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Estado de Minas PENSAR

Livro analisa nova 'rota da seda' da China e o crescimento do país asiático

Sete pesquisadores se debruçam sobre como o desenvolvimento chinês nos últimos 40 anos levou o país a confrontar a hegemonia dos Estados Unidos


25/02/2022 04:00 - atualizado 24/02/2022 23:27

Vista de Xangai
Vista de Xangai, com 27 milhões de habitantes, a cidade mais populosa da China e a terceira do mundo, depois de Tóquio (Japão) e Délhi (Índia) (foto: BERTHA MAAKAROUN/EM/D.A PRESS)


Embora a retórica ideológica anti-China do presidente Jair Bolsonaro não tenha prejudicado as transações comerciais historicamente estabelecidas com o Brasil, privou o país de novos e bilionários investimentos previstos na “Iniciativa do Cinturão e Rota” (ou nova Rota da Seda), agora dirigidos para a Argentina, de Alberto Fernández. Na primeira semana de fevereiro, a Argentina formalizou a sua entrada no megaprojeto chinês, que vai investir US$ 23,7 bilhões em infraestrutura – portos, aeroportos, estradas – dotando o vizinho brasileiro das condições necessárias para o incremento das trocas comerciais entre as duas nações. Assim, também pavimenta uma rota com a América do Sul. “

A China busca um modelo de desenvolvimento e de cooperação econômica, científica e intelectual. Teve muito com o Brasil na época dos Brics. Mas o Brasil perdeu a oportunidade de liderar na América Latina a nova rodada do surgimento dessa iniciativa do cinturão da Rota da Seda”, afirma Ricardo Musse, professor do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP), organizador do ensaio “China contemporânea – Seis interpretações”, lançado pela Editora Autêntica, que reúne reflexões de sete pesquisadores.

Compreender o impressionante desenvolvimento econômico, tecnológico, comercial, social e geopolítico da China nos últimos 40 anos – que a eleva como um dos principais players globais, incomodando a hegemonia norte-americana – a reboque do qual se insere a “Iniciativa do Cinturão e Rota” é o propósito do livro. “Há hoje opiniões desencontradas sobre a China circulando no país. As pessoas têm uma natural e compreensível vontade de saber mais sobre esse país, que, sob o olhar eurocêntrico, não é uma democracia, mas tampouco é um sistema inteiramente de livre mercado”, explica Musse, em entrevista ao Estado de Minas.

Para explicar o fenômeno chinês, o livro foge de narrativas e dogmatismos para mergulhar em estudos científicos realizados por sete autores, que pesquisaram também na China, conhecem o mandarim, a cultura, a sociedade e têm assim acesso a uma bibliografia que está além da visão ocidental sobre a China.

São analistas que contribuem com reflexões em seis ensaios nesse livro: Alexandre de Freitas Barbosa, autor de “A ascensão chinesa e a economia-mundo capitalista: Uma perspectiva histórica”; Alexis Dantas e Elias Jabbour, que assinam o texto “Apontamos sobre a geopolítica da China”; Wladimir Pomar, autor de “Comentários sobre a economia política chinesa”; Bruno Hendler, que escreve “Crise de hegemonia e rivalidade EUA-China”; Francisco Foot Hardman é o autor de “Simultaneísmo e fusão na paisagem, na cultura e na literatura chinesa”; e Luiz Enrique Vieira de Souza encerra a obra com o texto “Civilização ecológica ou colapso ambiental?”.

Modelo econômico é “pássaro na gaiola”

Qual é o modelo de desenvolvimento chinês: “um capitalismo de Estado”, um “socialismo de mercado” ou um “socialismo com características chinesas”? Ao buscar resposta conceitual para definir a economia chinesa, Alexandre de Freitas Barbosa, professor de história econômica no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (USP), especializado na pesquisa sobre o impacto da ascensão chinesa no Brasil e na América Latina, elabora o ensaio “A ascensão chinesa e a economia-mundo-capitalista: uma perspectiva histórica”, que integra o livro “China contemporânea – Seis interpretações” (Autêntica). Alexandre de Freitas Barbosa relativiza e questiona a validade desses conceitos para explicar a realidade do mundo atual e da China. Ao mesmo tempo, o autor reconhece a originalidade do modelo de desenvolvimento econômico chinês, algo que, diz ele, pode ser sintetizado na imagem do “pássaro na gaiola”.

Formulada por Chen Yun (1905-1995), um dos líderes mais influentes da República Popular da China, que em meados dos anos 1980 participa da abertura ao mercado e da economia, a imagem do pássaro na gaiola sustenta que, no modelo chinês, as concessões ao mercado se limitariam a uma controlada liberdade, contida sempre pelo Estado quando essa ameaçasse a ordem do todo. Numa visão de longo prazo, a gaiola poderia ser sempre ampliada, de modo a deixar mais pássaros entrarem, conferindo-lhes maior ilusão de liberdade, mas sem jamais se cogitar sua retirada. “Uma forma de  dizer que a China jamais adotaria plenamente reformas no sentido de uma ilusória ‘economia de mercado’, tal como propagandeada pela economia convencional do Ocidente, e que para os chineses significa sinônimo de capitalismo”, avalia Alexandre de Freitas Barbosa.

Contudo, aqueles que conhecem a desigualdade de renda na China, a presença crescente dos setores da iniciativa privada que sobreviveram à Praça Tiananmen e às rebeliões dos guarda-chuvas, o mínimo que vale observar é que o pássaro na gaiola se multiplicou bem mais do que o esperado e chega-se, agora, a temer pela gaiola.Por essa concepção, o socialismo significa, conforme sintetiza  Freitas Barbosa, “uma atuação concertada do Estado para o avanço das forças produtivas e a ação sobre as suas contradições, por meio de uma gestão das várias economias chinesas que se entrelaçam dentro e fora do território”.

O autor prossegue:“Trata-se, antes de uma complexa interação entre o Estado – que comanda os principais preços da política econômica, assim como os bancos públicos internos e os bancos com projeção internacional (China Development Bank e China Eximbank) – de espaços privilegiados de acumulação de capital, com predominância das State-Owned Entreprises (SOEs), atuando dentro e fora do país. Essa interação assegura, ainda, os investimentos em infraestrutura para a expansão interna de uma vibrante economia de mercado, no sentido braudeliano”. O historiador Fernando Braudel acredita que o avanço histórico dos mercados e de uma economia de mercado não engendra espontaneamente o capitalismo: não há uma história simples e linear do desenvolvimento dos mercados.

Suporte na soberania financeira do Estado

Em “Apontamentos sobre a geopolítica da China”, os autores Elias Jabbour e Alexis Dantas ressaltam a originalidade histórica do papel constitutivo do Estado na formação econômica chinesa, tomando do economista brasileiro Ignácio Rangel (1914-1994) a definição de “economia de projetamento”. Para Jabbour e Dantas, a economia chinesa, aproveitando o fim do modelo fordista de produção industrial nos anos 80, se abriu para o mercado mundial e se tornou inicialmente um socialismo de mercado, que, no decorrer do crescimento do papel da iniciativa privada frente à presença estatal na esfera econômica, o Estado chinês aperfeiçoou os seus mecanismos sobre o planejamento e o controle exercido sobre a iniciativa privada.

Jabbour e Dantas acreditam que o que garante o fantástico desenvolvimento chinês nas últimas décadas – e a sua expansão para o mundo em ameaça à globalização sustentada pelo capital financeiro – é a soberania financeira do Estado chinês, o que possibilita as plataformas de 5G, de big data e da inteligência artificial, todas incorporadas à planificação e somando-se às grandes empresas estatais chinesas montadas em setores estratégicos da economia. Essa “Nova Economia do Projetamento” estaria gestando a nova globalização, uma vez que ela tem enormes vantagens sobre a atual ordem imperialista, que se expande cada vez mais pela instabilidade e intervenções militares ou revoluções coloridas, que em alguns casos resvalam para a guerra civil.

Para a nova globalização institucionalizada pela China, os interesses regionais ou nacionais e o espaço territorial nacional são preservados e considerados no processo de desenvolvimento do comércio mundial. Assim, Elias Jabbour e Alexis Dantas consideram que essas sejam as pedras de toque de uma nova ordem geopolítica, capaz de fazer o enfrentamento à geopolítica imperialista do capital financeiro e gerar uma nova ordem “popular, anticolonial e de libertação nacional”.

Enquanto no ensaio “Comentários sobre a economia política chinesa”, Wladimir Pomar traça a perspectiva de economistas chineses e marxistas para estratégias de desenvolvimento das forças produtivas, reduzindo a polarização social, Bruno Hendler, em “Crise de hegemonia e rivalidade EUA-China”, sustenta que a transição do ciclo sistêmico de acumulação protagonizado pelos norte-americanos para aquele impulsionado pela China não configura uma nova hegemonia. Segundo Hendler, trata-se, antes, do acirramento da rivalidade.

A partir da recepção no Brasil do escritor Mo Yan e do cineasta Jia Zhangke, dois expoentes da arte chinesa contemporânea, em “Simultaneísmo e fusão na paisagem, cultura e na literatura chinesa”, Francisco Foot Hardman indica as afinidades culturais entre o Brasil e a China. Já Luiz Enrique Vieira de Souza faz balanço da contraditória evolução da questão ambiental e da polaridade entre fluxos de modernização ecológica e vetores de degradação ambiental no ensaio “Civilização ecológica ou colapso ambiental?”

China Contemporânea
Seis interpretações

.Organização: Ricardo Musse
.Autores: Alexandre de Freitas Barbosa, Alexis Dantas, Bruno Hendler, Elias Jabbour, Francisco Foot Hardman, Luiz Enrique Vieira de Souza e Wladimir Pomar
.Editora: Autêntica
.Páginas: 200
.Preço: R$ 49,80
.E-book: R$ 34,90

Entrevista/Ricardo Musse

(organizador)

Qual foi a motivação para organizar, neste momento, o livro “China contemporânea”?
A China teve nos últimos 40 anos um desenvolvimento econômico, tecnológico, comercial, social e geopolítico extraordinário. Há hoje opiniões desencontradas sobre a China circulando no país. As pessoas têm uma natural e compreensível vontade de saber mais sobre esse país, que, sob o olhar eurocêntrico, não é uma democracia, mas tampouco é um sistema inteiramente de livre mercado. O livro procura dar conta dessa especificidade chinesa a partir de estudos realizados por sete autores, que pesquisaram durante muito tempo sobre a China e, principalmente, um ponto decisivo na escolha desses autores é que desenvolveram a pesquisa naquele país, então conhecem a língua chinesa, a cultura, a sociedade chinesa e têm assim acesso a uma bibliografia que não é só a bibliografia ocidental sobre a China, mas dos próprios chineses, porque são capazes de ler em mandarim. Então, levamos o debate para outro plano, para uma compreensão científica sobre a China. Sabemos que há muito dogmatismo de todos os lados, à direita e à esquerda. A nossa intenção foi proporcionar ao leitor interessado em conhecer o fenômeno chinês uma possibilidade de aproximação, numa linguagem que não é estritamente acadêmica, mas textos de acadêmicos dirigidos ao leitor comum, que apresentem aspectos da China e, mais do que isso, visões distintas sobre o fenômeno.

Como definir teoricamente o modelo de desenvolvimento econômico chinês, que combina a economia de mercado, incentivada e estimulada pelo Estado e seus bancos públicos, com um sistema político mais fechado, de maior controle sobre a sociedade?
Sob a perspectiva eurocêntrica, o caminho chinês de desenvolvimento é cheio de paradoxos: ao mesmo tempo em que é um sistema de mercado, no sentido de troca de mercadorias, é também um sistema que tem um rígido controle estatal, em que o estado controla algumas variáveis, que no capitalismo são deixadas ao mercado, como, por exemplo, a moeda. Isso faz com que o sistema chinês seja diferente do sistema neoliberal, em que a livre conversão das moedas é um axioma, um ponto de partida. No caso da China, o Estado controla a moeda e, direta e indiretamente, controla o sistema financeiro, que tem parte estatal e parte privada, mas sob rígido controle estatal. Esse rígido controle estatal só é possível num sistema político fechado. Este é então um dos paradoxos e um dos dilemas da China. O controle desse processo de desenvolvimento demanda um Estado centralizado, e a centralização do Estado é obtida por conta do fechamento político. Se a China tivesse um outro modelo político, teria outro tipo de relação entre a economia e a política.

Como atuam os bancos públicos chineses no desenvolvimento do país?
Isso é um aspecto que determina o modo como o estado exerce aquilo que os chineses chamam de planejamento. Esse planejamento só é inteiramente possível, de certo modo, porque não é exercido diretamente. Por exemplo, no socialismo soviético, o próprio Estado deliberava, já que todas as empresas eram estatais, em que direção se chegaria, em que ritmo se daria a expansão da produção. No caso chinês, isso é feito via crédito: o governo controla os bancos, que em última instância controlam e direcionam o sistema de crédito para as áreas em que entendem deva se dar o desenvolvimento em determinado momento. Ora, esse crédito é direcionado para as empresas mistas – chinesas estatais e multinacionais – ora para empresas pequenas, ora para grandes conglomerados ou para o mercado imobiliário ou ora para o consumidor. Então, eles controlam qual vai ser a demanda, o que é muito difícil de controlar no ca- pitalismo. No capitalismo há uma defasagem entre a oferta e a demanda, que de certa forma leva a crises. Essa defasagem é resolvida no sistema chinês pelo controle do Estado.

Podemos entender que o Estado, por meio de seus bancos públicos, direciona o investimento segundo o planejamento estratégico para o crescimento?
Exatamente, é isso.

Como ocorre na China a relação entre o Estado e a base monetária?
O controle monetário é uma das premissas do neoliberalismo, inclusive há a hipótese de que o afrouxamento monetário levaria à inflação, o que justifica um controle fiscal, muitas vezes exagerado, que no Brasil redundou no teto de gastos. Mas podemos ver, de modo geral, que as premissas do neoliberalismo não são seguidas no modelo chinês. Isso também é um dos interesses do livro e da própria curiosidade em relação ao sistema chinês, pois se trata de um modelo exitoso de desenvolvimento que não se deu no quadro do neoli- beralismo. E agora, quando se fala, desde 2008, e também por conta da pandemia, numa crise da pandemia e os caminhos alternativos para se sair desse atoleiro, o modelo chinês surge como lição. É possível olhar para a China o que funcionou bem, o que não funcionou, o que pode ser adaptado aos países do Ocidente, onde, é claro, temos um sistema político diferente, em que o estado não terá o controle social que o estado chinês tem, mas algumas coisas podem ser replicadas, como o controle sobre a moeda que o mantém, que segue não a lógica dos bancos centrais. A lógica dos bancos centrais é a mesma em todos os países ocidentais. O BC do Brasil faz o que o Banco de Compensações Internacionais (BIS) recomenda de modo geral. De lá são emanadas as normas, replicadas em todos os países e continentes do Ocidente, na Europa, nos EUA, na América Latina. Já no modelo chinês, quem controla isso é o estado. É uma possibilidade que se tem para uma política econômica alternativa ao neoliberalismo de o Estado retomar o controle sobre a moeda que é um controle que de certa forma não é do Estado, está na mão do Banco Central, que por sua vez segue os princípios internacionais.

O que pretende a China com a “Iniciativa Cinturão e Rota”, ou nova Rota da seda? Vai de fato promover a integração dos mercados da Eurásia?
Os chineses têm uma história milenar como comerciantes. O sistema de trocas, o sistema de mercado já existiu na China antes mesmo de ser sistema predominante no Ocidente, portanto, antes do início do capitalismo, no século 16, esse sistema de trocas já vigorava na China. Eles têm um espírito de comerciante. Mas é claro que junto com uma atitude geopolítica, podemos pensar que visa incrementar as trocas. O propósito da Rota da Seda é criar a logística que facilite o comércio. A China é um país cujo modelo de desenvolvimento nos últimos 40 anos se deu por meio da conquista de enormes superávits, nos quais vendeu os seus produtos no mundo todo. Então, a direção da Europa é essencial, porque ali se tem o caminho quase que em linha reta na direção do mercado consumidor europeu. A China já compartilha o Pacífico com os EUA e agora também, esta semana, fez uma acordo com a Argentina para fazer investimentos de US$ 23 bilhões nessa direção, para incrementar o comércio e a produção numa parceria que começa a chegar na América do Sul.

O Brasil tinha todas as condições para estar liderando na América Latina as conversações com a China:  integra o Brics, essa arquitetura institucional fundada em 2006, incorporada à política externa do Brasil, Rússia, Índia e China e, na sequência, África do Sul. Por que o Brasil está sendo secundarizado nessa interlocução entre China e a América Latina?
Isso se deve a uma política deliberada do governo federal. Desde a campanha eleitoral, o presidente fez discurso anti-China, associando-a ao comunismo, coisa que o livro bem mostra, não é bem esse comunismo que Bolsonaro e os seus adeptos apregoam. A China busca um modelo de desenvolvimento e de cooperação econômica, científica e intelectual, teve muito com o Brasil na época dos Brics e o Brasil perdeu a oportunidade de liderar nesta nova rodada do surgimento dessa iniciativa do cinturão da Rota da Seda. É momento que coincidiu com esse governo avesso à co-    operação chinesa e que se aliou integralmente aos interesses econômicos norte-americanos. Só não rompeu relações com a China devido à importância que o mercado chinês tem para o comércio externo brasileiro. A China é o principal destino das exportações brasileiras e também os componentes das indústrias brasileiras dependem muito da China, como ficou claro no início desta pandemia.

Qual é a racionalidade do discurso anti-China de Bolsonaro, já que é a maior compradora do Brasil, inclusive dos produtos do agronegócio?
Na prática, o comércio com a China não foi bloqueado, os negócios continuam sendo feitos nestes três anos, se ampliaram em quantidade e em valor. Mas a contrapartida de investimentos da China aqui, que poderia ter ocorrido, não ocorreu. A China direcionou os seus investimentos na América Latina para a Argentina, Venezuela, para o Peru e para a Bolívia. Mas aqui no Brasil, esses investimentos não vieram. O comércio se manteve, mas os investimentos não vieram. Essa é a maior perda, que não é do agronegócio, que continua exportando. A perda é para toda a sociedade brasileira porque poderia ter recebido investimentos que gerariam desenvolvimento, emprego e renda e impostos para o próprio Estado.

Qual é o papel da China na nova ordem mundial? 
A história se faz por meio de lutas, conflitos, disputas e no caso, como acabou de ser dita na declaração conjunta entre os presidentes chinês e russo, que defendem uma ordem mundial multipolar. Os EUA lutam para manter a sua hegemonia, que se assenta basicamente no poder do dinheiro e das armas. O poder das armas está sendo de certa forma questionado pela Rússia nesse conflito com a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), que procura colocar um limite no meio militar americano, que já havia sido limitado no Oriente Médio: saíram do Iraque, da Síria e agora saíram do Afeganistão, na Ásia Central. E do ponto de vista do dinheiro, a China detém a maior parte dos títulos da dívida dos EUA. Então, ela tem um certo papel aí, na determinação do valor do dólar. Mas, por enquanto, a hegemonia do dólar prevalece, esse é um ponto importante. Temos esse paradoxo do mundo multipolar e em termos militar se configura assim, mas, ao mesmo tempo, em termos monetários há uma hegemonia quase total do dólar, mais de 80% das transações internacionais são feitas em dólar. O euro e o yuan ou renminbi são secundárias em relação às trocas internacionais. Agora, neste momento, há uma disputa sobre a ordem mundial.

Se a maior parte da dívida dos EUA é com a China, interessa a ela enfraquecer o dólar?
Esse é o paradoxo, pois se a China dispõe de suas reservas em dólar, enfraquecer o dólar significa enfraquecer a si mesma.

Como a Europa entra na nova ordem mundial que vem sendo gestada?
A Europa é muito desigual em termos econômicos, políticos e sociais. Temos governos socialistas, governos de extrema-direita, temos países altamente desenvolvidos como a Alemanha e a França, e países periféricos como Portugal, a Grécia e no Leste Europeu. Então, a União Europeia tem muitos problemas internos. A maior parte do esforço é para resolver os seus próprios problemas; ela não é o ator internacional que pensou que poderia ser. Em termos militares, a Europa não tem exército, está sob o guarda-chuva dos EUA, sob a Otan: em 1945, os EUA ocuparam a Itália e a Alemanha, países derrotados, e mantêm até hoje suas bases militares lá. É difícil para a Europa se livrar dessa ocupação militar americana. Enquanto ela estiver nessa situação, não tem como assumir uma posição de neutralidade na disputa entre EUA e China. Ela pode até fazer algum gesto, mas não passa do campo da retórica: podem pedir aos EUA por uma política mais multipolar, mas a capacidade efetiva que a Europa tem de fazer isso acontecer não é grande. E o euro foi um sucesso em termos internos. É a moeda que circula naquele espaço, que é um grande espaço comercial. Mas em termos de trocas internacionais, não teve a capacidade de rivalizar com o dólar, o que poderia até ter alcançado, pois o PIB da Europa é muito próximo do dos Estados Unidos.


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