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Estado de Minas BOMBA-RELÓGIO

Fortalecimento político de policiais militares dificulta enfrentamento de protestos e greves

Movimento favorece a pressão pela anistia, como ocorre no Ceará, na avaliação de especialistas


postado em 23/02/2020 08:50 / atualizado em 23/02/2020 08:56

Governador Camilo Santana diz que não vai conceder anistia aos policiais amotinados (foto: MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL)
Governador Camilo Santana diz que não vai conceder anistia aos policiais amotinados (foto: MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL)
Brasília - O motim dos policiais militares no Ceará, que fez explodir os índices de criminalidade e desafia as autoridades locais, acendeu o alerta sobre a dificuldade de enfrentamento de um protesto que é, ao mesmo tempo, violento e ilegal. Com um crescente prestígio junto aos poderes da República, PMs de vários estados estão ainda mais encorajados a violar a Constituição para reivindicar direitos, nem que para isso tenham que deixar a população à mercê da violência. A categoria tem também a confiança de que, a exemplo de greves anteriores, volte a receber a anistia do estado. O governador cearense, Camilo Santana (PT), rejeitou a proposta de perdão aos amotinados apresentada por lideranças do movimento, e determinou uma série de punições. Mesmo assim, a pressão pela anistia permanece nas negociações.

Em 2017, uma lei sancionada pelo então presidente Michel Temer anistiou integrantes da segurança pública de diversos estados que realizaram paralisações. Na ocasião, o país havia se deparado com uma greve de policiais do Espírito Santo. Além de depredação do patrimônio público e da explosão do número de homicídios, houve denúncias do envolvimento de policiais em homicídios. Ao longo de 20 dias de aquartelamento, que começou em 4 de fevereiro daquele ano, 219 pessoas morreram de forma violenta no estado. De acordo com o texto da lei, grevistas de 22 unidades da federação, inclusive o Distrito Federal, receberam anistia concedida pelo governo federal.

No Senado, foi aprovada a urgência do projeto que concede anistia aos policiais militares do Espírito Santo, Ceará e Minas Gerais que participaram de motins em 2011 e 2018. No caso de Minas, agentes penitenciários e policiais civis também são beneficiados. O requerimento de urgência para a votação do projeto foi apresentado pelo senador Marcos do Val (PPS-ES). A expectativa é de que o texto seja votado depois do carnaval. Há dois anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que é ilegal greve de policiais.

Para Rafael Alcadipani, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, “o movimento dos policiais militares é uma bomba-relógio que pode explodir a qualquer momento”. Ele condena a atuação dos PMs do Ceará, por “se valerem do fato de ser o braço armado do Estado para fazer a sociedade refém”. O especialista observa que, ao contrário de outros países, o setor de segurança é altamente politizado no Brasil, em um processo que foi fortemente impulsionado durante a campanha eleitoral de 2018. “É um absurdo que, no Brasil, um agente de determinada força de segurança precise se desincompatibilizar apenas meses antes de concorrer a um cargo eletivo”, afirmou.

Ele lembra que a plataforma do combate à criminalidade, durante a campanha de 2018, resultou no reforço do lobby dos policiais no Congresso e também na eleição do presidente Jair Bolsonaro. Segundo ele, esse apoio de peso acabou inflando o ego da categoria, abrindo espaço para o aumento dos casos de insubordinação e de abuso de autoridade. “O presidente Bolsonaro, durante a campanha eleitoral, participou de formaturas de turmas de PMs em todas as regiões do país. No ano passado, durante uma solenidade da PM de São Paulo, o governador João Doria foi vaiado, enquanto o presidente da República foi ovacionado”, cita Alcadipani.

“Esse sinal de insubordinação é altamente perigoso. Um governador não pode perder o controle sobre as polícias”, afirmou o estudioso, frisando que alguns atos e declarações de Bolsonaro, bem como de seus filhos políticos, também podem servir de estímulo para que PMs ultrapassem os limites da lei. Um exemplo é a defesa, pelo chefe do governo, do excludente de ilicitude, que isentaria de penalidade o agente de segurança que cometer excesso durante operações.

O jurista Thiago Sorrentino, professor de direito do Estado do Ibmec/DF, destaca que a concessão de anistia não é automática e depende mais de vontade política do que jurídica. “Somente a União pode conceder essa anistia. Mas a iniciativa precisa partir do Congresso Nacional e ser sancionada pelo presidente da República. Os governos estaduais podem atuar em alguns processos administrativos. Mas não pode ter consequências penais envolvidas”, explica.

Ele destaca ainda que a punição para a greve está prevista no Código Penal Militar e pode ser aplicada independentemente de o agente de segurança participar de crimes mais graves, como dano ao patrimônio público. “Só o fato de parar já representa crime. Dentro da estrutura militar tem o princípio da hierarquia. E a violação desse item é extremamente grave. Para civis, às vezes, é difícil entender, pois temos o direito de argumentar, de fazer contraponto. No entanto, no meio militar tem o sistema de hierarquia, para garantir a ordem”, completou.

Insegurança pública

Brasília - Incensada por prefeitos, governadores, parlamentares e, principalmente, pelo presidente da República, a instituição Polícia Militar passou a exercer forte influência política no país, ao mesmo tempo em que virou motivo de preocupação para a própria segurança pública. O prestígio foi fortemente impulsionado durante a campanha eleitoral de 2018, quando a bandeira do combate à criminalidade dominou os debates. O presidente Jair Bolsonaro foi um dos principais beneficiados com essa plataforma, ao lado dos governadores de São Paulo, João Doria (PSDB), e do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC).

Sobre esses dois estados, políticos e especialistas têm apontado um aumento da ocorrência de casos de abuso de autoridade e de insubordinação. Durante uma solenidade de formatura de PMs no ano passado, por exemplo, Doria foi alvo de vaias da plateia, enquanto Bolsonaro, também presente, foi ovacionado. Segundo entidades representativas dos policiais, de nada vale o afago das autoridades se as demandas da categoria não são atendidas. Líderes dessas associações admitem que o motim dos policiais no Ceará pode ser replicado em outras partes do país caso os governadores insistam em não negociar os pleitos da categoria.

Além do Ceará, pelo menos outros cinco estados passam por processos de negociação de aumento salarial de policiais, incluindo os civis, e bombeiros militares: Paraíba, Espírito Santo, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Piauí. Na Paraíba, houve paralisação de 12 horas na semana passada, e os manifestantes saíram às ruas para esvaziar pneus de viaturas da PM. Além disso, fizeram piquetes para impedir o trabalho de quem não aderiu ao protesto. Apesar de reconhecerem que a Constituição proíbe os agentes de segurança de se sindicalizarem e de fazer greve, lideranças de entidades representativas dizem que as paralisações são necessárias, como resposta ao não atendimento às necessidades básicas desses profissionais.

Marco Prisco Caldas Carvalho, presidente da Associação Nacional de Praças (Anaspra), entende que o "movimento no Ceará é ilegal, mas não é imoral". "Eles estão com a corda no pescoço. Os salários são baixos; não há carga horária, o regime é escravo. Esses policiais militares estão fazendo um bem à sociedade cearense ao alertar que não dispõem das condições necessárias para proteger a vida das pessoas", disse Prisco. Segundo ele, muitos governadores aproveitam do fato de os policiais serem proibidos de fazer greve para adiar as negociações com a categoria.

"O que está acontecendo em vários estados, com policiais mobilizados para assegurar os seus direitos, não é uma ação em bloco, mas o reflexo de que a situação chegou ao limite. Os policiais militares dedicam sua vida ao próximo diariamente. Mas qual é o preço da vida do policial?", questiona o representante da Anaspra. Ele também reclama do fato de o Código Penal Militar, editado à época do Ato Institucional nº5 (AI-5), durante a ditadura militar (1964-1985), continuar em vigor após a promulgação da Constituição de 1988.


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