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Estado de Minas

Discurso brasileiro sobre as Farc

Na bolsa, Bittencourt trouxe uma carta do presidente francês, Nicolas Sarkozy, na qual ele também pede a ajuda da América Latina para a solução do conflito na Colômbia e oferece asilo para um dos desertores das Farc


postado em 08/12/2008 07:28 / atualizado em 08/01/2010 03:57

A suposta neutralidade do governo de Luiz Inácio Lula da Silva em relação às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) é uma bobagem. Na verdade, o governo parece ter simpatia pelo reconhecimento da guerrilha como uma força política, mas, como não quer comprar briga com o presidente Álvaro Uribe, assume um discurso de neutralidade, deixando de lado uma grande oportunidade de liderar um acordo para acabar com o conflito colombiano que já caminha para quase meio século.

As Farc surgiram oficialmente em 1964, quando um grupo de camponeses, comandos por Manuel Marulanda e inspirados na revolução cubana, se embrenhou na selva para resistir contra o governo liberal e lutar pela implantação do socialismo. Desde então, as Farc alcançaram o posto de maior guerrilha da América Latina e, apesar dos sucessivos golpes que vêm sofrendo, ainda mantêm esse status, a base de seqüestro, banditismo e ligações com o narcotráfico.

Semana passada o presidente Lula se encontrou com a ex-candidata a presidente da Colômbia, a franco-colombiana Ingrid Bittencourt, 46 anos, libertada depois de quase sete anos de cativeiro em um acampamento das Farc, e disse mais uma vez que o Brasil só entra na mediação do conflito se tiver autorização do governo colombiano. Ou seja, vai continuar de fora, pois a estratégia de Uribe não é um acordo, e sim o extermínio das Farc.

O argumento é evitar ingerências em questões afetas diretamente ao governo boliviano. O governo federal também se esquiva de classificar as Farc como grupo terrorista, coisa que realmente o grupo é, apesar de sua origem estar marcada pelo ideal de uma revolução marxista. O assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, tem sempre resposta em cima do muro todas as vezes que é indagado sobre a visão do Brasil em relação à guerrilha. “Não somos agência classificatória.”

Pedido de ajuda

Lula também defendeu que as Farc procurem o caminho da democracia para chegar ao poder, e não o do terrorismo. O presidente deu essas declarações depois de se encontrar com Bittencourt, que tem rodado a América Latina agradecendo o apoio de diversos países para sua libertação e pedindo ajuda para a libertação dos reféns ainda em poder das Farc e pelo fim do conflito. Esse foi o principal assunto que ela veio tratar com Lula. Na bolsa, Bittencourt trouxe uma carta do presidente francês, Nicolas Sarkozy, na qual ele também pede a ajuda da América Latina para a solução do conflito na Colômbia e oferece asilo para um dos desertores das Farc, que fugiu este ano de um dos acampamentos da guerrilha, levando outros 26 reféns.

Além disso, no dia seguinte à repercussão da visita de Bittencourt ao Brasil, o governo da França afirmou a disposição de acolher os guerrilheiros das Farc que renunciarem à luta armada. O Ministério das Relações Exteriores prometeu estudar caso a caso a partir de pedidos feitos por ex-guerrilheiros. Por incrível que pareça, e a dupla nacionalidade de Bittencourt não é o principal motivo. Sarkozy é um dos mais empenhados chefes de Estado na busca de soluções para esse conflito, mas é um europeu e não um latino-americano; seu país não faz fronteira com a Colômbia; e não existe a menor possibilidade de as Farc entrarem em território francês. E olha que ainda há quem diga que Sarkozy é um representante da esquerda.

Papel na história

Enquanto isso, no Brasil, o presidente operário se esquiva de um assunto tão importante, apesar de lá fora sempre buscar o papel de representante de maior liderança da América Latina, coisa que realmente Lula é. A função de Lula nesse assunto já foi defendida pela própria Bittencourt, que logo depois de sua libertação defendeu o nome do presidente brasileiro como um mediador do impasse entre Uribe e as Farc, agravada com o assassinato de Raul Reyes, porta-voz e número dois na hierarquia da guerrilha, assassinado durante uma operação militar colombiana realizado no Equador. Ela também já foi defendida pela ex-deputada Clara Rojas, seqüestrada com Bittencourt, também libertada este ano. Para ela, Lula seria o melhor mediador, pois os presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e do Equador, Rafael Correa, estão desgastados, e podia ao menos dar uma declaração de que está disposto a ajudar. A hora é agora. Não dá para adotar posição dúbia. As Farc já não têm o mesmo poder de antes, nem ideologia têm mais.

A libertação de Ingrid foi um duro golpe na guerrilha, que já sofre pelo cerco formado por Uribe, com a deserção de seus integrantes e com a perda da simpatia por parte da população, principalmente por causa dos métodos adotados. Como disse Rojas, em entrevista a uma agência de notícias do governo brasileiro, as Farc estão debilitadas e precisam de um pouquinho de ar. “Só o suficiente para não tomar decisões absurdas, que façam com que isso termine mal”.

Alessandra Mello é repórter de Política do jornal Estado de Minas


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