mata levando Tunga, Heitor dos Prazeres, Iara Rosa, José Heitor da Silva, Sebastião, Januário, Octávio Araújo, Yedamaria e logo o espaço foi ficando pequeno para tantos artistas com talentos excepcionais e que não poderiam ficar de fora.

Pouco tempo depois a arte negra transborda lá dentro e ocupa a galeria Lago, com a exposição Quilombo: Vida, problema e aspirações do negro. Uma exposição que colocou em evidência, nesse espaço que circula pessoas do mundo inteiro, 30 artistas negros. Trabalhar com tantos artistas gerou alegria para alguns, satisfação para outros e espaço para insatisfação de um único artista que deu o grito chamando a atenção da mídia para si e seu protesto.

Mesmo já tendo partido para o Orum, Abdias continua fazendo mini revoluções constantes e contínuas com o legado que deixou por aqui. Continua AFROntando o sistema com sua arte, com seus discursos e com a força da sua presença. Uma força que combate as multifacetadas estratégias do genocídio da população negra. Um genocídio, que dentre outras coisas, invisibiliza a nossa cultura, as nossas manifestações artísticas e os profissionais que se dedicam a elas.

A exposição do Museu de Arte Negra chegou nesse mês de novembro ao seu quarto e último ato chamado “O quilombismo: Documentos de uma militância Pan-Africanista. A abertura foi memorável com a peça Sortilégio uma dramaturgia escrita por Abdias do Nascimento, adaptada e dirigida por Adyr Assunção que contou com a atuação de elenco de artistas negros e lotou a plateia do teatro deixando muita gente que queria assistir do lado de fora, já que os ingressos se esgotaram rapidamente.

O Museu de Arte Negra nem foi embora de Minas ainda e já está deixando um buraco branco e muito pálido nesse rolê das artes em que a única galeria fixa que coloca em evidência as mulheres negras, nos evidenciam para o mundo como prostitutas no Pelourinho fotografadas por Miguel Rio Branco. Isso mesmo um trabalho de qualidade duvidosa que exibe nosso corpo negro, feminino com um olhar desdenhoso, eugenista, machista, racista e misógino tem galeria fixa e a arte negra de excelência por enquanto não tem.

Se organiza, corre que ainda dá tempo de contemplar o Museu do Abdias, que nesse momento traz um ciclo que o eixo central é Xangô, o Orixá da Justiça. O Museu além de ocupar a Galeria Mata ocupa também a Galeria Marcenaria com uma exposição individual da artista preta e mineira da cidade de Contagem, Luana Vitra. Sentir esse axé da arte preta em meio a natureza é indescritível ainda mais que na Galeria Lago está exposta parte da obra do grandioso artista Rubem Valentim, que também não está sozinho, na verdade muito bem acompanhado pelas obras de Rosana Paulino, Emanoel Araújo, Jaime Lauriano, Rebeca Carapiá, Allan Weber, Bené Fonteles, Rubiane Mauá, Froiid e Jorge dos Anjos.

Não sabemos quando e nem onde será o novo começo do Museu de Arte Negra, mas depois que tive a oportunidade de sentir a coisa ficar preta e linda através da arte de Abdias não tenho dúvidas que ela tem começo, meio e começo. Certo?

“Quarto Ato – O quilombismo: Documentos de uma militância pan-africanista”, na Galeria Mata, até abril de 2024. “Giro”, de Luana Vitra, na Galeria Marcenaria. Exposição “Fazer o moderno, construir o contemporâneo: Rubem Valentim” nas galeria Lago. Inhotim (Rua B, Brumadinho) funciona de quarta a sexta-feira, das 9h30 às 16h30; sábado, domingo e feriados, das 9h30 às 17h30. R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia-entrada). Entrada franca às quartas e todo último domingo de cada mês mediante retirada prévia de ingressos na plataforma Sympla.