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Estado de Minas OBSTÁCULOS

Campo minado no Congresso

Pautas do governo Lula esbarram no perfil conservador de uma Câmara com mais autonomia orçamentária e que assume contornos reacionários, apontam analistas


11/06/2023 04:00
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Plenário da Câmara dos Deputados: relação com a Casa comandada por Arthur Lira, que tem forte influência sobre o baixo clero, ainda desafia o Executivo federal
Plenário da Câmara dos Deputados: relação com a Casa comandada por Arthur Lira, que tem forte influência sobre o baixo clero, ainda desafia o Executivo federal (foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados - 24/2/23 )

Brasília – Com pouco mais de cinco meses de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda não conseguiu construir uma relação estável com a Câmara dos Deputados, presidida por Arthur Lira (PP-AL), um pecuarista de Alagoas que conseguiu manter o controle de boa parte do chamado Centrão, o majoritário grupo de deputados conservadores que tem como alicerce as bancadas do agronegócio, dos evangélicos e da segurança pública. Ao longo dos dois últimos anos do mandato de Jair Bolsonaro (PL), Lira foi um fiel apoiador do governo e concentrou grande poder ao tomar para si a prerrogativa de liberar recursos públicos de forma discricionária e praticamente sem controle do Executivo, com o chamado orçamento secreto.

Dessa forma, liderou a base de apoio parlamentar de Bolsonaro, trabalhou pela reeleição do então presidente e, mesmo com seu candidato derrotado, reelegeu-se, em fevereiro — com votação recorde —, para comandar mais uma legislatura na Câmara. Até a bancada do PT, partido do presidente eleito, apoiou sua reeleição. Lira, porém, mantém-se como líder mais influente do chamado baixo clero, formado por deputados de pouca expressão nacional ligados, fundamentalmente, a interesses fisiológicos e paroquiais de suas respectivas bases eleitorais — e que formam a argamassa do Centrão.

Depois de fracassar na tentativa de impor sua agenda ultraconservadora nos primeiros dois anos de governo, quando enfrentou a resistência do então presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o presidente Jair Bolsonaro encontrou em Arthur Lira o suporte que precisava para barrar as tentativas de impeachment e pavimentar o caminho para a reeleição. Para isso, praticamente terceirizou a gestão do Orçamento. E Lira acumulou um poder que nenhum outro presidente da Câmara havia conseguido, com apoio quase incondicional do Centrão, generosamente alimentado com a liberação de verbas do orçamento secreto.

Ao longo do período pós-redemocratização, o Centrão sempre foi o fiel da balança da governabilidade (leia texto abaixo). Na maior parte das últimas três décadas, compôs com o presidente de turno a base de sustentação política. A diferença era que o Executivo tinha, além dos cargos, a chave do cofre dos recursos orçamentários. A partir do governo de Dilma Rousseff (PT), em que as relações entre Executivo e Legislativo começaram a se esgarçar, mudanças na Constituição foram aprovadas para ampliar o poder do Congresso na liberação de recursos por meio das emendas parlamentares, com o Orçamento Impositivo.

Em 2019, Davi Alcolumbre (DEM-AP) assumiu a presidência do Senado e construiu um esquema de poder baseado em brechas na legislação que deram origem ao orçamento secreto. Por meio das emendas de relator (RP9), dinheiro do Orçamento era liberado para currais eleitorais sem transparência nenhuma. A receita foi aprofundada por Arthur Lira, a partir de 2021, na Câmara. Dessa forma, consolidou-se o fim do principal instrumento de negociação política da Presidência da República, a liberação discricionária de emendas parlamentares.

Diante da autonomia conquistada pelo Congresso, somada ao fato de que, em 2022, os brasileiros escolheram nas urnas deputados de caráter conservador e reacionário, as pautas capitaneadas pelo governo de Lula 3 enfrentam sérias barreiras para sair do papel. “A novidade que existe em relação aos outros Congressos desde a redemocratização é que o o mais atual é reacionário. Ele não pretende conservar valores tradicionais, mas romper com a ordem política e social vigente para restaurar uma ordem passada idealizada”, avalia o professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Pedro Villas Boas Castelo Branco.

O cientista político Antônio Lavareda relembra que a onda conservadora no Brasil ganhou força há pelo menos uma década. “O conservadorismo avança no Brasil de 2012 pra cá. O avanço da direita não começou em 2018. Começou em 2012”, relembra. Para Graziella Testa, da FGV, a grande diferença é o que aconteceu com a direita brasileira. “Por um bom tempo, o eleitor de direita era um eleitor de centro-direita, que tinha uma preocupação sobretudo econômica. O que antes a gente entendia como um pensamento conservador, de que as pessoas não queriam mudar o que estava posto, passou a ser um pensamento de quem estava incomodado com as coisas como estão. Se antes essa direita não queria que se estendessem as possibilidades de aborto legal, agora essa direita quer restringir as possibilidades que já existem”, detalha Graziella.

Esse novo retrato do conservadorismo se apoiou nos alicerces colocados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que conseguiu ecoar o seu discurso da antipolítica nesse eleitorado reacionário que já vinha nascendo no país. Com isso, para além de um Congresso conservador, como já era posto desde a redemocratização, consolidou-se um parlamento reacionário. Transitar nesse cenário é o grande desafio colocado a Lula neste momento.

Bancada com alto poder de sustentação


Desde que José Sarney (MDB-AP) assumiu a Presidência da República com a morte de Tancredo Neves, em 1985, a sustentabilidade política foi construída em acordos com a bancada conservadora no Congresso. O que se conhece, hoje, como Centrão, nasceu na Assembleia Nacional Constituinte, em 1987, para se contrapor à agenda progressista encampada pelos partidos de esquerda e abraçada pelo então presidente da Câmara (e da Constituinte), Ulisses Guimarães (PMDB-SP).

De lá para cá, os dois presidentes que bateram de frente com o Centrão colheram resultados amargos. Com discurso contra a política tradicional, promessa de caçar os “marajás” do serviço público e postura de candidato antiesquerda (Lula tentava chegar à Presidência pela primeira vez), Fernando Collor de Mello foi eleito com amplo apoio popular. Mas o permanente embate com o Congresso e denúncias de corrupção minaram seu governo. Em 1992, com apenas dois anos de mandato, Collor foi o primeiro presidente a perder o cargo por processo de impeachment.

Embalado pelo sucesso do Plano Real, que acabou com a hiperinflação no país, Fernando Henrique Cardoso cumpriu dois mandatos — foi eleito em primeiro turno nas duas vezes em que disputou a Presidência — aliando o PSDB de centro-esquerda aos conservadores do PFL de Marco Maciel e Antônio Carlos Magalhães, que, anos antes, haviam liderado a ruptura da base política que sustentava a ditadura militar e deram, em 1984, maioria para a eleição indireta de Tancredo Neves contra Paulo Maluf no Colégio Eleitoral.

Para suceder FHC e vencer uma eleição presidencial depois de três tentativas, Luiz Inácio Lula da Silva chamou para vice-presidente o empresário José Alencar, do Partido Republicano Brasileiro (PRB), com o objetivo de quebrar a resistência conservadora. O PRB virou Republicanos, partido do atual senador Hamilton Mourão (RS), que formou, com o PP e o PL, a base do governo de Jair Bolsonaro (PL). O próprio PP também participou do governo do petista.

Foi no primeiro mandato de Lula que o baixo clero do Centrão mostrou sua força. Em 2005, impôs ao governo sua maior derrota política. Na eleição para a presidência da Câmara, aproveitando um racha no PT, que lançou dois candidatos, o desconhecido Severino Cavalcanti, do PP de Pernambuco, venceu a disputa com 300 dos 498 votos da Casa. Fisiológico e sem apoio dos grandes partidos, Severino foi cassado meses depois por corrupção. Para reconquistar o cargo, Lula tirou o PT da disputa e apoiou Aldo Rebelo, do PCdoB, um hábil articulador político.

A decisão de Lula de fazer sua ministra da Casa Civil Dilma Rousseff sucessora na Presidência levou o PT a montar uma nova composição com a ala conservadora do Congresso. Para formar chapa com Dilma, foi feito o convite para Michel Temer, do PMDB, que havia presidido a Câmara nos dois últimos anos do governo Lula. A aliança entre progressistas e conservadores funcionou durante o primeiro mandato dela, quando a presidência da Câmara foi ocupada, no primeiro biênio, por um petista — Marco Maia (RS) —, sucedido por um peemedebista, Henrique Eduardo Alves (RN). Mas degringolou quando Dilma foi reeleita e Eduardo Cunha (PMDB-RJ) assumiu o comando da Casa. A briga entre os dois Poderes terminou com o impeachment de Dilma Rousseff e a cassação de Cunha. Mas o poder do Centrão estava consolidado. Nos governos Temer e Bolsonaro, o Centrão foi a base da sustentação política. (VD)


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