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Estado de Minas AGRESSÕES DA CANDIDATURA AO MANDATO

Da direita à esquerda: mulheres enfrentam (e encaram) violência na política

Denúncias contra práticas violentas cujo objetivo é minar a mulher no ambiente político começam a se tornar mais frequentes, apesar de luta ainda ser longa


12/09/2021 23:25 - atualizado 13/09/2021 09:11

Senado debateu a violência contra a mulher na política, em 2020
Senado debateu a violência contra a mulher na política, em 2020 (foto: Jane de Araújo/Agência Senado)
Danos psicológicos, importunação sexual, assédio... Crimes e agressões que ocorrem historicamente contra as mulheres no meio político, enfim, começam a ganhar compreensão na sociedade e denúncias formais no legislativo. O fim desse tipo de violência - presente da direita à esquerda - ainda está longe, mas cada vez menos elas se calam e as vozes dão dimensão ao problema estrutural. Em pleno 2021.

 

Imagine uma vereadora, em pleno exercício da função, durante uma votação, escutar de um colega que ela "tem tesão" nele. É repugnante até cogitar tal situação, mas o caso se tornou alvo de denúncia de importunação sexual, assédio moral e quebra de decoro na Câmara Municipal de Porto Alegre.

 

"Acabei de ouvir do vereador Alexandre Bobadra (PSL) que tenho 'tesão' nele, uma típica demonstração do machismo que nós mulheres somos submetidas", escreveu a vereadora da capital gaúcha Bruna Rodrigues (PCdoB). "Que a Câmara de Vereadores é um espaço hostil às mulheres eu já sabia. Talvez alguns homens desse lugar é que não sabem que sou do tipo das que não leva desaforo pra casa. Medidas estão sendo tomadas", finalizou, antes de protocolar a denúncia na Comissão de Ética da Câmara local.

 

 

 

"Nada de novo sob o sol. Não há uma conquista feminina que não tenha vindo com muito esforço. E elas são resultado da união de mulheres em prol dos nossos direitos, ainda que algumas se digam antifeministas. É bom lembrar que, se elas votam e podem ser eleitas, é fruto da luta do movimento feminista", analisa Maria Carolina Medeiros, professora, doutoranda na PUC-Rio e pesquisadora da socialização feminina.

 

A cada 10, 9 sofrem violência

 

O percentual choca - apesar de não surpreender: a cada 10 mulheres que concorreram às prefeituras de capitais no ano passado, nove afirmaram ter sofrido violência nas eleições. Essa é uma das conclusões de levantamento feito pelo jornal O Estado de São Paulo com as 50 mulheres que disputaram o Executivo municipal em 2020.

 

A maior parte (46,7%) disse sofrer ataques com frequência. Do total, 88% afirmam ter sofrido violência política de gênero nas eleições de 2020 e 72,3% acreditam que os episódios prejudicaram a campanha. A violência psicológica é a mais recorrente (97,7%) e a internet é o espaço onde as mulheres são mais atacadas (78%), seguida da campanha de rua (50%). 

 

"'Ter o direito de' é muito diferente de criar o ambiente necessário e dar ferramentas que de fato possibilitem o acesso. O papel social da mulher sempre esteve ligado à esfera privada, ao lar e à família, enquanto os homens ocupavam a esfera pública'', afirma a pesquisadora Maria Carolina Medeiros.

A estudiosa pontua que o direito ao voto foi conquistado em uma história recente e que a representatividade política ainda é mínima. "Quando olhamos pra História, é fácil constatar: política nunca foi espaço da mulher. A violência, real ou simbólica, é mais uma forma de dizer às mulheres que o nosso lugar não é ali". 

 

A doutora em Ciência Política e professora da UFMG Mara Telles ainda complementa ao dizer que mulheres correspondem a pouco mais do que a metade da população brasileira e a participação delas tem crescido no mercado de trabalho, na ciência e nas artes. ''Contudo, a participação feminina não ocorreu na política, pois sua representação nos legislativos não corresponde a sua presença em diversos outros setores, o que dificulta a democratização'', pontua.

 

'Danos psicológicos' 

 

E o desgaste para se manter nesse cargo ainda é um dos principais dificultadores. Isso porque a violência política contra a mulher pode ter um impacto que vai além das mulheres que a sofrem diretamente, pois tem como o objetivo diminuir o alcance de sua atuação. 

 

LEIA TAMBÉM:  Saiba o que muda após violência psicológica se tornar crime contra mulher  

 

No fim do mês passado, a vereadora mais votada da história de Divinópolis, Lohanna França (Cidadania),  protocolou representação por quebra de decoro parlamentar contra o vereador Eduardo Azevedo (PSC)

 



Oponentes, principalmente nas questões ideológicas, Lohanna alegou que o vereador extrapolou a razoabilidade e causou danos psicológicos. A parlamentar afirmou que ele tem manipulado fatos que a envolvem, distorcendo a realidade e incitando a propagação de inverdades pela população.

 

"Dando ensejo a um desgaste da autoestima e autoconfiança da vereadora, com consequente prejuízo à sua saúde psicológica", diz trecho da representação feita por ele, contra Azevedo, na Câmara Municipal. 

 

Vale lembrar que violência psicológica se tornou lei recentemente, no fim de julho. É crime "causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação".

 

O vereador Eduardo Azevedo, por sua vez, afirmou que Lohanna está "tentando se vitimizar" porque a imagem dela está "queimada, arranhada e desgastada".

 

Ambiente hostil para afastá-las 

 

''Há todo um ambiente hostil que reforça que política não é para ela'', define a pesquisadora Maria Carolina Medeiros, ao explicar que há muitas dificuldades que não são transpostas somente porque a mulher tem a "possibilidade" de se candidatar ou mesmo, no caso de Lohanna, se eleger como a mais votada da história do município. 


"Desde a infância somos socializadas para a docilidade, como diz Simone de Beauvoir: na contenção do corpo que não sobe em árvores e senta de pernas fechadas, na contenção da fala sob pena de ser tachada de agressiva (o que não seria "coisa de mulher"), no estímulo ao casamento e à maternidade compulsória como destino da felicidade. A socialização coloca a mulher em um lugar no qual ela aprende que, para agradar, deve renunciar à sua autonomia, às ferramentas para apreender o mundo'', afirma Maria Carolina. 

 

Por outro lado, segundo a pesquisadora, homens foram criados debatendo com homens no espaço público e, mesmo que de forma subjetiva, tendem a achar as mulheres inferiores, como se dividir o espaço com elas fosse uma concessão.

 

"Mesmo homens que conceitualmente apoiem a participação feminina, dificilmente querem negociar seus privilégios para mudar a realidade, seja dividindo as tarefas domésticas e cuidado com os filhos para que haja tempo para o trabalho da mulher, seja propondo divisão igualitária de recursos partidários, seja respeitando a fala da mulher", analisa.


Violência contra a mulher não tem partido


Os casos de violência contra as mulheres atravessam partidos de direita ou de esquerda. Em julho, a vereadora de Niterói (RJ) Verônica Lima (PT) denunciou, pelas redes sociais, ter sido vítima de ataques machistas e lesbofóbicos por parte do também vereador Paulo Eduardo Gomes (PSOL).

De acordo com a parlamentar, o vereador avançou em sua direção e teve que ser contido por colegas. "Você quer ser homem?, se você quer ser homem, vou te tratar como homem", disparou. O gesto foi condenado por outros vereadores e também pelo diretório local do PSOL.



"Adoraria acreditar que posicionamentos políticos, por si só, garantiriam que as mulheres não sofressem opressão. Infelizmente, o que eu vejo, na prática, são homens dos mais diversos partidos agredindo, assediando mulheres ou silenciando diante da violência", diz a pesquisadora Maria Carolina Medeiros.

Em fevereiro, outro caso gerou movimentação nas redes sociais. A co-deputada Raquel Marques (Rede), integrante de um mandato coletivo na Assembleia Legislativa de São Paulo, foi destituída do posto por seus colegas após publicações nas redes sociais que defendiam que a esquerda deveria se indignar com o desrespeito aos direitos das crianças tanto quanto se revolta com a transfobia.

Raquel defendia a abertura das escolas para alunos vulneráveis. A expulsão foi decidida pelo PSOL-SP em reunião realizada sem sua presença e comunicada em nota pública nas redes sociais do partido.

Em resposta, Raquel publicou em seu Facebook: ''É absurda a acusação feita pela titular do mandato e é lamentável que um mandato que se apresenta como defensor da democracia, do diálogo e da coletividade recorra a métodos tão autoritários por um projeto de poder."


Violência política contra elas na mira


Em julho, o Senado aprovou, por unanimidade, projeto que combate a violência política contra a mulher. Entre as ações previstas no texto, estão a criminalização de abusos e a determinação de que o enfrentamento a esse tipo de violência faça parte dos estatutos partidários. O PL 5.613/2020 segue para sanção presidencial.

O projeto, da deputada Rosângela Gomes (Republicanos-RJ), considera violência política contra as mulheres toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, dificultar ou restringir os direitos políticos delas, não apenas durante as eleições, mas no exercício de qualquer função política ou pública. Também serão punidas práticas que depreciem a condição da mulher ou estimulem sua discriminação em razão do sexo feminino ou em relação a cor, raça ou etnia.

O projeto também modifica a lei 9.096, de 1995, que trata dos partidos políticos, para estabelecer que o estatuto do partido deve trazer normas para prevenção, repressão e combate à violência política contra a mulher.

(Com informação de Agência Senado)


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