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Estado de Minas PENSAR

Mariana Enriquez inclui economia e negacionismo entre pesadelos argentinos

Escritora lança no Brasil a coletânea de contos "Os perigos de fumar na cama", que une a realidade latino-americana ao terror


07/10/2023 04:00 - atualizado 07/10/2023 01:47
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Mariana Enriquez, escritora, argentina
Mariana Enriquez: símbolos religiosos e a realidade latino-americana alimentam o medo (foto: Nora Lezano/Divulgacao)

 

Lançado na Argentina em 2009, “Os perigos de fumar na cama” é o segundo livro de contos da escritora Mariana Enriquez a ser publicado no Brasil pela editora Intrínseca. O primeiro, o impressionante “As coisas que perdemos no fogo”, saiu em 2016. Considerada um dos expoentes da literatura contemporânea capaz de unir elementos da cultura latino-americana e questões políticas e sociais da região às narrativas de gênero, em especial às de terror, a escritora ganhou na Espanha o Prêmio Herralde de Novela com o monumental romance “Nossa parte de noite”, também editado pela Intrínseca.

Leia: Mariana Enriquez e as primeiras lições de pavor

Nascida em Buenos Aires em 1973, Enriquez publicou no seu país em 2009 as doze histórias de “Os perigos de fumar na cama”. “O belo e terrível mundo que vislumbramos – com adolescentes perturbados, fantasmas, demônios decadentes, pessoas marginalizadas, tristes e furiosas da Argentina dos dias de hoje – é a descoberta mais empolgante que fiz na ficção em muito tempo”, elogiou o romancista Kazuo Ishiguro, Nobel de Literatura, em afirmação reproduzida na contracapa da edição brasileira. 

Leia, a seguir, a entrevista de Mariana Enriquez ao Pensar:

Quais as diferenças e semelhanças entre as histórias de “As coisas que perdemos no fogo” e as de “Os perigos de fumar na cama”?
Acho que, apesar de serem muito parecidas, são duas épocas diferentes. “Os perigos...”foi publicado originalmente em 2009 e são minhas primeiras histórias de gênero, terror ou fantasia. Tive que aprender (ou ensinar) a escrever no gênero com conteúdo argentino ou latino-americano, ou seja, com medos locais, com situações e cenários reconhecíveis em nossas culturas. Também tentei lidar com questões políticas e sociais a partir do terror e, muito importante, a escrever tendo mulheres como narradoras. Então os contos têm algum aprendizado e algo mais selvagem, ainda mais punk. Acho que “As coisas...”têm histórias em que me senti mais segura. Mas não há necessariamente uma evolução, são dois momentos diferentes de investigação.

A personagem Josefina, do conto “O poço”, tem pesadelos com o “Sagrado Coração de Jesus e o peito aberto de Cristo”. A religião pode ser uma das fontes de medo?
Não sou mais religiosa, mas tive uma educação católica. Quando criança, fiquei fascinada pelo imaginário do catolicismo. E é muito brutal: uma mitologia com pessoas mortas saindo de seus túmulos, com possessões e demônios. O Antigo Testamento tem narrativas genuinamente assustadoras ou muito cruéis, como o Livro de Jó. Isso no imaginário e nos textos. Na prática, as cerimônias, como todos os rituais, têm algo misterioso. E pode ser uma fonte de horror para os que creem. Por causa do temor de Deus, de pecar, de ser punido. A religião é uma forma de disciplina e, como tal, envolve o medo.

Um dos personagens do conto “O carrinho” se refere a outro como “negro de merda” e “favelado filho da puta”. O racismo também é um problema na Argentina?
É um problema em todos os lugares. Mas quando dizemos ‘negro’ não nos referimos necessariamente a uma pessoa afrodescendente, mas a qualquer pessoa parda ou nem de cor, mas pobre. Classe e cor da pele podem ser um estigma, especialmente se combinarem. As pessoas que moram nas favelas são muito discriminadas. Não acho que exista uma sociedade sem racismo: há simplesmente sociedades diferentes atacando grupos diferentes.

A epígrafe do livro é um trecho da canção “A sucker’s evening”, do compositor Will Oldham (também conhecido como Bonnie 'Prince' Billy) da banda Palace Music. Como a música influencia sua escrita? Você sempre escuta música ao escrever?
Sempre. Geralmente sou obcecada por uma ou várias músicas que surgem do que ouço quando escrevo. Neste livro é engraçado, mas ouvi algo sinistro do folk americano – como Bonnie Prince, mas também Low, Bill Callahan e o primeiro disco da (cantora) Cat Power. Também escutei muitas bandas bem pesadas, como Sepultura e Slayer, e black metal norueguês, em particular Darkthrone e Mayhem. Acho que todo livro tem uma vibe musical que não é necessariamente coesa ou coerente.

Qual o maior pesadelo que a Argentina vive no momento?
A impossibilidade de melhorar a nossa economia e o dia a dia das pessoas que passam por um momento muito difícil. E o avanço da direita negacionista. Não sou daquelas pessoas que acreditam que o progressismo e a esquerda são necessariamente “a coisa boa”, embora eu costume votar neles. Mas há certos direitistas na América Latina que são dementes e negacionistas e que se aproximam do fascismo. E isso é um pesadelo.

E o que podemos esperar de seu próximo livro? Um novo romance ou mais contos?
Meu próximo livro de ficção já está escrito. São contos. Estou trabalhando em um romance e acabei de publicar um livro de não ficção chamado “Porque também não é o suficiente”, por uma editora chilena (Montacerdos). É um livro de memórias sobre ser fã de uma banda, Suede (banda inglesa surgida no início dos anos 1990 e ainda em atividade), um ensaio sobre fandoms caprichosos, literários e históricos, e talvez também um livro com muita nostalgia dos anos 90. Não porque fossem fabulosos, mas porque foram os anos da minha juventude.


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