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Estado de Minas PENSAR

Escritor mineiro Lucas de Guimaraens lança o livro 'Amarrar o corpo na lua'

Bisneto de Alphonsus de Guimaraens, autor apresenta novo livro de poemas, de tons surrealistas e, ao mesmo tempo, coloquiais


04/08/2023 04:00 - atualizado 04/08/2023 00:18
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Lucas Guimaraens
Lucas Guimaraens (foto: Vanusa Campos/divulgação)

 

Não é exagero dizer que o poeta é a pimenta do planeta. O olhar sensível, sentido e transmitido por meio de palavras apimentadas, compõe os principais aspectos que caracterizam aqueles que veem a vida sob uma perspetiva poética e as expressam brilhantemente. 

 

Dentro dessa linha, está a nova obra literária “Amarrar o corpo na lua”, do escritor mineiro Lucas Guimaraens, 43 anos. O sétimo livro dele, que conta com prefácio de Marcio Borges e capa que reproduz pintura do artista Fernando Pacheco, é composto por 46 poemas, construídos de forma coloquial, com conotação surrealista, divididos em três seções. 

 

A primeira parte se chama “Lugar”, e é inspirada por espaços reais e imaginários pelos quais Guimaraens passou. A segunda é “Nós”, a primeira pessoa do plural, para expressar a relação de afetividade com o outro. Por último está “Linguagens”, o que une a primeira parte com a segunda, colocando sentido, cor e completude para a obra. 

 

 

“trivial

como toda travessia

desencontrado

como toda despedida

alado

como toda vontade contida

quebrado

como toda queda e suas fraturas.”

(Trecho do poema “Em torno daquele lago”)

 

 

Ao longo das 114 páginas, o leitor sorve, em doses sensíveis, poemas que refletem sobre vida, encontros e desencontros, sonhos, amizades, desejos e saudade. “É a partir da linguagem que a gente consegue se conectar consigo mesmo, com os outros e com o mundo”, avalia Guimaraens. 

 

Os textos vão em uma linha crescente. A sensação, ao embarcar nos poemas, é um pouco como entrar em uma piscina: primeiro molhando os pés, na parte rasa, e, aos poucos, se entregando até alcançar o lado mais fundo. De forma lenta e gradual, os poemas se tornam mais densos e profundos.

 

A obra nasceu diante um período complicado de saúde da vida do autor, em que ele buscou nas palavras uma forma de enxergar a vida sob nova perspectiva. “A literatura não é uma novidade pra mim. Nem como escrita ou leitura. No entanto, esse livro teve um caráter especial. Ele veio exatamente pela necessidade de ver a dança da vida novamente. Há situações em que você precisa de um novo olhar, para respirar de novo”, conta o escritor. 

 

 

“Há uma lágrima

sobre cada palavra.

Ela nos liberta 

sendo quase nada.”

(Trecho do poema “Quase nada”)

 

 

A sensibilidade da poesia está no sangue de Lucas Guimaraens há gerações. A herança poética familiar vêm forte com os ancestrais Bernardo Guimarães, Alphonsus de Guimaraens, Alphonsus de Guimaraens Filho e Afonso Henriques Neto.

 

Inclusive, o novo livro de poemas é uma tentativa de um olhar diferente em relação à lua sonhadora e distante que escreveu Alphonsus de Guimaraens – seu bisavô – e veio da necessidade de se comunicar diante do que cresceu acompanhando e admirando. 

 


“As coisas de memória 

formam nossa história.”

(Trecho do poema “Memento”)

 

 

Envolvente e fácil de ler, “Amarrar o corpo na lua” está no grupo de livros que podem ser devorados em uma tarde. As palavras dançam nas páginas, trazendo ritmo para cada poema. Sem um tempo literário definido, a obra flutua entre passado, presente e futuro. Cada poema retrata uma temática, tem uma diagramação própria e uma singularidade. Como bem definiu Milton Nascimento, no texto da contracapa do livro: “A pena de Lucas Guimaraens nos leva para o delírio real, o sonho concretizado, a certeza de que outro mundo dentro de nosso próprio universo é possível. Poesia de palavras e cores. Caminhos de verdade, de abrigo, de tudo que soa, o que poderá trazer o que merecemos”. 

 

 

Lançamento em BH 

 

Lucas Guimaraens assinará cópias do livro no lançamento neste sábado (05/08), de 11h às 14h, na livraria Quixote. O evento faz parte da programação de 20 anos da livraria e também vai contar com interpretações poéticas com a companhia teatral do projeto Palavra Viva e intervenções musicais com o Coro Novo, dirigido pelo maestro Daniel Rezende. 

 

* Estagiária sob supervisão do editor João Renato Faria

 

 

Amarrar o corpo na lua

 

  • Lucas Guimaraens
  • Editora 7 Letras
  • 116 páginas
  • R$ 49,00 

 

 

Armazém

 

Prefiro armazéns

a supermercados

nas prateleiras

há o insondável

invendável sonho

o derradeiro grito

o despejo explícito

o frango assado

o pão que não comerei

as marcas de segunda linha

as moças e suas carruagens

de problemas íntimos

a ausência de creche

a violência da flecha

das paixões que

nos deixam prenhas

o amor que nasce

do ato da carne

mais um tiro

bala achada

um suspiro

– sem açúcar

sem afeto –

prefiro

os guetos

como quem

usa das veias

para um exame

de sangue

as manchas

na pele

como se fossem

nuvens vagantes

a falta como

o travesseiro

que não há.

Prefiro gente

de calos a cantar

todos os dias

o sol da manhã

& suas ilusões.

 

 

Queda

 

Fraturas do trabeculado ósseo

calcâneo

cuboide

base do quinto metatarso

bolsão infeccioso querendo romper no ligamento bifurcado

delgado traço de fratura do tálus

medula óssea

tendões e mais ligamentos

 

o que fica é a certeza desse passado – esse hoje –

que dói, mas passa. Com marcas.

 

O que fica é caminhada.

(e suas fraturas)

 

 

Desordem

 

Tudo será como antes

desordem

 

a casa cega empilhará

livros ao chão

desordem

 

uma orquídea resistente

de cuidados floresce

no aparador

desordem

 

cheiro de sexo

a postular desejos

de cama e chão

desordem

 

tilintar de chaves

no pote ao lado da porta

e a vontade de fim de dia

desordem

 

o banho e a facínora

fome a devorar a comida –

qualquer comida – da medula

até a boca (eventualmente

passando pelo estômago)

desordem

 

lábios fechados

como a cozinha sem

pratos limpos

caminhar sem trilhos

sem sinal fechado ou abismo

um flâneur pousa no parapeito

e repete: nada mais

nada mais.

 

Desordenados venceremos.

 

 

Quase nada

 

Tudo é palavra

quando não é nada.

 

O vento que sopra as ideias

afugenta a palavra imperfeita.

Nada.

 

Às palavras devemos

a existência como

à tela dos sapatos

de Van Gogh

o cansaço

a caminhada

a terra úmida

o grão brotando

o futuro incerto

ao trem-de-ferro

de Milton

as salinas

dos desprotegidos

uma canção de trabalho

ao primeiro manuscrito

do criador.

Se o espelho

mira o desejo

contido

ou se a roupa

encobre o defeito

perfeito

assim vêm

as palavras.

 

 

Se ruas permeiam

seu esqueleto

sua rotina

seu lampejo

não se sustente

em palavras.

Troque-se

evoque

a amizade

perdida

para não

se perder.

 

Há uma lágrima

sobre cada palavra.

Ela nos liberta

sendo quase nada.

 

 

Entrevista / Lucas Guimaraens

 

Como foi o processo de criação dos poemas? O que te guiou na escrita? 

Esse é o meu sétimo livro, entre poesia e filosofia, entre França e Brasil. Nesse caso, específico, ele se deu muito por conta de um momento que eu estava vivendo. Comecei a ter problemas de saúde mais sérios, então a obra veio numa tentativa de completude. 

Eu me vi numa situação bastante semelhante à de um bebê. Ao longo da sua construção, no início de 2018, eu tinha a sensação de estar me reconectando de uma forma diferente, de estar olhando para as coisas, para os detalhes, sob uma nova perspectiva. 

 

O seu sobrenome tem muita história na poesia mineira. Você se inspira de algum modo nos seus antepassados? 

Não tem como eu me dissociar da minha origem. É impossível, para todo mundo. Eu cresci cercado por literatura e poesia. O que me interessou de fato não foi muito romance, e nem  foi os contos, mas, sim, a poesia.  E então eu comecei a entender o que era o jogo das palavras, eu pegava alguns versos do meu bisavô Guimaraens, colocava no computador, escolhia uma imagem e escrevia junto. Foi assim que eu fui me moldando, fui me formando. Porque a poesia não se forma na academia. A poesia se forma na vida.

 

O livro abre muito de uma intimidade. Até que ponto você se sente confortável ao abrir essa intimidade para os leitores?

Eu acho que não existe poesia verdadeira, se não há vida verdadeira. O que eu tenho que transmitir, pelo menos no meu modo de criar pela poesia, é a minha própria vida. Se a poesia não é comunicante pra ninguém, a poesia está errada, tem algum problema. Porque ela é uma comunicação, ela é um diálogo.  


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