Manuella, com a mãe Luciana Guimarães de Morais

Luciana Guimarães de Morais, mãe de Manuella, de 15, diz que sabe bem o que ela acessa: relação de transparência

Juarez Rodrigues/EM/D.A Press


Pensar na relação das pessoas com o universo eletrônico segue a máxima – tudo em excesso faz mal. O uso abusivo de tecnologia é uma realidade que vem de muitos anos e, quando se pensa em crianças e adolescentes, o acesso é ainda mais recorrente, seja por influência de amigos ou da mídia. É o que pontua a psicanalista e psicopedagoga Cristina Silveira.

“Propagandas de jogos estão entrando no Instagram e no Tik Tok sem reservas. O uso do celular extrapola as redes sociais, caminhando para os jogos online e outros tipos de jogos disponíveis amplamente na internet. Daí para o vício em jogos é um pulo. São sedutores e planejados para prender a pessoa por mais tempo. São tão potentes que existem casos de crianças e adolescentes que usam os cartões dos pais para comprar “moedas do jogo”, somando altas quantias”, alerta.
 

Cristina lembra que todos estão suscetíveis ao vício em jogos, inclusive os adultos, mas pessoas que têm dificuldade para socializar são mais propensas a desenvolver o desequilíbrio, já que os jogos online permitem a interação com outras pessoas sem o esforço social, normalmente exigido nas relações cotidianas. “Jogam online com qualquer um, conversam, sem ter que trabalhar e refinar as relações sociais. Outro grupo em especial são os portadores de TDAH que, durante os jogos e em frente a telas, ficam extremamente atentos e concentrados. Os jogos acionam uma química cerebral que proporciona um estado prazeroso nesses indivíduos”, destaca.
 
Cristina Silveira, psicanalista e psicopedagoga

Cristina Silveira, psicanalista e psicopedagoga

Arquivo pessoal

"Os jogos são tão potentes que existem casos de crianças e adolescentes que usam os cartões dos pais para comprar 'moedas do jogo', somando altas quantias"

Cristina Silveira, psicanalista e psicopedagoga

 

Enquanto problemas de saúde mental, o transtorno do jogo pela internet e a dependência de videogames, associados aos transtornos não relacionados a substâncias, demandam acompanhamento terapêutico e psiquiátrico, orienta Cristina. “Implicam essencialmente como características o abuso, a dependência, a tolerância e a abstinência. Obviamente, cada um com suas especificidades”, diz.

Se caminhar para uma patologia propriamente dita, o vício causa dependência extrema. “Os jovens podem ficar agressivos e com humor alterado. Em alguns casos a condição afeta a alimentação, cuidados de higiene pessoal e relacionamentos sociais.

A retirada pode causar período de abstinência, como qualquer vício em drogas”, aponta.
 

Esse é um tipo de problema inerente à internet - começa a surgir na sociedade a partir do momento em que a rede mundial de computadores foi disseminada. Um perigo é a falta de regras que poderiam regular o uso. “O acesso é aberto. Pais e responsáveis devem assumir a responsabilidade e restringir o acesso e utilização prolongada”, recomenda Cristina.

Nesse ponto, não é demais reforçar que os pais são os responsáveis pelo cuidado com os filhos. Se presenteiam a criança com um celular, devem ter consciência do que estão entregando para ela, argumenta Cristina. E, principalmente, consciência de que terão que ficar vigilantes e firmes, caso percebam sinais de abuso, complementa. “Vale instalar bloqueadores de tempo, ficar com os celulares no quarto à noite para que o filho não use o aparelho durante a madrugada, verificar que tipo de jogo estão acessando e com quem estão se relacionando. Tudo isso faz parte do pacote de cuidados que vem junto com o presente”, ensina. 

Jogos "pacíficos"


A administradora de empresas Luciana Guimarães de Morais, de 51 anos, é mãe de Manuella, de 15.  A menina começou a se interessar pelo celular e o universo digital aos 10. Depois que chega da aula, após o almoço, a não ser no intervalo separado para estudar, Manuella fica praticamente o dia inteiro conectada, até a hora de ir dormir, e por mais tempo ainda aos finais de semana. Usa o aparelho não apenas para os jogos, mas também para acessar séries e filmes, além das redes sociais. A jovem gosta de um jogo que envolve outros jogadores – no caso, suas amigas – e outros joga sozinha.  

Manuella tem predileção por jogos mais pacíficos, apenas um com maior teor de violência. A mãe sabe bem o que a filha acessa - a relação entre as duas é de transparência. A própria menina conta tudo. É uma experiência saudável. "Ela nunca mente para mim. E sabe bem o limite de tempo que tem para acessar o celular. Para jogar, às vezes, quando está muito alto ou muita gritaria, peço para parar”, diz Luciana.

A relação da estudante com os games é, dessa maneira, tranquila.  Para ela, até mesmo uma forma de estimular o cérebro. “Suas prioridades são outras”, conta a mãe. Ainda assim, Luciana reforça a importância dos pais e educadores em estabelecer limites. “Manuella não tem interesse por nada além do que é indicado para sua idade", diz a administradora, lembrando que o celular faz parte da vida de Manuella, nesse caso positivamente.    

Para Luciana, a tecnologia tem coisas boas, mas muitas ruins também. E vai além do que apenas acessar conteúdos de entretenimento. O acesso irrestrito ao celular pode gerar problemas, e isso ela percebe inclusive em relação aos seus alunos - dá aulas de inglês em uma escola pública em Belo Horizonte. "É tudo muito rápido. Tudo muito à mão, e muitas vezes, os pais não percebem o risco. As crianças e adolescentes estão expostos”, pondera. 

Termômetro

A Pesquisa Game Brasil (PGB) é um importante termômetro sobre o universo dos games no Brasil. Realizada desde 2013, é desenvolvida pelo Sioux Group e Go Gamers, em parceria com Blend New Research e ESPM. Trata-se de um levantamento anual sobre o consumo de jogos eletrônicos no país e o perfil dos jogadores, e em 2023 chega à 10ª edição.

O levantamento mapeia quem são os jogadores de jogos digitais, analisando os diversos perfis e suas particularidades. Levanta em qual classe social estão os gamers, bem como sua faixa etária, raça e cor, nível de escolaridade, sexo e relação familiar, e quais os principais comportamentos de consumo.

Alguns dados importantes da pesquisa em 2023:


>>  70,1% dos brasileiros têm o costume de jogar jogos eletrônicos

>>  82,1% dos jogadores brasileiros consideram os jogos eletrônicos entre suas principais formas de diversão e, para 75,3%, eles são a principal forma de entretenimento

>>  46,2% dos jogadores brasileiros são mulheres e 53,8% homens

>>  16,2% dos jogadores brasileiros têm entre 25 e 29 anos, 16,1 % de 30 a 34, e 15,5% de 35 a 39

>>  42,2% dos gamers se identificam como brancos, 41,4% pardos e 12,7% pretos

>>  40,6% dos jogadores brasileiros moram com os filhos (são pai ou mãe)

>>  24,6% dos jogadores brasileiros estão na classe B2, 23,2% na classe C1 e 17,8% na classe C2

>>  34,6% têm ensino superior completo e 31,7% ensino médio completo

>>  78,7% dos jogadores de jogos digitais conhecem o metaverso

>>  70,5% não possuem equipamento de realidade virtual

>>  29,6% dos gamers brasileiros concordam totalmente que o setor de games no país oferece boas oportunidades para trabalho e carreira

>>  46,6% das pessoas ouvidas na pesquisa se consideram gamers e 53,4% não

>>  95,5% dos entrevistados jogam em casa

>>  38,8% jogam todos os dias, 25,3% entre três e seis dias da semana, e 17,3% pelo menos uma vez na semana

>>  83,7% dos entrevistados assistem a conteúdos sobre jogos digitais pelo YouTube

>>  82,9% dos ouvidos na pesquisa já ouviram falar em eSports e 63,8% acompanham ou assistem eSports

>>  80% das crianças filhas de pais que jogam e também que não jogam têm o hábito de jogar games; 70,3% são meninos e 50,9% meninas. 

Fonte: Pesquisa Game Brasil (PGB)