(none) || (none)
UAI

Continue lendo os seus conteúdos favoritos.

Assine o Estado de Minas.

price

Estado de Minas

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Utilizamos tecnologia e segurança do Google para fazer a assinatura.

Assine agora o Estado de Minas por R$ 9,90/mês. ASSINE AGORA >>

Publicidade

Estado de Minas

O itinerário das palavras

Indicada ao Prêmio Jabuti de Poesia por Dicionário de imprecisões, Ana Elisa Ribeiro conclui três livros relacionados aos processos de edição e publicação


06/11/2020 04:00

No livro O ar de uma teimosia, Ana Elisa Ribeiro estudou o percurso da criação de autoras como Clarice Lispector e Henriqueta Lisboa até a publicação:
No livro O ar de uma teimosia, Ana Elisa Ribeiro estudou o percurso da criação de autoras como Clarice Lispector e Henriqueta Lisboa até a publicação: "Não é fácil: a Clarice, em muitos momentos, perdia a paciência e falava que ia pagar pela edição" (foto: Túlio Santos/EM/D.A Press)
O isolamento social imposto pela pandemia do novo coronavírus, embora tenha sido vivido de forma distinta pelas pessoas, tem sido bem aproveitado pela professora, poeta e escritora Ana Elisa Ribeiro. O recolhimento forçado permitiu a conclusão de três livros que estão sendo lançados: O ar de uma teimosia: trilhas da publicação em Clarice Lispector, Lúcia Machado de Almeida e Henriqueta Lisboa (Macabeia Edições);  Projetos editoriais e redes intelectuais na América Latina, de José Luis de Diego, tradução de Ana Elisa Ribeiro e Sérgio Karam; e Tarefas de edição: ficções da escrita e do livro em correspondências de escritores (Impressões de Minas e Led), que ela organiza com Cleber Araújo Cabral.  Para coroar o momento de intensa produtividade, Ana Elisa é uma das finalistas da 62ª edição do Prêmio Jabuti, na categoria poesia, pelo livro Dicionário de imprecisões (Impressões de Minas).

O ar de uma teimosia resulta de coletânea de artigos sobre as escritoras brasileiras e como foram os processos de publicação de cada uma delas. O segundo apresenta a pesquisa de José Luis de Diego, pesquisador argentino, acerca da edição, e o terceiro é um minidicionário. Tarefas de edição é o resultado de pesquisa realizada no programa de pós-graduação em estudos de linguagens (Posling). Fomentada pela Diretoria de Extensão e Desenvolvimento Comunitário do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG), a publicação é uma parceria da Impressões de Minas com a LED, editora-laboratório do curso de letras da instituição.

Os três livros têm em comum a abordagem do processo de edição. Ao mostrar o caminho necessário a percorrer para que um autor possa enfim publicar, coloca-se por terra a mitificação da escrita. “É muito bom escrever e publicar, mas entender como funciona o processo, inclusive aprendendo que não é linear, não é igual para todo mundo, não tem uma receita para chegar lá, é importante. Primeiro, frustra-se menos. Segundo, porque derruba o imaginário de autor consagrado, entende-se o esforço”. A autora quer demonstrar que não basta imprimir o livro; depois dessa etapa, há muitas outras a serem cumpridas para quem deseja ser escritor. Nesta entrevista, Ana Elisa fala dos segredos da edição.

O processo de edição é tema recorrente nos três livros. No entanto, foram feitos em diferentes momentos, embora a publicação tenha coincidido para agora. Eles dialogam entre si?
[A reflexão sobre a edição] é o que une os três. O livro traduzido, do professor De Diego, fala do processo de edição na América Latina, de redes de intelectuais de escritores latino-americanos, os hispânicos. Trata de figuras como Jorge Luis Borges, Julio Cortázar. De Diego é estudioso disso há muito tempo, com quem fiz curso no inicinho de 2017. Depois ele veio ao Brasil para dar um curso no Cefet. Desde então, ficamos em diálogo. A ideia de traduzi-lo é de 2017. Porém, a tradução é um processo muito lento. Sérgio Karam, especialista em literatura latino-americana, e eu nos juntamos para ver os livros do De Diego. Selecionamos os capítulos dos dois livros que nos interessavam mais. Portanto, a versão do Brasil é exclusiva e reúne textos de livros diferentes dele. Escolhemos os textos mais genéricos e não tão específicos da Argentina.

Enquanto isso, você fazia os outros dois livros?
 Os livros convergiram para a mesma época. O Tarefas de edição é organizado por mim e por Cléber Cabral, que fez pós-doutorado comigo no Cefet. Na época, ele teve a ideia de reunirmos verbetes de vários especialistas sobre as tarefas da edição. Cada um escreveu dois verbetes sobre vários assuntos, como, por exemplo, revisão de texto, livro. É um trabalho coletivo e longo – de dois anos. Não conseguimos falar tudo do processo de edição, mas abarca muita coisa. São 19 autores de várias partes do país, contando comigo e o Cléber.

No terceiro livro, você trata do processo de edição de Clarice Lispector, Henriqueta Lisboa...
Desde 2012, trabalho com as escritoras brasileiras. A minha pergunta é ‘como uma escritora, em época hostil, meados do século 20, conseguia escrever e publicar?’ Por todas as razões – mercado editorial mais difícil, país mais difícil, mercado editorial muito menor, muito mais incipiente. Para descobrir, rastreei com quem conversavam e quais eram as redes intelectuais delas. Que mulheres eram essas? Não é à toa. São mulheres brancas e burguesas. Era muito mais difícil para outras mulheres publicarem. Elas conversavam entre si. A Clarice, não, é um caso à parte. Mas ela trocava muita correspondência com Fernando Sabino, que foi editor dela também.

As correspondências de escritores são boas fontes para entender a literatura feita por eles?
Normalmente, estudamos literatura sem nos preocupar muito como aquele livro veio para o mundo, como aquela ideia, aquele romance e poema viraram livro, como chegou às pessoas. Estudamos a literatura desmaterializada. Quando nasci, Clarice Lispector já era Clarice Lispector. Mas ela teve uma trajetória até ali que tem a ver com como ela foi editada. É um pedaço que a gente não olha.

Quando olhamos para as autoras consagradas, é difícil pensar que tiveram os livros recusados ou que o processo de edição tenha sido difícil também para elas.
Achamos que foi fácil. E não é. A Clarice, em muitos momentos, perde a paciência. Fala que ela vai pagar [pela edição], que tinha muita pressa. Pressionava muito os caras. É interessante vê-la falando dos editores da época. O Sabino a acalmava, falava ‘calma. Vai dar’. Ela dizia ‘eu não aceito. Eu quero em seis meses.’ Ele falava ‘não. Vai ter que ser para daqui a dois anos.’ Henriqueta era superdeterminada. Sabia o que queria. Saía o livro, ela ficava chateada, porque ninguém falava nada, não saía uma notinha, uma crítica. A exasperação delas. O título do livro é uma fala da Clarice Lispector, uma carta dela para o Lúcio Cardoso, que era muito amigo dela. Uma hora ela fala com ele ‘escrever é o ar de uma teimosia.’ Tinha mesmo que ser muito teimosa para conseguir. Todas elas eram. A Lúcia, talvez, um pouco menos. A impressão é que a Lúcia era mais calma. Mas ela estava na literatura infantojuvenil, um lugar que mulher sempre pôde estar. Um lugar que não incomoda muito.

Essa dificuldade de elas publicarem está relacionada ao gênero?
Gênero literário ou gênero homem e mulher? Tem muito a ver com a mulher poder ocupar esse espaço e tipos de literatura diferentes. Não é só por ser mulher, mas por estar ocupando certos espaços. Se for na literatura infantil pode, porque tem uma mistura com educação e maternidade. No romance para adulto, a disputa é mais acirrada. Lúcia trafegou pouco nisso aí. Mas, na literatura infantojuvenil ela era muito bem-sucedida, vendia muito. É claro que publicar é um processo difícil para qualquer pessoa, é um processo lento. Homens e mulheres têm que fazer um esforço. Mas para as mulheres era mais difícil ainda.  A vida reservada para mulher era a vida privada. Menos mulheres conseguiam atravessar essa quantidade de obstáculos para ter uma vida pública. Chegar nesse ponto era difícil. O marido da Lúcia, aparentemente, era muito incentivador dela. O da Clarice também, mas ela se divorciou depois e voltou para o Brasil. Mantinha muito contato aqui, mas sempre de fora e os amigos para quem ela pedia as coisas, ‘tenta pra mim aí para eu escrever uma crônica num jornal. Estou precisando de dinheiro’. É algo que a gente não imagina.

O que faz um escritor conseguir publicar, ter visibilidade e entrar no mercado editorial? Parece-me que não basta a qualidade na escrita. Você fala de uma rede de intelectuais? São essas relações que determinam?
É isso tudo misturado. O texto determina sim. É difícil isso, porque depende de outras coisas, mas não é só ele. As redes intelectuais têm uma relação importante. Quem você conhece? Quem vai dizer que você é bom? Dependendo da autoridade e, nessa época, era só homem. Com quem elas conversam? A Henriqueta tinha um irmão que morava no Rio. Ela pede endereços para mandar o livro para ver se alguém falava alguma coisa. E recebe do irmão uma lista de homem. A quem você tem que recorrer para pessoa dizer no jornal, na coluna e dizer que você é boa. É uma questão de capital simbólico. Esse alguém é quem? Não é qualquer um. Um fulano resolve te apadrinhar. É claro que o texto tem que se sustentar. A pessoa tem que se sustentar com o texto e com a frequência de publicação. Às vezes, a pessoa publica um livro e some. A gente vê isso contemporaneamente. Hoje é mais gente, mais livro, é mais tudo. É inflacionado. As mulheres estão fortemente na cena, pelo menos na cena de publicação. Ainda tem poucas mulheres em determinados pontos da cena. Hoje é mais difícil ignorar a produção delas. Continua havendo essa rede de intelectuais, quem diz quem é bom. A editora x ou y que dá mais visibilidade, que faz um autor. Fala para todo lado essa é a promessa da literatura brasileira – já vi isso demais. ‘Vocês estão assistindo ao processo de canonização, jovem autor que vai ser um clássico.’ Como você sabe disso? Tem editora que tem esse poder de marketing e poder de fogo agressivo. E tem uma infinidade de editoras pequenas, que têm poder de lançar vozes novas. Fazer a parte mais corajosa do processo. Pegar autor que está pronto é uma coisa. Pegar gente jovem e pôr na praça é outra.

Você faz um comparativo do que era o publicar no passado e o que é hoje. Publicar hoje é mais fácil ou é mais difícil?
Publicar é muito mais fácil. Continua sendo difícil alguém ler seu livro. É comum um autor e autora iniciantes acharem que vão publicar, ganhar a capa do jornal, ganhar a vitrine da livraria. Tem um imaginário sobre isso que não é verdade. Para ir para a capa do jornal tem que ter acontecido um monte de coisa. Para aparecer na vitrine da livraria tem muita coisa. Esse imaginário é muito mal informado. A maioria das pessoas acha que é um caminho linear.

Serviço

Tarefas de edição: ficções da escrita e do livro em correspondências de escritores (Impressões de Minas e Led)
Ana Elisa Ribeiro e Cleber Araújo Cabral
Gratuito, link para baixar: https://www.letras.bh.cefetmg.br/nosso-catalogo

Projetos editoriais e redes intelectuais na América Latina
José Luis de Diego, tradução de Ana Elisa Ribeiro e Sérgio Karam
Disponivel em https://editoramoinhos.com.br/loja/projetos-editoriais-e-redes-intelectuais-na-america-latina/

Um dos livros concluídos por Ana Elisa durante a pandemia, O ar de uma teimosia,  será  lançado na Feira Virtual do Festival Literário Internacional de Poços de Caldas (Flipoços), em 15 de novembro, às 21h. O festival literário será realizado na versão online, de 11 a 15 de novembro, no endereço www.flipocos.com.

O ar de uma teimosia
.Ana Elisa Ribeiro
.Macabeia edições
.150 páginas
.R$ 34



receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)