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Estado de Minas

O século do menestrel Teotônio Vilela

Há 100 anos ele nascia, eternizado em música de Milton Nascimento e agora retratado em biografia


28/05/2017 06:00 - atualizado 28/05/2017 12:11

(foto: Reprodução/Instituto Teotônio Vilela )

O nome Teotônio tem origem grega e significa popular, que vem do povo. Não poderia ser a maneira mais apropriada para o casal Elias Brandão Vilela, o Capitão Sinhô, e Isabel Brandão Vilela, a Dona Bilinha, batizar o sétimo dos seus 10 filhos. Nascido há exatos 100 anos, em Viçosa, no interior alagoano, a figura e os ideais de Teotônio Vilela (1917-1983) estão mais vivos do que nunca não só pela celebração de seu centenário, mas pelo ressurgimento do movimento pelas eleições diretas.


"Ele foi o grande detonador das Diretas Já. Quase sempre falava no assunto em palestras para públicos mais restritos. Teotônio morreu em novembro de 1983 e a campanha das diretas começou pra valer no início de 1984, mas ele era sempre lembrado e citado. Teotônio Vilela seria absolutamente vital neste atual cenário do país", ressalta o jornalista e escritor fluminense Carlos Marchi, que acaba de lançar pela Editora Record o livro Senhor República – A vida aventurosa de Teotônio Vilela, um político  honesto.


Autor de Fera de Macabu, publicação sobre um rico fazendeiro da região norte fluminense condenado à pena de morte por ter supostamente mandado matar toda uma família de colonos residentes em suas terras, e Todo aquele imenso mar de liberdade, biografia do jornalista Carlos Castello Branco, Marchi estava atrás de um outro personagem para poder recontar sua história.


A ideia inicial era escrever sobre um esportista brasileiro para ser lançando antes da Olimpíada do Rio, mas não vingou. Foi então que, no início do ano passado, ele se deparou com um post no Facebook de sua amiga Janice, filha de Teotônio Vilela, comentando sobre o centenário do pai em 2017.

"Na mesma hora, eu liguei para o Carlos Andreazza (editor-executivo da Record) e ele deu saltos de alegria. Teotônio é um personagem nacional e que está vivo na memória do povo brasileiro. Na mesma hora falei com a família, que topou, e avisei que eu iria contar as boas e as más histórias porque senão não seria uma biografia e sim um mero elogio", revela.


Marchi foi repórter em Brasília durante as décadas de 1970 e 1980 e além de ter convivido com o político de Alagoas foi amigo pessoal dele. A relação próxima fica explicitada logo nas primeiras páginas da obra, quando em uma tarde de 1983 sem grande movimento e sem notícias nos corredores do Senado, o jornalista foi surpreendido: "Por onde você vai, cabra? Vem comigo pra ver uma coisa bonita", convocou o então senador.

A "coisa bonita" era a gravação de Menestrel das Alagoas, composição de Milton Nascimento e Fernando Brant em homenagem a Teotônio Vilela. A letra falava do "peregrino que caminha sem parar, espalha esperança e transforma sal em mel", em alusão à sua defesa incessante dos perseguidos políticos, visitando prisões, enfrentando forças repressoras e fazendo pregações cívicas por todo o Brasil.

"Fora quem esteve presente no estúdio no dia em que gravaram a música, eu, além do ex-senador Pedro Simon, e o chefe de gabinete dele, Nísio Tostes, fomos os primeiros a conhecer a canção. Foi emocionante. Todos choramos", recorda.


O autor dá detalhes dos bastidores do surgimento da música, como se tornou um hino e foi eternizada na voz de Fafá de Belém, que até então não conhecia pessoalmente o menestrel. A única coisa que ela sabia era que Teotônio tinha lutado pela anistia para políticos cassados e presos políticos e que tinha pertencido à Arena (Aliança Renovadora Nacional, partido criado para dar sustentação política ao governo militar instituído a partir do Golpe de 1964).


Aliás, Brant, Bituca e Fafá não foram os únicos artistas que passaram a admirar o ex-parlamentar. No livro, Marchi conta como ele era constantemente procurado por músicos, atores de TV e relembra um episódio no fim de sua vida. "Teotônio já estava acima do bem e do mal. Seu nome era cultuado em todo o Brasil.

Nos dias finais, em Maceió, recebeu a visita honrosa dos atores Paulo Autran e Tônia Carrero, que queriam conhecê-lo antes que se fosse. Morria gloriosamente à vista do povo que tanto amara", diz o trecho do livro. "Com essa peregrinação pelo Brasil, visitando os presos, vários artistas se espelharam nele e queriam muito conhecê-lo. Teotônio Vilela era um mito em vida", pontua o escritor.


Um dos que tinham mais ligação com Teotônio era Henfil (1944-1988). O cartunista mineiro chegou a ser presentado pela família Vilela com o relógio do ex-senador quando ele faleceu vítima de um câncer, em novembro de 1983. Foi dele também a ideia de Fafá, ao cantar o Menestrel, soltar uma pomba branca como símbolo da pureza democrática durante as Diretas Já.

Homenagens

O Instituto Teotônio Vilela, fundado em 1995 e responsável pela divulgação da doutrina adotada pelo PSDB, lançou um especial em seu portal (itv.org.br) em homenagem aos 100 anos do político alagoano, com uma série de entrevistas, depoimentos, vídeos e artigos.

Na próxima quarta-feira, a Fundação Teotônio Vilela (ligada à família, em Alagoas), o deputado Pedro Vilela (PSDB-AL), neto do menestrel, e o Senado vão realizar uma sessão solene para celebrar o centenário do ex-senador.


De amigo a inimigo da ditadura


Boiadeiro que adorava ficar misturado aos peões e ao mesmo tempo usineiro. Defensor e posteriormente feroz crítico da ditadura militar. Mesmo parecendo contraditório, independentemente de que partido estivesse e de que função ocupasse, Teotônio Vilela sempre lutou pela liberdade e pelos direitos constitucionais e civis.

Carlos Marchi explica que para compreender a mudança de lado do político é necessário ficar a par de todo um contexto. Em 1946, com o fim do governo Vargas, surgiram três partidos: PTB e PSD, ligados ao político de São Borja (RS), e a UDN, à qual Teotônio se filiou.


Em 1964, com o golpe militar e a criação da Arena e do MDB, ele ficou com a primeira opção. "Teotônio, de fato, acreditava (como toda a UDN) que o movimento militar implantaria uma democracia representativa legítima, substituindo com vantagens o populismo de João Goulart. Quando viu que o regime marchava para perpetuação no poder, estava se tornando extremamente autoritário e esquecendo a democracia que pregara, começou a cobrar que se democratizasse. Ele chegou até a ser cassado duas vezes, uma em 1964, logo após o golpe, e outra em 1968, após o AI-5", relata Marchi.

Além da política, Senhor República traz à tona outra paixão do biografado. No capítulo “O sopro do amor tardio”, o jornalista fala do romance entre Teotônio e Maria Luíza Fontenele, do Partido Comunista Revolucionário (PRC), que foi a primeira mulher eleita prefeita de capital no Brasil, no caso, Fortaleza. A união aparentemente inimaginável entre o usineiro e a comunista foi contestada pela própria Maria Luíza, que era 25 anos mais nova que o alagoano.

Um dia ela disse: "Nossa relação não pode dar certo. Eu sou uma comunista, vinculada ao PRC e você é um usineiro liberal, que foi da Arena. Para onde esse caso da gente vai?" Teotônio riu e respondeu: "Nós vamos juntos até uma curva da estrada que está lá na frente, onde vou descer. Não se preocupe, essa curva não está longe".

Por ironia do destino, o defensor da anistia morreu no dia do aniversário de Luíza, 27 de novembro. "Se fosse um mero caso extraconjugal, eu nem citaria. Mas foi um relacionamento que teve uma grande importância para ele; mudou sua vida política e o influenciou demais", ressalta.

Com todo esse caos político que o país atravessa, Carlos Marchi lamenta a ausência das grandes lideranças políticas do passado, como o próprio Teotônio, Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, de quem o jornalista foi assessor. "Não sei de que lado o Teotônio Vilela estaria, mas certamente eu o imagino viajando pelo Brasil, agitando e lutando por um país melhor. Muita coisa tem que mudar. A começar por uma profunda reforma política", defende.

Escolher o nome do livro foi uma das tarefas mais complicadas. No entanto, Marchi acredita que com o o título conseguiu transmitir exatamente o que o político de Alagoas representava. "Quando fui escolher o nome, me lembrei de que o Dr. Ulysses era conhecido como o Senhor Diretas.

Ninguém foi mais República Federativa do Brasil do que Teotônio Vilela. Por isso o nome Senhor República. No caso do subtítulo, A vida aventurosa de Teotônio Vilela, um político honesto, eu até tive que brigar com a editora por causa dessa coisa do honesto. E com tudo o que está ocorrendo hoje, esse nome veio com mais força do que eu previa. Teotônio foi um milagre da natureza em todos os sentidos", resume.


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