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Estado de Minas artigo

Poder, justiça e paz

É preciso estar atento às crescentes estratégias de manipulação que promovem a mistura entre fé, política e religião, obscurecendo e confundindo mentes


29/10/2022 04:00





Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte  
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

Os cristãos sabem que o exercício do poder somente tem sentido autêntico, coerente com a sua fé, à medida que representa um serviço ao bem comum. Jesus, Mestre e Senhor, ajuda a humanidade a alcançar a compreensão de que poder e serviço são indissociáveis quando proclama que veio para servir – e não ser servido. O adequado exercício do poder não se relaciona à conquista de espaços para obter favorecimentos de qualquer tipo. Menos ainda quando esses favorecimentos levam à manipulação de interesses que comprometem os direitos de todos, prejudicando, especialmente, os mais pobres. Assim, compreende-se que uma grande tarefa dos cristãos na contemporaneidade é capacitar-se sempre, e cada vez mais, para a experiência da reconciliação, compreendendo o poder como serviço, e não motivo para disputas insanas.  Não se orientar, simplesmente, por ideologias e interesses, pois muitos estão na contramão do respeito à vida plena, em todas as suas etapas. E não basta defender uma parte dos valores cristãos. É dever missionário defender todo o conjunto de princípios que se alicerçam nos ensinamentos de Jesus. Isso se faz em fidelidade a Cristo Mestre e Senhor, aquele que não pode ser substituído, em hipótese alguma, por outra pessoa qualquer.
 
  Preocupante nesse sentido é o crescimento de um cristianismo torto no Brasil, apontando graves comprometimentos civilizatórios. É preciso estar atento às crescentes estratégias de manipulação que promovem a mistura entre fé, política e religião, obscurecendo e confundindo mentes, esvaziando as possibilidades reais de uma nova configuração social que favoreça a justiça e a paz. Nessa direção, deve-se refletir e ponderar sabiamente, para ter clareza de que seres humanos, no exercício do poder, não são deuses, para se evitar a idolatria de indivíduos. Em vez disso, reconheça-se a responsabilidade conjunta de todos os cidadãos na (re)construção da sociedade, nos trilhos da justiça e da paz. As eleições são importantes, essenciais na configuração da democracia, mas não esgotam a responsabilidade de cada cidadão. Todos precisam seguir irmanados na permanente tarefa de edificar uma sociedade melhor, o que inclui promover todo o conjunto dos valores cristãos. 
 
 
 
 
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Precisam, pois, ser enfrentadas, com reações cabíveis, sobretudo com a força de autênticos testemunhos cristãos, as manipulações da fé, para que o Evangelho, com a sua força transformadora, inspire a promoção da justiça e da paz. Não se pode “esvaziar” a espiritualidade cristã e o seu testemunho, sob o risco de escolhas e posturas que não dão conta de configurar um qualificado tecido social. Não se deve, pois, seguir apenas alguns valores e princípios cristãos, mas pautar-se por todo o conjunto de valores e princípios sustentados pelo Evangelho.  O amplo respeito a esse conjunto precisa, especialmente, ser vivido pelos cristãos, que caminham no horizonte do Reino de Deus, conscientes de que aqui não há uma cidade permanente – todos buscam aquela cidade que há de vir, cumprindo a insubstituível tarefa de fermentar o mundo com o sabor do Evangelho. Essa consciência não permite aos discípulos e discípulas, nos processos políticos de definição sobre o exercício do poder, se enjaularem na parcialidade que prejudica a justiça e a paz. 

É preciso cuidado para evitar escolhas que atrasem os processos de desenvolvimento integral impondo pesados fardos sobre os mais pobres. Ajuda nesse cuidado meditar sobre a lúcida observação do papa emérito Bento XVI, em reflexão sobre a procura da paz. Bento XVI, ao focalizar o Estado de direito, alerta sobre o risco de um poder exercido pela força da destruição dos próprios direitos. Isso significa, conforme explica o papa emérito, uma perversão enraizada nas instituições que deveriam servir à justiça, mas que, simultaneamente, consolidam o domínio da iniquidade, propriamente o domínio da mentira, com força de obscurecer as consciências. Observe-se a importância dessa tarefa missionária dos cristãos: ter lucidez necessária para escolher, no seu direito cidadão, a partir do voto, não simplesmente um indivíduo para o exercício do poder, mas um conjunto de pautas com força civilizatória competente na efetivação da justiça e da paz. 


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