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Estado de Minas

Estudos mostram que brasileiro teria em sua maioria perfil conservador

Esperança são as discussões globalizadas e a educação como formação da cidadania


postado em 03/04/2016 18:31 / atualizado em 03/04/2016 19:33

Doutor em sociologia, Juracy Costa Amaral diz que a chegada dos primeiros portugueses, a forma da colonização e o sistema de capitanias foram determinantes na construção do 'jeito' brasileiro(foto: Arquivo pessoal)
Doutor em sociologia, Juracy Costa Amaral diz que a chegada dos primeiros portugueses, a forma da colonização e o sistema de capitanias foram determinantes na construção do 'jeito' brasileiro (foto: Arquivo pessoal)

Há muitas teorias e estudos que discutem o jeito “esperto” de ser do brasileiro. Do comportamento de fronteira à subcidadania; de Sérgio Buarque de Holanda a Roberto da Matta. De forma geral, na análise de Juracy Costa Amaral, doutor em sociologia e professor da PUC-Minas, desde a chegada dos primeiros portugueses, a forma da colonização, o sistema de capitanias, “de separar o povo de quem manda, em que ele é usado quando alguém do poder precisa dele”, foram determinantes nessa construção. O que “cria uma sociedade dual: de mandantes e subservientes. Aliás, a carta de Caminha já faz alusão a isso”.

Juracy Amaral explica que a cultura escravocrata instaurou a obediência subserviente maléfica, porque “abraça e apunhala ao mesmo tempo. É a postura da cordialidade que foge da racionalidade, diferente da sociedade baseada na meritocracia, como as dos EUA e da Alemanha. No Brasil, uma hora sou pessoa (para ter vantagem) e na outra, indivíduo (ao agir como cidadão)”.

A escravidão brasileira, de 1530 a 1888, marcou não apenas a relação de trabalho, mas determinou um conjunto de valores da nossa sociedade em relação aos homens e às instituições. “O problema no Brasil é que encontrou terra fértil sobre a herança escravagista. É a revolta contra a subserviência. Quando a situação me favorece, tudo bem. Quando não, sou apegado à lei. É o comportamento tolerante e convincente, mas quando atinge meu bolso, vira crueldade.” O sociólogo cita Manuel Castells, um dos pensadores mais influentes do mundo, para dizer que ele discutiu, em um de seus livros, que “a característica do brasileiro não é ser bondoso, mas cruel e hostil. Bom exemplo é o que é propagado nas redes sociais”.

Para Juracy, o panorama do imaginário coletivo foi bem construído pela administração portuguesa ao ser associado aos escravos, que libertou, mas não lhes deu condições de liberdade. Tanto que, mesmo de posse da carta de alforria, há quem tenha contratado outro escravo. “A explicação está no fato de se identificar com quem o explora e não com os oprimidos. Aplaude quem o oprime e não o oprimido.” E o pior, lembra o professor, é que tal atitude abarca da escala mais baixa ao mais alto escalão da sociedade.

A SAÍDA
Diante desse cenário, ao ver falta de ética, corrupção e jeitinho por todos os lados, quem tenta ter uma posição otimista quanto ao futuro é abatido pelo desânimo. Mas Juracy assegura que é possível quebrar essa corrente, se libertar das amarras que corroem a prevalência de uma sociedade equânime. “Não é utopia. O Brasil é conservador nas mudanças de comportamento. Elas são sempre lentas. Mas as discussões globalizadas de forma explícita e as escolas são a saída. O ponto de transformação será por meio da educação e dos meios de comunicação. Há resistência, mas também avanços.”
O sociólogo alerta que, ao destacar a educação, não é no sentido da profissionalização, mas educação como formação da cidadania, que é a condição por meio racional do direito, da sociedade, não igualitária porque ela é diferente, mas igual no direito, por meio da lei. “Infelizmente, ainda somos uma sociedade de privilégio e de desiguais dominada pela exclusão da educação.” O que também está presente e tem seus deslizes no seio da família, que reproduz os mesmos valores, presente até dentro da escola, com professores pragmáticos tendo igual comportamento e prática.

Para Juracy, tais valores estão em xeque por causa da “globalização, que desestrutura da família às instituições. As discussões são postas, os exemplos dados e o mundo está mudado, ainda que Minas, em particular, porque é um estado de ação dissimulada e implícito no olhar, e o Brasil se comportem à margem para a prática do oportunismo para tirar vantagem. O sujeito passa a ser nada mais do que mercadoria. É sombrio, mas há possibilidade de mudança e ela está na reforma cultural”.

Ética e jeitinho brasileiro

“O Brasil é o país do 'jeitinho', o que nos torna mundialmente famosos pela 'malandragem', potencial brasileiro para a improvisação e criatividade, do qual podemos sentir, ao mesmo tempo, orgulho e vergonha. Atualmente, muito mais vergonha, pois aqui se desvela também a terceira característica do jeitinho: talento para a corrupção, para obter vantagens pessoais. O próprio termo, no diminutivo, já nos aponta a necessidade de atenuar as implicações éticas e consequências”, explica a psiquiatra, psicanalista e professora de pós-graduação em psiquiatria da Ipemed Gilda Paoliello.

Para Gilda, a moral brasileira é dupla: uma para mim, vantajosa, outra para terceiros, que se danem. “Malandros existem no mundo todo, mas aqui é o estereótipo caracterizando nossos heróis nacionais, seja Macunaíma, Zé Carioca ou Pedro Malasartes. Todos acostumados a buscar o 'se dar bem', bem distante do 'self made man' americano.”

A psicanalista diz que a relação entre ética e jeitinho é curiosa, já que relativiza a responsabilidade: se os políticos roubam tanto, qual o problema em furar uma fila? “Essa 'esperteza' é disseminada em todas as esferas de nossa vida e isso evidencia quais raízes cultural e social a retroalimentam. É comum vermos o brasileiro se vangloriando pelas gambiarras comportamentais e morais. Isso tem um custo, ninguém se dá sempre bem, independentemente das regras do jogo. Jogo de dois pesos e duas medidas, que nos torna protagonistas e vítimas de tal esperteza. O brasileiro, a curto prazo, faz uma gambiarra e cai na euforia; a longo prazo, tenta corrigir com remendos, oportunidade para nova gambiarra. E assim vai, construindo um mundo provisório, até arrebentar de vez, porque a gambiarra não foi feita para aguentar trancos...”

MOCINHO
Gilda ressalta que nossa república herdou, dos tempos da colonização, moldada na exploração e sedução para dela se safar, uma hierarquia dos privilegiados, que induz o chefe, o diretor, o dono, o patrão, o governador, o presidente a passar por cima da lei, porque ele a “empossa”. “Para lutar contra essa desigualdade, tentamos nos igualar a eles, nos dando os mesmos direitos ou 'privilégios' de sermos acima da lei, que, desmoralizada, fica para 'os outros', estigmatizados como otários. Por isso, tendemos a nos identificar com o bandido, achando o mocinho sem graça.”

A psicanalista diz que há uma 'moral da integridade', que somos nós, indignados com as patifarias, e a 'moral do oportunismo', na qual o melhor a fazer é levar vantagem em tudo. “Contando que isso não se torne público, o importante é nos darmos bem, e quem não quer fazer parte desse esquema é 'babaca', 'ingênuo'. Então, se o jeitinho é criativo, ele se confunde também com transgressão e corrupção.”


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