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Estado de Minas PENSAR

Otto Lara Resende e Paulo Mendes Campos por eles mesmos

Trechos de livros e crônicas revelam o pensamento e a intimidade dos amigos escritores e a relação deles com a mineiridade


14/10/2022 04:00 - atualizado 13/10/2022 23:13

Paulo Mendes Campos e Otto Lara Resende
Mendes Campos: crônicas publicadas no Diário Carioca; Lara Resende: perfis reunidos em 'O príncipe e o sabiá' (foto: Divulgacao - 25/4/1984 e Arquivo da Imprensa Oficial de Minas Gerais)

 

Paulo Mendes Campos

Trechos de crônicas 

 

“Na velha cidadezinha mineira de São José del-Rei (mudada hoje, na expressão de Mário de Andrade, para um odontológico Tiradentes), e cujo prefeito recebe 900 cruzeiros mensais, há mais casas do que inquilinos.

 

Estudante de ginásio, em São João del-Rei, passei de trem por lá muitas vezes. Quando o comboio se aproximava, os passageiros mais experimentados levantavam de seus lugares, disfarçados, e iam para a plataforma. Por quê? Porque em Tiradentes tinha uma velhinha de gênio que confeccionava as melhores empadinhas de galinha do mundo inteiro. E as empadinhas não chegavam para as encomendas.

 

A mulher era de uma honestidade exemplar. Cobrava apenas quinhentos réis pela empada e se recusava terminantemente a concordar com aqueles que desejavam, egoisticamente, todo o tabuleiro. Mesmo que dessem o dobro.

 

– Todo mundo tem direito, uai!”

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...

 

“Na estação de Burnier havia baldeação e pastéis. É histórico um acontecimento já distante no tempo. Uma delegação de estudantes de farmácia de Ouro Preto entrou na venda da estação, devorou os pastéis, e voltou ao trem, sem pagar. Alegre estudantada de moços e moças. Mas o dono da venda ficou caindo pelas tabelas e aguardou, pelo jornal, a volta do grupo. Dobrou o número dos pastéis naquele dia. O trem chegou, os estudantes caíram nos pastéis e voltaram, rindo, para o carro.

 

Uma hora depois, o carro em que estavam tinha de ser desligado da composição para ser substituído por um carro decente. O dono da venda tinha botado jalapa nos pastéis, planta que na Farmacopeia Brasileira é conhecida pelo nome de Exogonium purga.”

 

...

 

“Passei uma tarde bebendo pinga com um poeta de oitenta anos, em Santa Luzia. Ele me conta com amarga saudade coisas de seu tempo.

 

– Aqui em Santa Luzia, tinha uma vida intelectual impressionante! Hoje é essa pasmaceira que o senhor está vendo.”

 

 

Crônicas de Paulo Mendes Campos publicadas em 20 de julho de 1954 na coluna “Primeiro Plano”, no Diário Carioca. 

 

 

 

Otto Lara Resende

Trechos de livros e crônicas

 

 

“Às vezes acho que escrever me atrapalha a vida. Outras vezes entendo que é o que me segura vivo. Com um fio de tinta anoto o contraste entre o que sou e o que quero ser. Avalio a distância que vai entre o sonho e a realidade. Talvez seja isto que me dê um pouco de coerência e impeça a minha desintegração. Se não alimentar este monólogo secreto, eu estaria ainda pior do que estou. Não tendo com quem conversar, aqui dou vazão ao que me passa pela cabeça e até, de raro e raro, cauteloso, pelo coração.”

 

Trecho de “O braço direito”, publicado em 1963

 

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“Sem me emaranhar nas entrelinhas e sem descodificar, encurto a viagem e chego sem escalas a Belo Horizonte. Sérgio Porto levava a ideia de reencontrar a cozinha mineira, pedia que o levassem a um tutu, a uma couve, a um lombinho. Sérgio andava com horror a acordeão e a churrascaria. No bar e no saguão do hotel, à noitinha, muitas eram as dúvidas, o embaraço da escolha – até que nos decidimos, ou melhor, decidiram que a quintessência da mineiridade, com torresmo e mais delicadezas, tinha sua sede numa casa que, salvo engano, levava o confiável e sugestivo título de Monjolo; excluída a hipótese da falácia verbal, pode haver algo de mais mineiro?”

 

Trecho de perfil publicado no livro "O príncipe e o sabiá" (2017)

 

 

“Mineiros fora de Minas, que carregamos Minas para lá de suas fronteiras, também nós sabemos que Minas existe e não se acaba; as velhas minas não há mais, o Poeta que me perdoe, mas há outras Minas, iminerais; ali onde faiscou e se esgotou o ouro, algo se fez de mais duradouro que o ouro; da áspera pedra provinciana, Carlos Drummond de Andrade tira o mel universal; e feijão-de-tropeiro junta-se ao Dante, em dois eruditos nomes que, sozinhos, dão notícia de refinada cultura, altíssima civilização – Eduardo Frieiro e Cristiano Martins.”

 

Trecho de crônica incluída no livro “O príncipe e o sabiá”  


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