(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas ALÔ, SAPUCAÍ! OLHA A INDIGNAÇÃO!

Escolas e sambas-enredo não perdem a chance de alfinetar situação do país

Estudiosos explicam que o carnaval também é momento para reclamar, mesmo que nem sempre bem-humorada


postado em 16/02/2020 04:00 / atualizado em 16/02/2020 09:33

No ano passado, o assassinato de Marielle foi lembrado pelo desfile da Mangueira. Para este ano, um Jesus %u201Cda gente%u201D, segundo o compositor Luiz Carlos Máximo, promete incomodar(foto: MAuro Pimental/AF - 5/3/19)
No ano passado, o assassinato de Marielle foi lembrado pelo desfile da Mangueira. Para este ano, um Jesus %u201Cda gente%u201D, segundo o compositor Luiz Carlos Máximo, promete incomodar (foto: MAuro Pimental/AF - 5/3/19)
Brasília – Futebol, religião e política não se discutem. No entanto, há quem diga por aí que os polêmicos temas têm espaço e merecem o debate. No carnaval, a política, por exemplo, é pauta de marchinhas há muito tempo. Mas a vida nacional tem pautado os desfiles da Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro, e até mesmo dividido e polarizado a festa. De acordo com especialistas e compositores, a multiplicação de sambas críticos é apenas um reflexo do momento do país.

A inspiração para as letras muitas vezes vem da tensão social. Para o compositor Luiz Carlos Máximo, 58 anos, da Mangueira, o carnaval, visto como um espaço de desabafo, não poderia refletir outra coisa. “Estamos vivendo em uma sociedade muito polarizada, com uma situação econômica complicada e o samba é uma música popular. Logo, essa tensão que a sociedade vive vai se refletir de alguma forma. Esse cenário de enredos críticos só reflete o que estamos vivendo”, avalia.

O compositor do samba-enredo da atual campeã do Grupo Especial do Rio de Janeiro acredita que, no passado, se viam menos críticas nos sambas porque não havia a tensão social que existe hoje no Brasil. “Isso não mudou do nada. É fruto da tensão social que estamos vivendo”, reforçou. Para Luiz Carlos, o samba deste ano, que vai contar a história de Jesus Cristo, como um Jesus “da gente”, está ligado de alguma forma com o do ano passado.

A música que levou a escola a conquistar o título de campeã de 2019 contava a história do Brasil pela ótica dos heróis populares. No desfile, negros e índios foram reconhecidos como representantes da história do país. A vereadora Marielle Franco, assassinada em 14 de março de 2018, foi uma das personalidades homenageadas.

Este ano, a polêmica vem de um trecho que muitos consideram como crítica direta ao presidente Jair Bolsonaro. Para Luiz, o trecho “Favela, pega a visão/Não tem futuro sem partilha/Nem Messias de arma na mão” é muito mais do que uma coisa objetiva. “O Brasil e o mundo têm muitos Messias de arma na mão além do presidente”, afirma. Além de refletir uma tensão existente pela polarização, Luiz Carlos acredita que a sociedade encontra na festa uma forma de reivindicar seus direitos. “Por mais que na avenida não esteja o povo, ele está por trás dessas escolas de samba”, aponta.

Membro do núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade de Brasília (UnB), Nelson Inocêncio concorda com o compositor e acredita que o momento é propício para dar visibilidade às pessoas das comunidades. “Precisam aproveitar esse momento. Depois do carnaval o que sobra para essas pessoas, infelizmente, são as páginas policiais”, reflete.

Nelson reforça a influência dos tempos atuais como inspiração na hora de compor as letras. “Tem tudo a ver com a conjuntura. Seja ela tensa ou delicada, vai influenciar na festa mais popular do Brasil. Ao mesmo tempo que é uma festa pautada pela alegria e descontração. As pessoas estão externando questões problemáticas”, avalia. O professor do Departamento de Artes Visuais da UnB acredita que o grito que vem da avenida é um chamado à reflexão. “Estamos muito além dessa ideia de samba de 'crioulo doido'. São crioulos lúcidos. Se a arte serve somente Ao entretenimento, empobrece”, completa.

Temas diferenciados A religião será apenas um dos temas expostos pelas escolas de samba na avenida em 2020. Assim como a Mangueira, a Acadêmicos do Grande Rio fala de religião, conta a história do pai de santo Joãozinho da Gomeia e traz um debate sobre a intolerância religiosa. Em um dos trechos, a Grande Rio clama: “eu respeito seu amém, você respeita meu axé”. Já a Portela, quarta colocada em 2019, falará sobre os índios que habitavam o Rio antes dos colonizadores. As críticas vêm em tempos de desmatamento e um forte debate sobre as terras indígenas, que, segundo o presidente Bolsonaro, têm tamanho “abusivo”.

Mesmo nos sambas criados para homenagear determinado lugar ou pessoa, é possível encontrar críticas sociais. O enredo da Unidos da Tijuca, criado para destacar as belezas, arquitetura e urbanismo do Rio de Janeiro, também cobra mais atenção com o povo carioca. “Dignidade não é luxo, nem favor”, diz o samba composto por Dudu Nobre, Totonho, André Diniz, Fadico e Jorge Aragão.

Para Dudu, o carnaval sempre abordou assuntos do dia a dia e a política, que faz parte do cotidiano, também. “De uns tempos para cá, o tema retornou com mais força devido a temática que os carnavalescos adotaram. O último samba-enredo da Mangueira tinha um pouco disso e acabou consagrando a escola como campeã. A tendência é ver outros carnavalescos indo por esse caminho”, analisou, em conversa com o Estado de Minas.

O cantor e compositor citou o momento vivido no Rio e o prefeito Marcelo Crivella – que, segundo ele, não gosta do carnaval – como um dos pontos de destaque no samba-enredo da Unidos da Tijuca. “É um prefeito que nunca pisou na Marquês de Sapucaí”, reclama. Apesar de apoiar as críticas, Dudu acredita que é preciso cuidado para abordar certas temáticas. “Temos a liberdade de expressão, mas é preciso saber até onde se vai para não faltar o respeito com crenças e pensamentos políticos”, completa.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)