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Estado de Minas POLÊMICA NO SUPREMO

PGR quer suspender aval a 'ficha-suja' por indicado de Bolsonaro no STF

Recurso pede suspensão da medida tomada pelo ministro Kassio Nunes Marques até votação no plenário do STF


22/12/2020 04:00 - atualizado 22/12/2020 13:50

Requerimento contra decisão do ministro Nunes Marques enumera cinco obstáculos jurídicos, incluindo desrespeito à Constituição(foto: Felipe Sampaio/SCO/STF - 2/12/20)
Requerimento contra decisão do ministro Nunes Marques enumera cinco obstáculos jurídicos, incluindo desrespeito à Constituição (foto: Felipe Sampaio/SCO/STF - 2/12/20)

 
Brasília – O vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, apresentou ontem recurso contra a decisão monocrática (individual) do ministro do Supremo Tribunal Federal Kassio Nunes Marques, que, no último sábado, suspendeu um trecho da Lei da Ficha Limpa. Na prática, a medida cautelar do magistrado poderia permitir que políticos com “ficha-suja”, mas que disputaram o pleito deste ano, assumissem cargos.

A decisão de Marques foi tomada um dia antes do recesso do Judiciário, que começou no domingo, e seria analisada pelo plenário só ao final do período. Medeiros pediu ao presidente do Supremo, Luiz Fux, a suspensão da liminar ou que todos os processos que tratam do tema fiquem “sobrestados”, ou seja, paralisados até decisão do plenário da Corte.

No recurso, o vice-procurador geral da República aponta que a decisão tem ao menos cinco obstáculos jurídicos. Dentre eles, o artigo 16 da Constituição Federal prevê que “a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”. O artigo foi também citado pelo ministro Marco Aurélio ao Estado de Minas, quando o magistrado comentou ter visto com perplexidade a decisão do colega.

Medeiros pontua que “a superação monocrática desse precedente obrigatório é ato que não encontra respaldo na legislação sendo capaz de ensejar grave insegurança jurídica no relevante terreno do processo eleitoral”. Outro obstáculo apontado por ele consiste no fato de que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ter um enunciado que prevê que o prazo de oito anos de inelegibilidade é após o cumprimento da pena, “seja ela privativa de liberdade, restritiva de direito ou multa".

Quebra de isonomia 

Para Humberto Medeiros, a decisão de Marques gerou quebra de isonomia no processo eleitoral. “Isso porque o ministro relator deferiu o pedido de suspensão da expressão ‘após o cumprimento da pena’, tão somente ‘aos processos de registro de candidatura das eleições de 2020 ainda pendentes de apreciação, inclusive no âmbito do TSE e do STF’”, pontuou.

O quarto obstáculo jurídico para a medida, que acatou o pedido do PDT, segundo Medeiros, é justamente o fato de o STF já ter discutido o assunto, em 2012, e declarado que a lei é constitucional, algo ressaltado também pelo ministro Marco Aurélio. “Eu imaginei que todas as dúvidas estivessem afastadas. Porque quando o Supremo declarou constitucional a Lei da Ficha Limpa, ele o fez tendo a última palavra em colegiado sobre a lei”, disse à reportagem no último domingo.

O vice-procurador geral da República relatou, então, que o tema foi debatido no Supremo, “com a observação de todos os órgãos da cadeia judicial, a começar pelo próprio TSE, que sempre foi deferente em relação ao pronunciamento do STF”.

Jacques de Medeiros ressaltou ainda que o ministro Nunes Marques errou ao dizer, em sua decisão, que os efeitos da norma só foram sentidos de maneira significativa pelos candidatos neste ano. Ele lembrou que ao decidir sobre a Lei da Ficha Limpa, o Supremo retroagiu, e permitiu que a legislação atingisse fatos anteriores à sua publicação.

Oito anos 

A decisão de Nunes Marques suspende um trecho da lei que prevê que o prazo de inelegibilidade de oito anos vale após o cumprimento da pena e é relativa apenas ao pleito municipal deste ano. O entendimento evita que a sanção ultrapasse oito anos. A decisão monocrática foi tomada no âmbito de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) do PDT, protocolada no último dia 15. No pedido, o PDT afirma que a atual legislação gera uma inelegibilidade por tempo indeterminado, porque acaba dependendo do prazo de tramitação do processo.

Mobilização 

A Lei da ficha limpa surgiu em razão da possibilidade criada pela Constituição de 1988 de que os próprios eleitores apresentem propostas para alterar a legislação. Foi o quarto projeto de iniciativa popular a ser convertido em norma pelo Congresso. O texto da medida tramitou por oito meses no Parlamento, e foi alvo de inúmeras manifestações e campanhas na internet e nas ruas para que fosse aprovada.

Esse tipo de proposta exige grande mobilização popular para ser aprovado. Antes da ficha limpa, o Congresso havia tornado lei, em 1994, uma proposta que transformou em crime hediondo assassinatos cometidos por esquadrões da morte. Na ocasião, a mobilização ganhou repercussão em razão do apoio da escritora Glória Perez.

Em 2010, ano da aprovação da ficha limpa, eram necessárias 1,4 milhão de assinaturas. A ficha limpa reuniu 2 milhões até o dia que foi apresentada. Além disso, recebeu patrocínio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e apoio de outros grupos, como o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE).

Apelo a Fux 

O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) impetrou ontem pedido de amicus curiae (amigo da corte, figura externa ao processo que oferece esclarecimentos sobre o assunto) na ação. Segundo o diretor nacional do movimento, o analista político do portal Inteligência Política, Melillo Dinis, a ideia é tentar despachar com o ministro Fux, e fazer “muito barulho”, a fim de chamar atenção da sociedade para o tema. Dinis elogiou a ação tomada pela PGR, e diz temer que a medida cautelar do ministro Nunes Marques abra um precedente perigoso para outras mudanças no âmbito do Congresso. De acordo com ele, já está sendo enfrentada uma investida contra a lei. Chegou a ser divulgado que o líder do Centrão na Câmara, Arthur Lira (PP-AL), estaria acenando para uma proposta de mudança na lei em troca de votos para presidir a Casa. O parlamentar negou. Melillo Dinis afirma: “Estamos preparados para tudo. Se tem um tema que incomoda parte da política brasileira é a Lei da Ficha Limpa”.


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