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A visita possível de Ernst Jandl

Traduzidos pela professora da UFMG Myriam Ávila, poemas do austríaco são reunidos pela primeira vez em edição bilíngue da Relicário Edições: Eu nunca fui ao Brasil


postado em 26/04/2019 05:09 / atualizado em 26/04/2019 07:24

Fundada em 2013 pela editora Maíra Nassif, a Relicário Edições abre neste sábado as portas de sua sede para atividades culturais. Dois lançamentos marcam a inauguração da Casa Relicário, no Bairro Floresta. Georges Perec: a psicanálise nos jogos e traumas de uma criança de guerra, do mineiro Jacques Fux, e Eu nunca fui ao Brasil, do poeta austríaco Ernst Jandl (1925-2000). A edição bilíngue é fruto da curiosidade – e persistência – de Myriam Ávila, professora de teoria da literatura e literatura comparada da UFMG. “Conheci a obra de Jandl quase por acaso, quando morei na Alemanha. Eu estava pesquisando a poesia nonsense de Lewis Carroll e Edward Lear na época. Por sua proximidade com o nonsense, a poesia de Jandl me atraiu imediatamente”, lembra. “Muitos dos poemas de Jandl conseguem, com meios sucintos, expressar questões existenciais e perplexidade diante do mundo”, acredita.

“A escolha dos poemas deste volume é de minha inteira responsabilidade e seguiu em parte o critério da traduzibilidade, já que certos jogos linguísticos baseados muitas vezes na pronúncia do alemão austríaco eram praticamente impossíveis de reproduzir. Outro critério foi aproveitar as traduções que eu já havia feito, razão pela qual há um predomínio de poemas de Idílios. E, por fim, segui meu próprio gosto, muito pautado pelo prazer em traduzir poemas rimados”, explica Myriam Ávila, na apresentação do livro. “Minha opção como tradutora é tentar provocar um efeito o mais semelhante possível ao do poema original, mantendo o humor, o trocadilho, as assonâncias desses poemas que, quase sempre, eram pensados para serem oralizados. Só duas vezes acrescentei notas explicativas, coisa que prefiro sempre evitar”, complementa.

A seguir, uma entrevista com a tradutora dos poemas do escritor, nascido em Viena e considerado um dos mais expressivos autores em língua alemã.

Quais as marcas mais representativas da poética de Ernst Jandl?
Eu diria que é o encanto pelo som das palavras e pelas múltiplas possibilidades de registrá-lo por escrito. Ele compôs vários poemas, por exemplo, transcrevendo o sotaque austríaco de forma muito engraçada. Há também uma atração pela musicalidade das palavras em geral, motivo pelo qual acabou voltando à rima. Mas outros tipos de jogos de palavras o atraíam igualmente.

Quais os maiores desafios para a tradução?
Não há uma tradição de transcrição de inflexões de fala em português. Só agora, com o Twitter e outras redes sociais, isso começa a se desenvolver. Daí eu ter desistido de alguns poemas, depois de muito tentar.

Que critério utilizou para a seleção dos poemas?
Segui um pouco o meu gosto. Gosto de traduzir poemas rimados. Gosto de me divertir um pouco ao traduzir, já que não o faço profissionalmente. O poema curto e o poema-piada, além de poemas gerados por fórmulas, atraíram mais a minha atenção. Ernst, seu primeiro nome, significa "sério", mas, mesmo no auge da seriedade, Jandl sempre tem uma veia autoirônica. Alguns dos poemas têm a ver com sua vivência – muito dolorosa – da Segunda Guerra Mundial. Incluí as traduções que me pareceram funcionar melhor.

Qual a origem do poema que dá nome ao livro? Uma visita do poeta ao Brasil chegou a ser cogitada?
O poema começa com um equívoco, ao ser intitulado Calipso. Brasil, capital Bermudas. Naquela época, as viagens não eram tão acessíveis como agora. Jandl foi convidado para ser professor visitante nos Estados Unidos, mas parece que gostaria de ter estendido a viagem até aqui. No poema, ele brinca com o estereótipo da mulher brasileira, “tão mais outra do que as outras”. Eu gostaria de tê-lo convidado, mas não tinha meios para isso. E a morte veio colhê-lo aos 75 anos, na virada do milênio. Só vem agora, em livro.

Quais poetas, brasileiros e internacionais, dialogam com a obra de Jandl?
Muitos consideram datado esse tipo de poesia. Jandl teve poemas traduzidos por outras pessoas no Brasil, mas nada que chamasse muito a atenção. Nos Estados Unidos, ele conheceu Augusto de Campos, mas não chegaram a ter um contato mais duradouro. Como Augusto de Campos, Jandl se apresentou várias vezes no palco, com músicos. Jandl vem de uma tradição que não existe no Brasil, que é a da peça radiofônica, próxima do que os alemães chamam de cabaré. Eu vejo certa proximidade entre poemas de Kurt Schwitters e os dele. Ele próprio se considerava parte do “grupo de Viena” e do “grupo de Stuttgart”, de inspiração concretista.


Palavra de poeta

Trechos de entrevista de Jandl publicada em 1988 no livro Poetik e incluída na edição de Eu nunca fui ao Brasil

‘‘Tenho uma grande conexão com o jazz. Aliás, com todos os estilos de jazz, desde o tradicional até as formas radicais do free jazz.’’

‘‘Creio que não se podem criar poemas sem a possibilidade do jogo, tanto para o autor como para o leitor. Não consigo me imaginar escrevendo um poema sem contar com possibilidades lúdicas.”

“Durante toda a produção da minha obra não criei um modelo próprio de prosa (...). O fato é que eu, mesmo em poesia, não tenho um único modelo, mas um grande número de modelos. Mas quando trabalho em um poema, consigo reconhecer o ponto em que aquilo se torna algo. E esse procedimento até agora não desenvolvi na prosa.”

“(...) Em tudo que escrevi, mesmo naquilo em que o aspecto construtivista aparece no primeiro plano, eu estou integralmente presente como pessoa dotada de todo o seu repertório de experiências. Nunca tentei simplesmente computar as coisas ou separá-las do meu coração. Ao contrário, elas se integravam à minha circulação sanguínea.”


Eu nunca fui ao Brasil
• De Ernst Jandl
• Seleção e tradução de Myriam Ávila
• Relicário Edições
• 168 páginas
• R$ 39,90
• Lançamento neste sábado, 27 de abril, das 11h às 15h, na Casa Relicário. Rua Machado, 155, casa 1, Floresta, BH, com
a presença da tradutora


Alguns poemas de
Ernst Jandl


chafariz
as flores estão cercadas de nomes, os bancos da praça esquiam sob os queixos duplos dos casaizinhos, as nuvens enchem o tanque de gasolina azul e correm com gravatas volantes céu acima. dos ocos dos galhos dos motorneiros escapam borboletas frescomel, cospem nos bigodes umas das outras e daí puxam um fio de arame de seda. dois colchões relincham como vacas e são ordenhados nos capuzes por um colegiado departamental. petizes perna-de-pau viram de noite leões de vaselina e rugem como
candelabros, as meninas comem com garfos de diapasão, e as cabeças de alfinete dos professores descem pelas
goelas das margaridas.

*

saber, dizer

os músicos com seus sons
sabem o que dizem
o que eles com seus sons dizem
os músicos o sabem bem
também os pintores com suas cores
sabem o que dizem
o que eles com suas cores dizem
os pintores o sabem bem
do mesmo modo os escultores com suas formas
sabem o que dizem
o que eles com suas formas dizem
os escultores o sabem bem
igualmente os dançarinos com seus movimentos
sabem o que dizem
o que eles com seus movimentos dizem
os dançarinos o sabem bem
finalmente os arquitetos com seus prédios
sabem o que dizem
o que eles com seus prédios dizem
os arquitetos o sabem bem
já os poetas com suas palavras
sabem eles o que dizem
o que eles com suas palavras de fato dizem
sabem-nos os poetas jamais

*
zunindo
ou não zunindo

em todo caso
bem baixinho

*
este poema

ainda não está bom
e tens de trabalhá-lo mais
mas o mundo não virá abaixo
se o deixares como está
nem mesmo a casa virá abaixo

*
poeta envelhecendo

nem sempre virão arrancar-me
todo escrito das mãos para publicá-lo
e sim olharão além de mim
por cima de minha cabeça em busca de outro
 e eu os compreenderei

ah que mínimo me tornei
direi então
meu cérebro já não atrai nenhum olhar
afundei-me tanto em mim
tenho medo

*
não fui not yet
ao brasil
pro brasil
eu uuld laik to go


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