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Estado de Minas

Primeira leitura


postado em 09/08/2019 04:00 / atualizado em 08/08/2019 17:58

Deriva
Adriana Lisboa
Meu amigo

Meu amigo às vezes se diz vencido
ilhado
endividado
aflito
taciturno
furioso
acossado

prende a respiração
sem saber que país o nosso
           ou quando
           ou como

mas ainda assim
sai à rua
e o mundo se dobra
aos dentes explícitos que ele arrisca
por baixo do veludo do batom.

Horizonte

Chego de visita aprecio o carinho
da recepção entendo que é muito esse
chão varrido para que eu possa
marcar nele a minha passagem
a maçaneta limpa da porta
para que eu possa manchar ali
a minha mão
entendo que tudo é propício
               e está condenado
feito casas de uma cidade-fantasma
entendo que é zona neutra
este dia de visita este dia de
horizonte perdido debaixo da chuva
mas não é preciso deter os céus
no azul nem os relógios no meio-dia
somos um outro
            mesmo
            neste brinde
e lá vai garganta abaixo o último gole
– à vida que eu não trouxe pela mão
à vida que não veio de visita
a uma vida juntos que já fez as malas
e foi tentar a sorte em outro lugar.


Enunciar o mundo

Vestir a tua pele
em dias de frio
usar as tuas mãos
para abrir a porta quando
a boa sorte se aproxima da soleira
convidá-la
a entrar
ouvir a cidade por trás
da surpresa dos teus ouvidos
tentar as mesmas palavras
                firmar
contrato com o lume de um instante
               este instante
                        (passado a limpo)
medir com os teus olhos
o desvio dos meus versos
o traçado dos meus passos
despir-te da minha pele
em dias de calor
e enunciar o mundo.

  • Deriva
  • De Adriana Lisboa
  • Relicário Edições
  • 80 páginas
  • R$ 38

SOBRE A AUTORA 
Nascida no Rio de Janeiro, em 1970, Adriana Lisboa é autora dos romances Sinfonia em branco (Prêmio José Saramago), Um beijo de colombina, Azul corvo e Hanói. Também lançou a coletânea de contos O sucesso e os livros de poemas Parte da paisagem e Pequena música. Os poemas acima integram o livro Deriva (Relicário Edições), que tem posfácio de Raquel Abi-Sâmara, professora de escrita criativa e educação criativa na pós-graduação da PUC Minas. “O deslocamento no espaço geográfico (e cosmológico) consiste numa das principais categorias metafóricas dessa voz poética”, destaca a doutora em literatura comparada pela Uerj.


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