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Gerd Altmann/Pixabay


Em mais um exemplo de fé, a assessora de imprensa Paula Milagres conta sua história, que não é só dela, mas de seu pai, Paulo Amaro Gomes, que morreu em agosto de 2021, aos 69 anos. De acordo com ela, no início de 2019, após alguns exames de rotina, seu pai descobriu que estava com um lipossarcoma na região abdominal. Desde a primeira consulta com um cirurgião, ele foi alertado que era um tipo de câncer raro, de crescimento acelerado e, infelizmente, sem sucesso com tratamentos convencionais, como quimioterapia e radioterapia.

“Nesse processo, foram duas cirurgias em 2019. A primeira para a retirada de um tumor de quase 15cm em maio e uma outra em novembro para retirar outros tumores na mesma região, com tamanho muito menor; sessões de quimioterapia e radioterapia sem sucesso em 2020, acompanhadas de mais uma cirurgia e, em 2021, no ano da morte, mais um procedimento cirúrgico”, conta.

“Nesse meio tempo, a pandemia chegou, gerando medo e insegurança com relação a como tudo ficaria, principalmente com relação à saúde dele que já estava fragilizada. “Apesar de todo esse percalço, nós, enquanto família, permanecemos unidos, tentando fazer com que o ambiente, com todas as limitações e incertezas, fosse recheado de amor, fé e certeza de que nada acontece sem um propósito.”
 

O pai de Paula, durante esse período de quase dois anos e meio entre o processo de diagnóstico, mais conhecimento sobre a doença e sua progressão, foi um homem que, segundo a assessora, não reclamou. “Não o vimos lamentar ou chorar e, em momento algum, ele se tornou incrédulo ou questionou sobre o que estava acontecendo com ele. Pelo contrário, com muita fé, muita certeza do que estava acontecendo e do que se passava, ele seguiu de cabeça erguida até seus últimos dias.”
 

Paula, que pôde estar durante todo esse período ao lado do pai, acredita que, o fato de estar rodeado de amor, dos cuidados necessários, da atenção médica dos cirurgiões geral e oncologista e da equipe de home care, fez com que ele se sentisse especial. Além disso, os familiares por parte de sua mãe estiveram, mesmo na pandemia, por perto, seja por telefone ou vídeo e, principalmente, por conta da fé e da certeza que ele, mesmo no momento de dor, fazia parte de um plano superior e que Deus estava no controle de absolutamente tudo. “Isso, com certeza, fez com que essa passagem fosse, de alguma forma, mais leve, tanto para ele como para mim, para minha mãe e irmã.”

Michelle Andreata, médica paliativista

Michelle Andreata, médica paliativista

Marcos Vieira/EM/D.A Press

"Muito do processo da cura vem daí, do pensamento positivo, da crença não só em Deus, mas no objetivo do tratamento, no remédio que está sendo tomado"

Michelle Andreata, médica paliativista



QUALIDADE DE VIDA 
Segundo a médica paliativista Michelle Andreata, da empresa Saúde no Lar, especializada em home care, os adeptos de alguma religião conseguem acessar algumas áreas cerebrais que relaxam os músculos, ativam a circulação, melhoram a respiração e, consequentemente, aliviam o sofrimento.

A especialista diz que lida diariamente com pacientes com doenças graves e, muitas vezes, em estágio terminal, e que existem, na medicina, inúmeros estudos com o objetivo de investigar qual é a relação entre a mente, o corpo e a saúde, na tentativa de compreender qual é o impacto  da espiritualidade na saúde e no bem-estar de pacientes. “A parte do cérebro ativada é o sistema límbico, estrutura da qual ainda desconhecemos o poder. Nela, são feitas inúmeras conexões entre neurônios de diversas áreas cerebrais e é o local onde é processada a maioria dos nossos sentimentos e alterações de  todas as regiões cerebrais. Muito do processo da cura vem daí, do pensamento positivo, da crença não só em Deus, mas no objetivo do tratamento, no remédio que está sendo tomado.”

Por mais que os mecanismos exatos ainda não estejam totalmente compreendidos, conforme explica a médica, há evidências de que trazem benefícios físicos e mentais para os pacientes. Isso porque acredita-se que é possível promover  certa redução do estresse, fornecendo conforto e serenidade nos dias difíceis, sentimentos de esperança, otimismo e resiliência, fazendo com que os pacientes enfrentem doenças e condições de saúde mais desafiadoras de forma mais leve.
 

Além disso, há mais aceitação e aderência a tratamentos indicados pelo médico. “Alguns estudos, inclusive, sugerem que a prática religiosa ou espiritual pode estar associada a benefícios fisiológicos, como uma resposta de relaxamento do sistema nervoso, diminuição da pressão arterial e redução da produção de hormônios do estresse”, comenta. Esses efeitos podem ter impacto positivo na saúde cardiovascular e em outros sistemas do corpo, é válido ponderar que  eles não substituem os tratamentos médicos convencionais, podem, apenas, complementar os cuidados médicos.

É essencial que os pacientes discutam suas crenças e necessidades espirituais – caso as tenha –  com seus médicos, a fim de garantir uma abordagem integrada e abrangente para o cuidado da saúde. Como médica paliativista, ela conta que é possível observar diferenças no tratamento e no comportamento de pessoas com fé em comparação com aqueles que não acreditam em nada durante os cuidados paliativos. 

“A fé pode ter um impacto muito grande na maneira como pacientes enfrentam doenças, lidam com a dor, com o medo, com a manifestação da enfermidade em fase terminal e como buscam significado e conforto, inclusive quando não se tem perspectiva de cura, como é o caso dos cuidados paliativos.  Essa forma de encarar a vida, os processos bons e os ruins e até o processo que leva à morte acabam sendo influenciados de forma positiva. Não que a pessoa que não tenha fé não tenha isso. Aquelas que não acreditam em nada também podem buscar conforto, mas nos relacionamentos com amigos, entes queridos, terapias complementares e nas experiências do hoje. Mas é muito importante respeitar as convicções pessoais do paciente, sejam elas quais forem.”

Quando não há possibilidades de cura, a equipe médica entra com os chamados cuidados paliativos, uma abordagem humana que visa a melhora da qualidade de vida do paciente que está em enfrentamento de doenças graves, avançadas ou que não tenham possibilidade de cura. Seu objetivo é entrar com um suporte que proporcione um bem-estar geral e um suporte emocional tanto para o doente quanto para a família.

CRENÇAS
 “Quando temos um enfermo com fé, essas crenças acabam trazendo certo conforto, esperança e principalmente propósito nesse estágio. É como se fizesse parte da jornada de todos os seres humanos na terra. Alguns vão embora mais cedo, outros de forma inesperada e outros passam pelo processo de adoecimento de forma mais lenta, com sofrimento.  As orações, leituras e rituais criam no paciente um espaço importante de reflexão, de emoção e de conexão com aquilo que acreditam, amenizando dores e sofrimento.”

A psicóloga Fernanda Fusco, especializada em educação parental, explica que quando o paciente não tem fé, isso pode se tornar um dificultador avassalador na vida das pessoas, pois “se partirmos do princípio de que tudo começa na mente, a fé humana torna-se uma condição do existir e, dessa forma, se a fé for, por algum motivo, extraída ou ignorada pela pessoa, sua vida ficará sem sentido e/ou sem valor. “A perda da fé atua diretamente na perda dos sentidos mais profundos e abrangentes da vida humana.”

Para aqueles que estão passando por um momento de doença, seja do próprio ou de um dos familiares, o ideal é, conforme explica Fernanda, apoiar-se nos cuidados médicos e psicológicos. “Em segundo lugar, tenham como suporte a fé, seja ela com quaisquer que sejam as bases religiosas. É importante saber que essa crença pode, de alguma forma, ter um impacto positivo no bem-estar emocional e psicológico, principalmente no momento de enfrentamento de doenças, fornecendo apoio, conforto e esperança”, afirma.

DOR INEVITÁVEL 
Com relação às doenças incuráveis, a profissional conta que é importante ponderar que quando o processo de luto começa a se estabelecer, a dor é inevitável. “Mas vale o convite a exercitar a positividade e o ânimo, seja por meio da escuta de uma boa música, da prática de exercícios físicos, da leitura de bons livros, da meditação, da conversa com os amigos e com exercícios de gratidão. Se mesmo assim a tristeza insistir em assaltar o coração, acolha-a e busque trazer uma nova significação para ela como, por exemplo, a lembrança de momentos bons ou no planejamento dos dias que ainda podem ser vividos.”