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Caso Benício: uma vida ceifada e uma história que se repete

Benício não é a única criança vítima de um sistema de saúde ineficiente. Como ele, Ysrael Marcos Silva Pinho também perdeu a vida aos 6 anos de idade

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**Por Tamara Santos**

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Todos fomos assolados pela triste notícia da morte do menino Benício, de 6 anos de idade, em Manaus. Benício chegou ao hospital particular Santa Júlia no dia 22/11/2025, com tosse seca e suspeita de laringite.

No entanto, após 14 horas de atendimento e cinco paradas cardiorrespiratórias, Benício veio a óbito. Segundo o prontuário médico, foi ministrada uma dose de adrenalina pura intravenosa. Ocorre que tal medicação deveria ter sido ministrada diluída e por inalação, vez que na forma intravenosa ela é utilizada em casos muito graves.

As investigações apontam um possível erro médico e o delegado do caso, Marcelo Martins, do 24° Distrito Integrado de Polícia (DIP), investiga o fato sob a égide do crime de homicídio doloso (art. 121, do Código Penal), na modalidade do dolo eventual.

Mas, afinal, o que é dolo? Muito se ouve falar desse instituto, mas pouco se sabe sobre ele, bem como de suas implicações. Essa autora, de forma despretensiosa, vai tentar aclarar esse entrave jurídico.

A legislação brasileira define crime como sendo uma ação ou omissão típica, antijurídica e culpável. Ou seja, de acordo com o art. 1, do Código Penal, “não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”.

Pois bem, o crime pode ser praticado na forma dolosa ou culposa. Segundo Cezar Roberto Bitencourt, essa classificação refere-se à natureza do elemento volitivo - que provém da vontade ou que a exprime - caracterizador da infração penal.

Desse modo, o crime será doloso quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo. Já no crime culposo, o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia (art. 18, do Código Penal).

Então, qual a diferença entre dolo e dolo eventual? O dolo imprime a vontade do agente e sua intenção ao executar o crime. O agente deseja aquele resultado e age para conseguir a sua efetivação. Por outro lado, no caso do dolo eventual, o agente não quer aquele resultado gravoso, no entanto, ele o prevê e assume o risco de produzi-lo.

Vou exemplificar para ficar mais fácil a compreensão.

Exemplo 1 - O agente quer ver a vítima morta. Ele compra uma arma, se prepara e, quando a vítima sai de casa para trabalhar, ele a alveja com disparos, resultando o óbito. Veja, ele desejou o resultado morte, se preparou e o executou.

Exemplo 2 - O agente está em um bar e ingeriu bebida alcoólica. Ao ir para casa, ele pega a direção do seu veículo automotor, mesmo sabendo que não deveria, pois o álcool é um depressor do sistema nervoso central. Mas pensa que nada vai acontecer! No caminho ele se envolve em um acidente de trânsito e mata uma pessoa. Veja, ele não queria esse resultado - morte, mas o previu e assumiu o risco de produzi-lo ao dirigir embriagado, gerando o resultado mais gravoso.

No frigir dos ovos, essa é uma distinção doutrinária, isto porque, em ambas as situações, o agente vai responder pelo crime de homicídio doloso, tipificado no art. 121, do Código Penal, estando sujeito a uma pena de até 20 anos de reclusão.

E o crime culposo?

Então, neste caso, o agente não tem intenção de praticar o crime. Mas, acaba realizando o resultado mais gravoso mediante imprudência, negligência ou imperícia. Na imprudência, o agente age sem cautela ou de forma precipitada (fazer de forma errada/arriscada). Na negligência, o agente age por omissão de um dever (não fazer o que deveria). E a imperícia é a falta de habilidade técnica ou conhecimento para realizar uma tarefa corretamente (não saber fazer).

Desse modo, tratando-se de homicídio culposo, o agente está sujeito a uma reprimenda de detenção de um a três anos (art. 121, §3º, do Código Penal).

Percebem a diferença? O nosso Código Penal pune mais severamente aquele que teve a intenção/desejo de praticar o crime - o dolo.

Mas, e no caso do menino Benício?

Na minha opinião profissional, não parece crível conceber que a médica Juliana Brasil Santos e a técnica de enfermagem Raiza Bentes saíram de casa no fatídico dia desejando a morte de algum paciente ou mesmo previram o resultado morte, assumindo o risco de produzi-lo.

Infelizmente, temos a perda da vida de uma criança mediante imprudência, negligência ou imperícia, ou seja, a prática do crime de homicídio culposo, que pode ter a pena aumentada em 1/3 se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante (§4º, do art. 121, do Código Penal).

É claro que cada conduta será investigada de forma individualizada e somente as investigações poderão apontar as nuances do crime cometido. No entanto, o erro que custou a vida de uma criança teria sido cometido somente pelas profissionais em questão? O hospital não deveria primar por um sistema de dupla checagem? Pois, tal fato poderia ter impedido o erro fatal!

Contudo, Benício não foi o único.

Ysrael Marcos Silva Pinho, de 6 anos de idade, veio a óbito após três incursões no hospital particular Hapvida em Betim, Minas Gerais. Nas duas primeiras vezes, a criança recebeu atendimento, foi medicada e liberada. Conforme o registro policial, o menino recebeu medicação para enjoo e foi liberado, apesar de o pai ter contestado a alta.

Na terceira vez, porém, Ysrael não suportou e morreu. A unidade hospitalar informou à Polícia Militar que óbito foi registrado após evolução do quadro clínico durante o atendimento. O caso está sendo investigado, para apuração de uma possível negligência.

A responsabilização administrativa, civil e criminal precisa ser iminente! Afinal, quantos Benício e Ysrael vão pagar com a vida para que haja uma maior observância no atendimento médico pelas unidades de saúde?

Recentemente, a Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado aprovou o Projeto de Lei nº. 2.294/2024, que institui o Exame Nacional de Proficiência em Medicina (Profimed), tornando-o obrigatório para que médicos recém-formados obtenham o registro profissional e possam atuar no Brasil.

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De autoria do Senador Marcos Pontes (PL), o projeto possui o objetivo de garantir a qualidade da formação médica e a segurança do paciente, reduzindo erros médicos. O projeto segue para a Câmara dos Deputados, onde existe um projeto semelhante - PL 785/2024.

É preciso maior cuidado e zelo pelos profissionais da saúde, especialmente os médicos, que devem cumprir o juramento de Hipócrates, realizado ao término de sua formação acadêmica, segundo o qual, eles devem primar pela vida humana e tendo a saúde e o bem-estar de seus pacientes como prioridade.

Assim, quem sabe outros Benício e Ysrael possam viver para construírem a sua história.

*Tamara Santos é advogada especialista em Ciências Penais

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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