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Estado de Minas

'No Brasil temos uma crise grave, que não tem inocentes', avalia Roberto Brant

Para o mineiro, país irá para o abismo se não mudarem as leis


postado em 24/04/2016 06:00 / atualizado em 24/04/2016 07:58

'Se as mudanças não forem feitas, daqui a dois anos, nem se Deus descer à Terra e chegar à Presidência da República salvará o Brasil da insolvência'(foto: Jose Varella/CB. Brasil)
'Se as mudanças não forem feitas, daqui a dois anos, nem se Deus descer à Terra e chegar à Presidência da República salvará o Brasil da insolvência' (foto: Jose Varella/CB. Brasil)

Coordenador na elaboração do documento “Uma ponte para o futuro”, com o receituário das medidas econômicas preconizadas para um anunciado governo Michel Temer (PMDB), o mineiro Roberto Brant afirma: “O desequilíbrio brasileiro está contratado na Constituição Federal e nas leis. Se não forem mudadas, vão levar o país para o abismo. Isso não é novidade, há apenas divergências pontuais sobre quando e como”. Ele avalia que o governo perdeu a capacidade de liderança e de diálogo. Mas considera que, se for feito um balanço da crise, todos são culpados. “No Brasil, temos uma crise grave, que não tem inocentes.” Deputado federal por cinco mandatos, ministro da Previdência de Fernando Henrique Cardoso, atual consultor da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Roberto Brant, ex-peemedebista, ex-tucano e atualmente no Democratas, justifica o pacote, que inclui mudanças legislativas, para, entre outras medidas, desindexar o salário mínimo dos benefícios sociais, pôr fim às despesas orçamentárias obrigatórias com a saúde e a educação, implantar uma reforma da Previdência com elevação da idade mínima e paridade entre homens e mulheres na aposentadoria. Para Brant, se nada for feito, daqui a dois anos, “nem se Deus descer à Presidência da República” salvará o país da insolvência. “A dívida pública alcança 70% do PIB, a juros de 14,5%. Mesmo que não se gaste nada de novo, há uma escalada. O Brasil está em situação de crise econômica gravíssima, que é pior do que a política”, considera. Indagado se um possível governo Temer terá respaldo político e social para implementar o pacote ortodoxo mal-sucedido em outros países, Brant avalia que a sociedade brasileira e o Congresso estão acostumados à ideia de que o Estado pode continuar gastando sem muitas restrições. “Não há a disciplina holandesa ou germânica de povos que sofreram no passado grandes distúrbios, ou povos que têm consciência de que cada aumento de gasto significa aumento de imposto, como é o caso da sociedade americana. O brasileiro tem como valor o bem-estar social, mas, ao mesmo tempo, não quer pagar mais impostos. Então, a tarefa de um governo é conciliar esses dois sentimentos.”


Qual é a sua relação com Michel Temer e como foi o convite para elaborar esse documento, cujo objetivo foi sinalizar para o mercado o que o peemedebista fará num eventual governo?
Chegamos juntos ao Congresso em 1987, no mesmo partido, o PMDB, e fomos colegas na Constituinte. Mantivemos a convivência e sou amigo e muito próximo dessa velha guarda, principalmente do Moreira Franco, que é presidente da Fundação Ulysses Guimarães e me pediu em setembro passado a elaboração desse documento, que chamei de “Ponte para o futuro”. Não me sinto autor do documento. Recolhi ideias que já existem, foram submetidas a sete economistas, alguns ex-ministros, pessoas de alta qualificação, que pediram para ficar no anonimato. Fizeram algumas observações importantes que acolhi. Foram 12 versões até chegarmos à formulação final, que resultou em algo muito consensual. O vice-presidente Michel Temer, acompanhou a elaboração, leu várias vezes, alterou prioridades. Então, acho que, se assumir, ele vai tentar cumprir essa agenda.

Michel Temer terá respaldo social para aprovar essa pauta ortodoxa, que é questionada por economistas de uma linha mais à esquerda, inclusive mal-sucedida em outros países em crise?
Nenhum dos nossos interlocutores mudou o texto, pois todo mundo sabe o que é preciso fazer, inclusive o Joaquim Levy (ex-ministro da Fazenda) tentou. Só que não houve condições políticas, pois são mudanças legislativas. O desequilíbrio brasileiro está contratado na Constituição e nas leis. Se não mudar vai levar o país para o abismo. Isso não é novidade, há apenas divergências pontuais sobre quando e como. Não há muito espaço para fazer políticas alternativas. Bem, sempre há. A Fundação Perseu Abramo (ligada ao PT) fez um documento que é o contrário deste, sem mexer em políticas, propostas irrealistas. A dúvida que fica, é verdade, é se haverá governo capaz de aprovar agenda dessa natureza. Por quê? Pois a sociedade brasileira e o Congresso estão acostumados à ideia de que o Estado pode continuar gastando sem muitas restrições. O brasileiro tem como valor o bem-estar social e está sempre de acordo que o Estado aumente gastos em tudo. Mas, ao mesmo tempo, não quer pagar mais impostos. Então, a tarefa de um governo é conciliar esses dois sentimentos que estão dentro da cultura, que não muda de uma noite para o dia. Um governo que tenha a responsabilidade, que fale a verdade. Os governos ficam escondendo o problema, tratando a sociedade como criança. Precisamos expor o problema e reencontrar o equilíbrio para depois fazer mais programas.

Quais são os pontos essenciais do documento?
Há interesse em aumentar o salário mínimo, é uma política social correta. Mas se o acopla a todos os pagamentos que o Estado faz, transforma uma política do setor privado em um peso para o setor público. O salário mínimo precisa crescer mais depressa do que a inflação. É preciso acabar com as despesas obrigatórias para a saúde e a educação previstas na Constituição. Se o país está quebrado, não há como manter isso. Pelo menos durante um período é preciso liberar o orçamento. O ideal seria para sempre. Mas se não fosse possível, pelo menos por um período. É preciso a reforma da Previdência, com aumento da idade mínima. Não pode ser menos de 65 para os homens e mulheres. Nos Estados Unidos, Alemanha e Itália, as idades foram igualadas. É pelo perfil demográfico: as mulheres vivem mais, está em todas as estatísticas. É preciso ainda diminuir o Estado, o número de órgãos. Propomos um órgão misto do Executivo e Legislativo para produzir avaliação de políticas e da produtividade do governo.

Os programas sociais serão cortados?
Não propriamente. Na verdade, programas como o Minha casa, minha vida não estão previstos em lei. O Bolsa-Família é um programa certinho, dá o direito diretamente à pessoa, para dar exemplo de um programa bem desenhado. A ideia é reformar o Estado brasileiro. Não é para hoje, é para amanhã. Não adianta correr e cortar programas. Seria uma corrida contra o nada. Somos o país que tem o maior déficit público do mundo. Em três ou quatro anos, um após o outro, estaremos quebrados. Chegamos ao limite. Demoramos muito a fazer isso. A verdade é que quando Lula assumiu, em 2002, tinha clareza disso. Fez em quatro anos muito nessa direção e as coisas deram certo. Depois, houve a crise financeira internacional, e a partir daí desandou. Considero que os oito anos de Fernando Henrique Cardoso e os quatro primeiros anos de Lula colocaram o Brasil numa linha que o levaria para longe. A partir da crise internacional, as coisas pioraram no mundo inteiro e tivemos aqui um conjunto de equívocos.

Dilma tentou aprovar, por exemplo, a reforma da Previdência, mas não conseguiu. Ao contrário, a Câmara dos Deputados trabalhou com a chamada pauta bomba. Houve boicote?
O maior pecado do governo Dilma é ter perdido a capacidade de liderança. Mas isso é fato. Numa crise dessas, não pode haver governo fraco. O povo tem o direito constitucional de ser governado. Toda vez que o governo está fraco e perde a capacidade, cria-se problema gravíssimo, não só no presidencialismo, mas no parlamentarismo também. No Brasil, temos uma crise grave, que não tem inocentes. Todos foram culpados. Quando sentar para fazer o balanço, vai apontar o dedo para muita gente: para partidos que apoiavam o governo e para partidos contrários ao governo. Houve impasse, perda de diálogo. Além disso tem a personalidade da presidente também como elemento. Não é pessoa aglutinadora.

O vice-presidente Michel Temer aproveitou esse contexto para trabalhar pelo impeachment da presidente?
Não tenho condições de responder a isso. É difícil governar o Brasil. É dramático no dia a dia. É complicada a sociedade brasileira, que não tem clareza de que tudo o que faz no Estado tem de pagar. Além disso, temos um sistema político propenso à crise. São 35 partidos políticos. Como pode pôr ordem nisso? Quando fui do governo, havia cinco ou seis partidos para se conversar. Estou muito preocupado com o que vem pela frente. Se as mudanças não forem feitas, daqui a dois anos, nem se Deus descer à Terra e chegar à Presidência da República salvará o Brasil da insolvência. A crise econômica é gravíssima, e é pior do que a política, pois na política sempre se encontra saída. Já para a econômica não existe acordo.


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