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Estado de Minas EDITORA

Editora Luas investe no protagonismo feminino

Com sede em Belo Horizonte, editora reedita títulos históricos e lança livros de poesia e não-ficção, como 'Ecofeminismo'


17/09/2021 04:00 - atualizado 17/09/2021 07:46

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(foto: Karla Ruas/ Reprodução do livro 'Todas as primaveras em mim')
Nascida em Januária, no Norte de Minas, e formada em licenciatura pela PUC Minas, Cecília Castro assumiu como propósito criar uma editora. Uma tarefa nada fácil, no cenário em que uma gigante multinacional avança sobre as iniciativas locais na comercialização de livros. Soma-se a esse desafio o interesse pela escrita feminista em um campo, historicamente, dominado pelos homens. 

 

No entanto, nenhum desses condicionantes a impediu de "carregar bandeira", como escreveu Adélia Prado. Em 2019, ela fundou a Editora Luas, uma casa editorial em Belo Horizonte especializada em obras escritas por elas. A primeira obra publicada foi "Todas as primaveras em mim", livro de estreia da musicista e poeta belo-horizontina Deh Mussulini, com ilustrações de Karla Ruas, de Montes Claros. O mais recente lançamento é "Ecofeminismo", de Maria Mies e Vandana Shiva, previsto para 25 de setembro, que recebeu a primeira tradução para o Brasil.

 

"Desde 2015, venho gestando a editora Luas para conseguir publicar. É um projeto editorial feminista que publica exclusivamente livros escritos por mulheres com o intuito de nos encontrar e nos unir", afirma Cecília. A Luas abre espaço para pesquisadoras, poetas e escritoras, levando em conta também vozes dentro do feminismo que têm ainda menos visibilidade, como as indígenas e as mulheres trans. Prova desse olhar é o já publicado "Na fronteira", da escritora Carline Linhares, que é uma pessoa transgênero.


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(foto: arquivo pessoal)

"A Editora Luas é um projeto editorial feminista que publica exclusivamente livros escritos por mulheres com o intuito de nos encontrar e nos unir"

Cecília Castro, editora



A editora, porém, começou as atividades pouco antes do início da pandemia da COVID-19, o que mudou o planejamento, mas não as referências: Editora Mulheres e a Quintal Edições. A Editora Mulheres foi criada em 1995 por Elvira Sponholz, Suzana Funk e Zahidé Muzart a partir dos estudos sobre autoras de outros séculos. "O  objetivo  do  trio  era  republicar  obras  de  escritoras  brasileiras do  século  19  a  partir  das  pesquisas  acadêmicas  que  traziam  à tona o  talento  e  a existência dessas  mulheres  apagadas  pela  narrativa  hegemônica  sobre  a  história da literatura brasileira", contam Ana Elisa Ribeiro e Sérgio Karam, em artigo publicado em 2020 na "Letrônica", revista da pós-graduação em letras da PUC-RS.

"Com a morte de Zahidé Muzart (em 2015), não existe mais a Editora Mulheres, mas ficou a referência histórica", lembra Cecília. A outra referência, Quintal Edições, nasceu em BH com o propósito de criar espaço para que as mulheres possam encontrar seu lugar como autoras.

 

Como diretora editorial, Cecília priorizou, em um primeiro momento, as escritoras de Belo Horizonte. Depois, as autoras que tematizam a sexualidade das mulheres até chegar a assuntos de repercussão mundial como o ecofeminismo. Cecília destaca o crescimento da editora a partir da aproximação de autoras e pesquisadoras com propostas de parcerias.

 

A Luas segue três eixos de publicação: o primeiro é a literatura contemporânea, o que elas têm produzido em prosa e poesia; o segundo inclui livros de não ficção, que compreende ensaios, estudos, livros acadêmicos sob a perspectiva feminista; o terceiro eixo é denominado "Precursoras", coleção inspirada nos resgates que a editora Mulheres fazia de autoras brasileiras do final do século 19 e do início do século 20.

 

A curadoria da coleção "Precursoras" é feita por Cecília com as professoras Constância Lima Duarte (UFMG) e Maria do Rosário Pereira (Cefet-MG). Já foram publicados ensaios do século 19: "A mulher" e "Direitos das mulheres e injustiça dos homens", de Nísia Floresta, e "Virgindade inútil e anti-higiênica, de Ercília Nogueira Cobra. No eixo não ficção, uma das obras publicadas é "Pariremos com prazer", de Casilda Rodrigáñez Bustos, com tradução de Carolina Caires Coelho.

"A obra mostra como o patriarcado reprime os corpos e a sexualidade das mulheres. Uma das consequências é que nossos úteros estão enrijecidos, provocando a dor do parto. Ela discute a necessidade de não normalizar a dor do parto. Ela fala da potência do útero prazeroso", explica Cecília, destacando também a criação de um selo infantil, "Lunitas".

 

“Ecofeminismo”


De Maria Mies e Vandana Shiva

504 páginas

Editora Luas

R$ 89,90

Lançamento em 25/09, às 10h, no canal do YouTube da Editora Luas


Próximos lançamentos

 

"Ronda das feiticeiras"

De Norma Telles, com prefácio de Margareth Rago

78 páginas

A historiadora e antropóloga feminista traça um panorama sobre a construção simbólica e cultural negativa em relação às mulheres que não se submetiam às imposições do patriarcado e foram transformadas em "bruxas".  Lançamento previsto para o início de novembro

 

"Memorial do memoricídio Vol. I"

Organização de Constância 

Lima Duarte

Obra coletiva em que pesquisadoras apresentam verbetes sobre escritoras brasileiras invisibilizadas 

ao longo da história. Previsão de lançamento: final 

de novembro

 

"Swijaptji – Memória e medicina de mulher"

De Patrícia Karina Vergara Sanchez

O título, em náhuatl, significa "medicina da mulher". Feminista e mexicana, a autora é indígena e fez doutorado sobre a saúde das mulheres. Ela aborda a questão da crítica ao patriarcado a partir da discussão feminista indígena. Lançamento previsto para dezembro

 

"Chanacomchana e outras narrativas lesbianas em Pindorama"

Patrícia Lessa

A autora aborda a história do movimento lesbiano no Brasil a partir dos estudos feministas, partindo da construção da autonomia lesbiana e dos primeiros materiais jornalísticos dos anos 1970 e 1980. Nas livrarias em dezembro


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(foto: Vandana Shina/Navdanya/Divulgação)


Entrevista


Vandana Shiva 

(coautora do livro “Ecofeminismo”)

 

Lançado em 1993 pela alemã Maria Mies e pela indiana Vandana Shiva, "Ecofeminismo" salienta as desigualdades que permitem ao Norte dominar o Sul, ao homem dominar a mulher e a natureza. As autoras apresentam o argumento da existência de uma conexão entre o crescimento de políticas econômicas violentas, injustas e não democráticas e a intensificação dos crimes contra as mulheres. Liderança e pensadora ambientalista, Vandana é diretora da Fundação de Pesquisa em Ciência, Tecnologia e Ecologia. Em 1993, ela ganhou o Nobel da Paz Alternativo e em 2010 recebeu o Prêmio Sydney Peace por seu compromisso com a justiça social. É autora de mais de 20 livros. A seguir, uma entrevista com Vandana Shiva.

 

Qual o papel das mulheres na superação da crise do capitalismo?

O capitalismo é a continuação do colonialismo. O capitalismo é o patriarcado capitalista. Não pode existir sem as estruturas do patriarcado, de dominação de alguns homens sobre a natureza, a suposição de que a natureza está morta e inerte, a dominação sobre as mulheres, a suposição de que as mulheres são objetos passivos. Quando as mulheres avançam em autonomia, o poder criativo da Terra avança. São processos que superam a crise do capitalismo.

 

Como a desregulamentação, privatização e flexibilização das relações de trabalho afetam a vida das mulheres?

A desregulamentação, a privatização e as flexibilidades destroem o direito ao trabalho, o direito à proteção e segurança. Os fardos das mulheres aumentam à medida que carregam o fardo social e econômico de toda a sociedade sem proteção. A violência contra as mulheres aumenta.

 

O mundo já está sofrendo os efeitos da crise climática. A humanidade vive a pior crise sanitária dos últimos 100 anos. O que temos que mudar no capitalismo tendo como perspectiva que a vida dos seres humanos está globalmente estruturada?

Devemos 'desglobalizar' e trabalhar de acordo com as leis da ecologia, respeitando os limites ecológicos e os limites planetários. A localização dos sistemas alimentares é um imperativo climático para reduzir as emissões. Os 50% dos gases de efeito estufa são emitidos por um sistema industrial globalizado de produção de antialimentos que está destruindo a saúde do planeta e nossa saúde. Escrevi sobre isso em meu livro "Soil not oil", bem como em meus blogs. A localização dos sistemas alimentares é um imperativo de saúde.

Somente sistemas alimentares locais, biodiversos e ecológicos podem impedir o desmatamento e as invasões florestais para o cultivo de soja transgênica como commodities na Amazônia. E a alimentação local saudável é necessária para evitar a dependência de alimentos ultraprocessados, que estão na origem das doenças crônicas.

 

Você e Maria Mies escreveram sobre a expansão, no Brasil, do agronegócio, principalmente para a exportação de commodities agrícolas e minerais. Como a ideia do ecofeminismo propõe uma mudança nessa lógica de produção?

O ecofeminismo começa com o reconhecimento de que a natureza é criativa e inteligente, as mulheres são criativas e inteligentes. Por meio da cocriarão, com a biodiversidade da Terra, podemos gerar economias vivas, nas quais não fazemos mal ao planeta e às pessoas, respeitamos os direitos da Mãe Terra, os direitos das mulheres, os direitos dos povos indígenas. Meu trabalho nas últimas quatro décadas tem mostrado que economias biodiversas baseadas na criação promovem a saúde para os seres, mais riqueza real e bem-estar para todos.

 

Vocês destacam, no livro, a importância da pequena produção e resgatam a importância das sementes. Como esse assunto pode ser discutido da perspectiva feminista?

A semente é a fonte da vida. É uma complexidade auto-organizada. Cria vida de dentro, sem entradas externas. A semente contém padrões, estruturas e funções dentro dela. Ela se desdobra como uma planta, nos dá mais sementes em abundância, para que a vida continue, para a soberania de alimentos para todos. O feminismo é o simples reconhecimento de que mulheres e homens são iguais. Ele desafia a dominação patriarcal com base no gênero. O feminismo reconhece o poder, a criatividade, o sujeito, a autonomia, a integridade das mulheres sobre suas mentes e corpos. Como as sementes, as mulheres são complexas, auto-organizadas e detêm o poder criativo de forma não violenta

 

Como vocês decidiram escrever, juntas, o livro?

O meu pensamento e o de Maria se desenvolveu a partir de nosso engajamento como ativistas pelos direitos da terra, os direitos das mulheres. Maria estava na Alemanha, eu estava na Índia. Quando a editora Zed nos pediu para escrevermos um livro juntas, depois do livro "Patruarchy and caputal accumaultion", de Maria, e do meu livro "Staying alive", percebemos que nossas ideias estavam em profunda coerência. Prática e ativismo moldaram a evolução do ecofeminismo.

 

Você e Maria destacaram a atuação das mulheres da Via Campesina e do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). O que eles trazem para o paradigma de um novo mundo?

A mudança de paradigma que está ocorrendo com a ascensão do ecofeminismo é que a natureza e as mulheres não são objetos passivos a serem possuídos, controlados, manipulados e explorados. Somos a verdadeira fonte de conhecimento. Somos a verdadeira fonte de criação de riqueza. Só porque o patriarcado capitalista é cego para as contribuições da natureza e as contribuições das mulheres não faz com que a natureza e a inteligência e o trabalho das mulheres desapareçam. 


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