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Estado de Minas CPI DA COVID

Depoimento é nesta terça-feira: 'Capitã cloroquina' em xeque no Senado

Secretária do Ministério da Saúde que defende uso de medicamento sem eficácia para o coronavírus e é contra o isolamento social vai depor hoje na comissão


25/05/2021 04:00 - atualizado 25/05/2021 07:45

Mayra Pinheiro, que tem atuação questionada no ministério, depõe aos senadores protegida por um habbeas corpus parcial do STF(foto: Anderson Riedel/PR - 16/5/21)
Mayra Pinheiro, que tem atuação questionada no ministério, depõe aos senadores protegida por um habbeas corpus parcial do STF (foto: Anderson Riedel/PR - 16/5/21)
 
Os senadores da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da COVID-19 começam a ouvir figuras de escalões inferiores do Ministério da Saúde. A nova etapa começa após as oitivas de ex-chefes da pasta e do atual responsável pela área, Marcelo Queiroga. Hoje pela manhã, quem deve depor é a pediatra e intensivista Mayra Pinheiro, secretária de gestão do trabalho e educação na saúde, jocosamente chamada de “Capitã Cloroquina”. Nas redes sociais, a cearense protesta contra as medidas restritivas para combater a pandemia de coronavírus.

A médica de 54 anos ganhou destaque ao defender, como forma de combate ao novo coronavírus, a utilização do remédio, sem eficácia comprovada contra a doença viral. Por isso, ganhou uma espécie de “apelido militar”. Na Esplanada dos Ministérios desde o início da gestão de Luiz Henrique Mandetta, em 2019, Mayra é descrita por interlocutores que já bateram ponto na Saúde federal como uma secretária discreta em termos de resultados.

Candidata ao Senado pelo PSDB cearense em 2018, terminou em quarto lugar, com 11,37% dos votos válidos. Perdeu a disputa para Cid Gomes (PDT) e Eduardo Girão (Pros), que levaram as duas vagas em jogo. Apoiadora ferrenha do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), também ganhou notoriedade por protestar contra o programa Mais Médicos, que “importou” profissionais de países como Cuba e Venezuela para encorpar a rede assistencial do Brasil. Ao lado do antigo chefe, Eduardo Pazuello, Mayra é alvo de ação do Ministério Público Federal (MPF) que investiga as responsabilizações pelo caos sanitário provocado pela falta de oxigênio em Manaus.

Mandetta e crise

O Estado de Minas apurou que, durante o tempo em que foi chefiada por Mandetta, Mayra tinha pouco poder de decisão. No livro “Guerra à Saúde: Como o Palácio do Planalto transformou o Ministério da Saúde em inimigo público no meio da maior pandemia do século XXI”, Ugo Braga, que foi chefe da assessoria de comunicação do ministério na gestão do médico sul mato-grossense, conta que a secretária tinha fama de “fazer muito e falar pouco”. Apesar disso, o jornalista levanta a hipótese de a reputação ser “injustificada”.

Quando Mandetta foi demitido, em abril do ano passado, Mayra continuou no ministério. Sobreviveu à passagem relâmpago de Nelson Teich e ganhou protagonismo com Pazuello, que saiu em março deste ano. Mayra comandou ações da Saúde nacional em Manaus pouco antes de a cidade sofrer por causa do desabastecimento de oxigênio. Ao MPF, segundo documentos obtidos por “O Globo”, a médica confirmou ter visitado hospitais em prol da difusão do ineficaz tratamento precoce, chamado de “kit COVID-19”. Além da cloroquina, o coquetel de medicamentos tem substâncias como o vermífugo ivermectina.

A secretária precisará dar explicações sobre o TrateCov, aplicativo responsável por “calibrar” a dosagem dos remédios do coquetel conforme os sintomas. Por ser alvo de ação que pode resultar em indiciamento por improbidade administrativa, a “capitã cloroquina” conseguiu, por intermédio do Supremo Tribunal Federal (STF), habeas corpus que permite o silêncio em caso de perguntas dos senadores sobre o colapso no Amazonas, entre dezembro de 2020 e janeiro deste ano. O princípio do benefício é o mesmo do habeas corpus concedido a Pazuello antes de seu depoimento: evitar a criação de provas contra si mesma.

Defesa

Os perfis de Mayra Pinheiro na internet têm inúmeras referências à cloroquina, remédio que, originalmente, serve para enfermidades como lúpus e malária. Antes tida como uma secretária de pouca relevância, a cearense precisará ir à CPI explicar, sobretudo, a defesa à ao composto. Ontem, ao jornal paranaense “Gazeta do Povo”, voltou a sustentar a tese que costumeiramente difunde. “Assim como todos os tratamentos na medicina, sem exceção, essa droga possui graus de eficácia e eficiência que vão variar, segundo as evidências atuais, de acordo com a gravidade da doença, tempo de início do seu uso e medicações associadas”, disse, ao tratar do remédio.

Apesar do protagonismo adquirido por causa do dito “tratamento precoce”, a secretaria comandada por Mayra não é, em tese, o setor responsável por deliberar sobre o combate a enfermidades. Durante a gestão de Mandetta, por exemplo, ela foi incumbida de formatar “O Brasil conta comigo”, programa para encorpar a rede de saúde com estudantes de medicina. Foi responsável, também, por captar médicos para as áreas em situação difícil.

A médica vai ao Senado Federal acompanhada por dois advogados. Um deles, Djalma Pinto, garante que a atuação da cliente é “respaldada por estudos científicos autorizados” e baseada na “legalidade”. Em fevereiro, Mayra publicou artigo defendendo a nota técnica que deliberava sobre a utilização do "kit COVID" em solo nacional. A secretária alega que opositores do coquetel podem ser responsáveis por milhares de mortes. O texto foi submetido à Revista Sanitária da Comissão de Saúde do Conselho Nacional do Ministério Público.

Quem também assina o texto é Hélio Angiotti Neto, secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde. “A esperança de pacientes e profissionais em exercitar sua liberdade, que em nada viola a liberdade dos demais e que responde a um potencial benefício terapêutico, não pode ser suplantada pelo desejo tirânico de distorcer a ciência e utilizá-la como pretexto para uma disputa política e para a opressão profissional", argumentam.

Atuação política nas redes

Em meio à defesa dos remédios sem eficácia atestada, Mayra Pinheiro age como uma espécie de “política” nas redes. Seu perfil no Instagram, por exemplo, é recheado de artes destacando manchetes favoráveis ao governo e a Bolsonaro – mesmo que não tenham relação direta com a COVID-19, como os protestos ocorridos no Dia do Trabalho. Os conteúdos, aliás, têm uma assinatura em forma de logomarca, como fazem deputados, vereadores e outras figuras do poder público.

Em 2018, Mayra Pinheiro quase alcançou Eduardo Girão na disputa pelo Senado Federal. O PSDB, que a abrigou na disputa, tem o cearense Tasso Jereissati como um de seus representantes na Câmara Alta do Congresso. Ele foi um dos cabos eleitorais da médica, que concorreu sob a alcunha de “Doutora Mayra”. Nas redes, seguindo expediente bolsonarista, a médica adota postura bélica contra alguns veículos da imprensa cearense. Constantemente, critica o jornal “O Povo” pela cobertura de fatos que a envolvem, como a recente ação do MPF.

No livro “Guerra à saúde”, Ugo Braga diz que Jereissati indicou a então correligionária para ocupar posto no Ministério da Saúde. A reportagem tentou contato com a assessoria do parlamentar para ouvi-lo sobre a suposta recomendação, mas não teve retorno. Algum tempo depois do pleito de 2018, Mayra deixou os quadros tucanos e passou a pertencer ao partido Novo. Lá, chegou a ser ventilada como possível componente de chapa para disputar a Prefeitura de Fortaleza. A legenda, porém, não participou da corrida eleitoral.

Em março deste ano, a integrante do governo federal se desfiliou do partido Novo. A direção nacional da agremiação, vale lembrar, emitiu nota que posiciona a sigla como oposição à gestão Bolsonaro. O resultado de 2018 credenciou Mayra a ser importante player na última disputa eleitoral em Fortaleza. Sem candidato no Novo, apoiou o bolsonarista Capitão Wagner, do Pros, que parou no segundo turno.

Mais Médicos

No papel, a pasta que Mayra Pinheiro assumiu no Ministério da Saúde é responsável por cuidar de iniciativas como o Mais Médicos, remodelado por Bolsonaro — o que acabou dificultando o ingresso de mais profissionais estrangeiros. No fim de 2018, ao El País Brasil, a cearense teceu críticas às diretrizes originais do Mais Médicos, alegando que a política pública servia, prioritariamente, para auxiliar prefeitos sem recursos para contratar profissionais de saúde. Na visão dela, não havia a garantia de que os cidadãos estavam “recebendo” os médicos. A profissional também não deixou de alfinetar os cubanos.

“Nas redes, aliás, a médica sempre compartilha posts de entidades contrárias a medidas restritivas. Em março, replicou nota em que o Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal (CRM-DF) oficializa posição contrária ao lockdown. “A restrição ainda maior de liberdade causa o aumento da incidência de transtornos mentais, o uso e abuso de álcool/ou outras drogas, agravamento das demais doenças crônicas, além de prejuízo irremediável à economia, provocando desemprego, fome, violência e, por conseguinte, mais caos à saúde”, lê-se no texto, escrito quando a unidade federativa optou por endurecer o combate à infecção. A saúde mental citada pelo CRM-DF na nota que Mayra compartilhou parece ser um tema muito caro à médica. Ela costuma compartilhar conteúdos sobre o tema.

O que é uma CPI?

As comissões parlamentares de inquérito (CPIs) são instrumentos usados por integrantes do Poder Legislativo (vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores) para investigar fato determinado de grande relevância ligado à vida econômica, social ou legal do país, de um estado ou de um município. Embora tenham poderes de Justiça e uma série de prerrogativas, comitês do tipo não podem estabelecer condenações a pessoas.

Para ser instalado no Senado Federal, uma CPI precisa do aval de, ao menos, 27 senadores; um terço dos 81 parlamentares. Na Câmara dos Deputados, também é preciso aval de ao menos uma terceira parte dos componentes (171 deputados).

Há a possibilidade de criar comissões parlamentares mistas de inquérito (CPMIs), compostas por senadores e deputados. Nesses casos, é preciso obter assinaturas de um terço dos integrantes das duas casas legislativas que compõem o Congresso Nacional.

O que a CPI da COVID investiga?


O presidente do colegiado é Omar Aziz (PSD-AM). O alagoano Renan Calheiros (MDB) é o relator. O prazo inicial de trabalho são 90 dias, podendo esse período ser prorrogado por mais 90 dias.



Saiba como funciona uma CPI

Após a coleta de assinaturas, o pedido de CPI é apresentado ao presidente da respectiva casa Legislativa. O grupo é oficialmente criado após a leitura em sessão plenária do requerimento que justifica a abertura de inquérito. Os integrantes da comissão são definidos levando em consideração a proporcionalidade partidária — as legendas ou blocos parlamentares com mais representantes arrebatam mais assentos. As lideranças de cada agremiação são responsáveis por indicar os componentes.

Na primeira reunião do colegiado, os componentes elegem presidente e vice. Cabe ao presidente a tarefa de escolher o relator da CPI. O ocupante do posto é responsável por conduzir as investigações e apresentar o cronograma de trabalho. Ele precisa escrever o relatório final do inquérito, contendo as conclusões obtidas ao longo dos trabalhos. 

Em determinados casos, o texto pode ter recomendações para evitar que as ilicitudes apuradas não voltem a ocorrer, como projetos de lei. O documento deve ser encaminhado a órgãos como o Ministério Público e a Advocacia-Geral da União (AGE), na esfera federal.

Conforme as investigações avançam, o relator começa a aprimorar a linha de investigação a ser seguida. No Congresso, sub-relatores podem ser designados para agilizar o processo.

As CPIs precisam terminar em prazo pré-fixado, embora possam ser prorrogadas por mais um período, se houver aval de parte dos parlamentares

O que a CPI pode fazer?

  • chamar testemunhas para oitivas, com o compromisso de dizer a verdade
  • convocar suspeitos para prestar depoimentos (há direito ao silêncio)
  • executar prisões em caso de flagrante
  • solicitar documentos e informações a órgãos ligados à administração pública
  • convocar autoridades, como ministros de Estado — ou secretários, no caso de CPIs estaduais — para depor
  • ir a qualquer ponto do país — ou do estado, no caso de CPIs criadas por assembleias legislativas — para audiências e diligências
  • quebrar sigilos fiscais, bancários e de dados se houver fundamentação
  • solicitar a colaboração de servidores de outros poderes
  • elaborar relatório final contendo conclusões obtidas pela investigação e recomendações para evitar novas ocorrências como a apurada
  • pedir buscas e apreensões (exceto a domicílios)
  • solicitar o indiciamento de envolvidos nos casos apurados

O que a CPI não pode fazer?

Embora tenham poderes de Justiça, as CPIs não podem:

  • julgar ou punir investigados
  • autorizar grampos telefônicos
  • solicitar prisões preventivas ou outras medidas cautelares
  • declarar a indisponibilidade de bens
  • autorizar buscas e apreensões em domicílios
  • impedir que advogados de depoentes compareçam às oitivas e acessem
  • documentos relativos à CPI
  • determinar a apreensão de passaportes

A história das CPIs no Brasil

A primeira Constituição Federal a prever a possibilidade de CPI foi editada em 1934, mas dava tal prerrogativa apenas à Câmara dos Deputados. Treze anos depois, o Senado também passou a poder instaurar investigações. Em 1967, as CPMIs passaram a ser previstas.

Segundo a Câmara dos Deputados, a primeira CPI instalada pelo Legislativo federal brasileiro começou a funcionar em 1935, para investigar as condições de vida dos trabalhadores do campo e das cidades. No Senado, comitê similar foi criado em 1952, quando a preocupação era a situação da indústria de comércio e cimento.

As CPIs ganharam estofo e passaram a ser recorrentes a partir de 1988, quando nova Constituição foi redigida. O texto máximo da nação passou a atribuir poderes de Justiça a grupos investigativos formados por parlamentares.

CPIs famosas no Brasil

1975: CPI do Mobral (Senado) - investigar a atuação do sistema de alfabetização adotado pelo governo militar

1992: CPMI do Esquema PC Farias - culminou no impeachment de Fernando Collor

1993: CPI dos Anões do Orçamento (Câmara) - apurou desvios do Orçamento da União

2000: CPIs do Futebol - (Senado e Câmara, separadamente) - relações entre CBF, clubes e patrocinadores

2001: CPI do Preço do Leite (Assembleia de MG e outros Legislativos estaduais, separadamente) - apurar os valores cobrados pelo produto e as diretrizes para a formulação dos valores

2005: CPMI dos Correios - investigar denúncias de corrupção na empresa estatal

2005: CPMI do Mensalão - apurar possíveis vantagens recebidas por parlamentares para votar a favor de projetos do governo

2006: CPI dos Bingos (Câmara) - apurar o uso de casas de jogo do bicho para crimes como lavagem de dinheiro

2006: CPI dos Sanguessugas (Câmara) - apurou possível desvio de verbas destinadas à Saúde

2015: CPI da Petrobras (Senado) - apurar possível corrupção na estatal de petróleo

2015: Nova CPI do Futebol (Senado) - Investigar a CBF e o comitê organizador da Copa do Mundo de 2014

2019: CPMI das Fake News - disseminação de notícias falsas na disputa eleitoral de 2018

2019: CPI de Brumadinho (Assembleia de MG) - apurar as responsabilidades pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão
 


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