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Pausa no lirismo

Com perícia e sensibilidade, a mineira Eltânia André descreve, na coletânea de contos Duelos, um mundo contemporâneo que é "esse caos obsessivo e possesso ladrando nos quintais"


postado em 02/11/2018 05:07

Eltânia André, mineira de Cataguases, estreou na literatura com o livro de contos Meu nome agora é Jaque (Rona Editora, 2007). Esse livro reúne várias histórias contadas por um único narrador (um contador de causos, podemos dizer assim), Tizé, que, aposentado, passa a se denominar Jaque (“Já que estou aqui no mundo, vou viver plenamente cada dia”). São histórias que se passam no interior e são contadas num tom leve e bem-humorado.

No seu segundo livro, Manhãs adiadas (contos, Dobra Literatura, 2012), a autora dá uma guinada no tom narrativo: as histórias, narradas por vozes diversas, são densas e desvelam o cotidiano de vidas humanas marcadas pela desilusão e pela falta de perspectiva. Assenta-lhes bem o verso do poeta Manuel Bandeira no poema Pneumotórax: “A vida inteira que poderia ter sido e que não foi”.

Agora, em Duelos (contos, Editora Patuá, 2018), Eltânia nos apresenta uma série de histórias em que adensa mais ainda o tom narrativo, expondo com lirismo e, às vezes, com secura, o desencanto da vida contemporânea num Brasil sitiado pela violência e pela mercantilização da vida humana.

O livro já abre com um conto impactante, intitulado Uma das mil e uma noites, no qual a autora apresenta um recorte aterrador do Brasil atual: a violência contra homossexuais perpetrada por indivíduos de tendência fascista. “Um dos pontapés atingiu o crânio. Outro quebrou uma costela. O chute na cara. Bicha.” É esse espírito de extermínio, que contaminou a alma de parte do nosso povo, solapando o conceito de cordialidade do brasileiro, criado pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda, que esse conto expõe com crueza. É tão forte e apavorante a cena descrita que, a certa altura, o autor interrompe a sua criação, enojado: “...o sujeito ia partir para o ato – eu asfixiado, sem planejamento, retiro os dedos do teclado num átimo de lucidez, tentando estabelecer em que mundo dormitava meu pesadelo”.

Podemos vê-lo, sufocado, premido pela necessidade de mostrar ao mundo essa atrocidade e, ao mesmo tempo, tomado pela sensação de impotência ante o terror: “Salve a Wanderléa, p...!”. Resignado, entendo que nunca pude salvar ninguém. Apenas indignar-me. Sinto náuseas. Não me restabeleço. Os personagens assaltam-me, pedem para que a literatura seja vida e sopre neles o espírito que os moverá”.

A metalinguagem aqui não se apresenta como mero artifício, mas, sim, como meio para expor os limites da criação literária e o papel do escritor diante do horror que nos sitia: “Estamos sitiados. Peço desculpas àquele poeta que sussurrou pela rede seu apelo por histórias mais líricas, poéticas e ternas – que também me rodeiam –, contudo elas hão de esperar, porque o mundo é esse caos obsessivo e possesso ladrando nos quintais”.

Frente à ameaça de perda das liberdades democráticas e da escalada da violência, o escritor brasileiro parece se encontrar de novo diante da questão que Luís Costa Lima tentou responder no seu livro Por que literatura? (Editora Vozes, 1969). Expondo sempre a importância de se valorizar a questão estética e nos alertando para o risco da simplificação da linguagem em busca de uma comunicação direta, ele escreve num dos ensaios que compõem o livro: “A tarefa da literatura continuará a ser, agora como antes, a de atingir e a de trazer na palavra a raiz das coisas onde se deposita a raiz do homem”.

Imerso nesse dilema e nessa crise, o autor/personagem/narrador do conto de Eltânia se socorre das palavras de Ortega y Gasset (“Eu sou eu e minha circunstância”), sabendo que não poderá jamais fechar os olhos para o mundo ao seu redor. “Ainda há para contar pelo menos outras mil histórias que não recolhi na Pérsia distante de Sherazade”. O como contar essas histórias, sem prejuízo do fator literário, é a questão que se impõe agora, e isso, como podemos ver nos demais contos de Duelos, Eltânia faz com perícia e extrema sensibilidade.

Em pelo menos quatro dos contos de Duelos, a autora explora o aspecto experimental da narrativa. São eles: Uma das mil e uma noites, Enquanto lia Faulkner, Matança de passarinhos e Teatro a céu aberto.

DUELOS
De Eltânia André
Editora Patuá (120 págs.)  
R$ 38  

Geraldo Lima é escritor, dramaturgo e roteirista


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