Coração

Coração

Alexander Grey/Unsplash


Mara Rute, de 77 anos, é avó da estudante de jornalismo, Giovanna de Souza, de 22, a sua tão amada ‘flor de batata roxa’, apelido que a neta marcou em sua pele, na forma de tatuagem, em homenagem à ‘vovó’. 
 
Giovanna confessou que sentiu receio ao ‘sair do armário’, por sua família ser muito religiosa. Seus pais eram ministros da Eucaristia; sua avó, ministra da Palavra e, juntamente com seu avô, leciona a catequese matrimonial na igreja que os dois frequentam. Ao entrar em seu primeiro relacionamento lésbico, ela decidiu que queria viver sua verdade, e, aos 18 anos, ela se assumiu lésbica para sua avó no sofá marrom da sala de estar de sua casa, no Bairro Milionários, na Região Oeste de Belo Horizonte. 
 
“A dificuldade existe porque não sabemos abrir o coração. Quando eu soube, tive um susto. Mas passou logo, por conta do grande amor que tenho por ela. A Giovanna é a paixão da minha vida, a minha flor de batata roxa. Isso jamais faria com que eu deixasse de amá-la. Deixar de amar esses filhos, netos ou bisnetos devido a sua orientação sexual seria covardia, eu amo do mesmo jeito ou até mais do que já amava”, conta Rute.
 
Por conta da idade de sua avó e por escutar histórias de pessoas que não foram acolhidas pela família, a reação da avó surpreendeu positivamente a neta. “Uma relação que sempre foi muito próxima com a minha avó foi multiplicada por mil depois que me assumi, principalmente porque consigo ser mais verdadeira perto dela. Fico muito feliz de poder viver a minha verdade”, diz a estudante.
 
Giovanna namora há mais de um ano Maria Cecília, bióloga e professora. Quando perguntada sobre o relacionamento, Rute responde com alegria: “Acho ela [Maria Cecília] uma fofura! Estou amando tê-la em nossa família. Eu as aceito de coração e braços abertos, para acolhê-las dentro da minha casa, do meu coração e do meu abraço.”
 
Afeto e compreensão Pessoas transgênero são aquelas cuja identidade de gênero difere do sexo atribuído ao nascer. A identidade de gênero é a maneira que uma pessoa se identifica internamente, não estando necessariamente relacionada ao seu sexo biológico.
 
Tarso Brant, ator trans de Belo Horizonte (MG), que participou da novela ‘A Força do Querer’, da Rede Globo, em 2017, começou sua transição com terapia hormonal aos 19 anos, mas desde pequeno sentia que havia algo ‘diferente’:
 
“Desde criança, quando tinha uns quatro ou cinco anos, já percebia as pessoas ao meu redor me vendo como algo diferente do que eu realmente era. Então, sentia que tinha que me acomodar e tolerar essa situação. Na minha cabeça, era um segredo que eu não podia contar para ninguém.”
Na adolescência, Tarso descobriu que poderia fazer alguma coisa para ele se ver da forma como realmente era. O ator conta que nunca precisou ‘se assumir’ para os pais, mas que ele sempre demonstrava o que lhe fazia bem e o que gostava, e, dessa forma, seus pais o acolheram e apoiaram.
 
“Lá em casa nunca houve muita imposição. Meus pais usavam muito a parte sensível e intuitiva deles, buscando sempre formas de me apoiar enquanto eu buscava o meu espaço. Eles sempre me pautaram muito em uma educação baseada na conversa e no amor. Meus pais foram parte essencial da minha jornada”, afirma Tarso.
 
O ator conta que acredita que a base familiar é algo de extrema importância na vida de uma pessoa LGBTQIA+, já que fora de casa existem muitos que vão ‘apontar o dedo’ e tentar diminuí-lo de alguma forma. “Sem o apoio da família, tudo fica mais difícil.”
 
Para os pais, Tarso dá um conselho: “É importante perceber que ali há uma oportunidade de ser melhor, de apoiar a pessoa que ela colocou no mundo e aprender com ela. É necessário ser mais humano, doar mais amor, compreensão e afeto. Lá fora as pessoas são encarceradas por um turbilhão de preconceitos e preceitos, e dentro de casa isso não precisa existir. Não há necessidade de impor, confie ao jovem essa liberdade de demonstrar mais e exija menos dele. Quanto mais você exige, maiores são as chances de o jovem se tornar um adulto que se cobra demais. Temos que inspirá-los, não podá-los”.

* Estagiária sob supervisão 
da editora Ellen Cristie