

Colunista Mário Fontana pôs fim ao sonho de beatlemaníacos de BH
Jornalista e ambientalista Hiram Firmino conta a história da estátua de John Lennon que quase veio para a capital mineira, com apoio de Yoko Ono
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Recebi o telefonema do meu amigo Hiram Firmino, que trabalhou por anos aqui no jornal, perguntando se poderia enviar uma crônica contando um caso do jornalista e colunista Mário Fontana, que nos deixou na semana passada e hoje (24/10) terá sua missa de sétimo dia celebrada às 19h, no Santuário Nossa Senhora de Fátima, na praça da Assembleia. Claro que aceitei prontamente. Hoje o espaço é do Hiram Firmino em homenagem a meu grande amigo Mário Fontana:
“Convivi muitos anos trabalhando vizinho do jornalista Mário Fontana na redação do Estado de Minas, na velha Rua Goiás, em BH. Ele nos deixou no último dia 18. Sua morte, aos 92 anos, me trouxe uma lembrança beatle ainda hoje inacreditável.
Eu era secretário municipal de Meio Ambiente, no governo Sérgio Ferrara, quando me chegou informação preciosa sobre John Lennon. Meu ídolo havia sido assassinado com cinco tiros na porta do Edifício Dakota, em Nova York, em 1980. Justamente quando voltava de um passeio in love com Yoko Ono pelo Central Park, ex-enorme complexo predial de Manhattan que foi implodido para virar área verde, em nome da melhor qualidade de vida dos moradores.
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Beatlemaníacos de Londres tinham descoberto uma estátua enorme e ainda bem conservada de Lennon jogada debaixo do assoalho de uma igreja em Liverpool. Usando o prestígio do cargo, ajudei uma galera a entrar em contato com a própria Yoko, que não apenas nos doou a estátua, como ofereceu ajuda para o distante transporte da Inglaterra até a terra brasilis. Além – olha que chique – de ela estar presente no grande concerto pela paz que faríamos na inauguração da estátua.
A nova morada física de Lennon seria instalada no início bifurcado da Praça do Papa, no final da Afonso Pena, com a Serra do Curral valorizada ao fundo. Tipo acústica natural, divulgando a capital mineira e conquistando o mundo.
Éramos sonhadores. E tínhamos a realidade de BH ser (até hoje) a capital brasileira mais reconhecida pela quantidade e qualidade de bandas covers dos Beatles do planeta.
Tudo isso era costurado à mineira, de maneira silenciosa, para ninguém atrapalhar e nos jogar pedras. Foi quando o colunista Mário Fontana entrou na história, e o sonho acabou da maneira menos imaginada do mundo.
Com poucas linhas, ele publicou, mais ou menos assim, uma nota mortal na sua coluna: “Enquanto Belo Horizonte ainda não tem uma estátua do Rômulo Paes, a prefeitura quer trazer uma deste roqueiro cabeludo e maconheiro...”

O cantor e compositor mineiro Rômulo Paes (1919-1982) foi parceiro de Ary Barroso e Adoniram Barbosa, com músicas gravadas por Dircinha Batista, Luiz Gonzaga e Orlando Silva, entre outros. Belo Horizonte, musa de Rômulo, batizou uma de suas composições, assim como a Rua da Bahia. Monumento em homenagem a ele foi erguido na esquina de ruas da Bahia e Guajajaras com Avenida Álvares Cabral, trazendo o famoso verso: "A minha vida é esta/ Subir Bahia/ Descer Floresta"
Naquele dia, não consegui tomar café nem sentar na minha cadeira de secretário. O prefeito Sérgio Ferrara, bufando, já tinha me ligado várias vezes. Quando entrei em seu gabinete, logo me disse, aos gritos e abanando as mãos negativamente:
– Não e não! Pode desistir dessa ideia maluca de trazer a estátua desse John Lennon para Belo Horizonte.
– Mas por quê? O Lennon acabou de ser eleito o artista do século...
– Você está pensando que eu sou louco? Leia aí a coluna do seu próprio colega de redação. Li e não acreditei.
Ainda tentei, depois, persuadir o Mário. Em vão. Ele só me devolvia um sorriso matreiro e indisfarçável de satisfação.
O tempo passou.
Imaginei o Mário agora, lendo comigo o Estado de Minas anunciando sua morte. Como o passado não dói nem pode ser modificado, let it be pra eles. Ele e o prefeito. Agradecê-los pelo fato em si que nos ensina, acontecido e inexorável, sermos humanos num planeta de provação e sofrimento.
All we need is love, ainda não sabemos lidar com a tolerância. Por isso, o the end beatle. Perdemos todos, sonhadores ou não.
Pena que Rômulo Paes, como John Lennon, até hoje não tenha a sua merecida estátua.”
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.