(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Drummond, profetas e os 300 anos de Minas

O prosseguimento do debate sobre a trajetória minera no seu tricentenário torna-se essencial neste 2021


31/12/2020 04:00






Mauro Werkema
Jornalista e historiador

Drummond, em Congonhas, perante o anfiteatro dos profetas de Aleijadinho, esculpidos ao tempo do trauma da Inconfidência de 1789, enxerga uma "assembleia insurgente", em confabulação silenciosa sobre a "tragédia de Minas" e em contemplação ao "horizonte de montanhas" ricas de ferro. Hoje, ao lado do conjunto escultórico, Patrimônio Cultural da Humanidade (Unesco), a maior barragem de rejeitos de minério de ferro, da CSN, é uma ameaça a despertar temores e discussão. Já antes, Drummond, na sua Itabira, apontara, em vários textos e poemas, o desmonte do Pico do Cauê e que legou à cidade quatro barragens, uma delas, a do Pontal, no local onde estava a fazenda de sua família. Em 1976, com seu poema Triste Horizonte, neste Estado de Minas, lamenta a destruição do perfil da Serra do Curral e impede o prosseguimento de sua desfiguração total. E já lamentara o desmonte do Pico de Itabirito, já desfigurado, só impedido por tombamento pelo Iphan. Em Maquinação do mundo - Drummond e a mineração, de 2018, Miguel Wisnik revela e traduz a poesia de Drummond nos fatos do passado e do presente.
 
 
 
 
Em nossos dias, espera-se que a Minas minerária, que foi a "Minas inaugural" de Rosa, que surge em fins do século 17 e inicia os ciclos econômicos do "ouro e do ferro", que lhe valeu a ocupação inaugural do seu território e o nome, tenha a consciência grave de que esta atividade gera riquezas e empregos mas também pode ser trágica quando praticada com risco de vidas humanas e destruição de rios, matas e florestas. E que poderia gerar maiores retribuições a Minas Gerais e motivar reflexão crítica sobre os três séculos da criação da Capitania das Minas do Ouro, que surge da primeira rebelião dos mineiros, em 1720, contra o opressivo e explorador regime colonial português.

Em Minas, "natureza e cultura" estão intimamente ligados à "geografia física e humana". Esta é sua maior riqueza. O solo mineral e as montanhas conformaram a sociedade e a personalidade dos mineiros ao longo de três séculos de história. Mas as vilas ricas, do esplendor do Ciclo do Ouro e do Barroco, ficaram pobres e ficaram com barragem de rejeitos. Pelo minério, do ouro ao ferro, cobiçada pelo mundo, Minas poderia estar mais próspera se tivesse sabido vender melhor sua herança natural, apontam os estudos da história econômica. Hoje, quebrada, mas ainda em solo rico, Minas sente o ciclo dos desastres, Mariana e Brumadinho e muitas ameaças de outras barragens. E, agora, a epidemia impede o turismo que, embora também mal explorado, tem potencial para ser um novo ciclo econômico, veloz e potente gerador de trabalho e rendas.

A história, mestra da vida, nos ensina muito sobre a tragédia mineira e suas constantes rebeliões por autonomia e liberdade. Portugueses e ingleses levaram o ouro no Século 18. Dezoito grandes minas inglesas, nos séculos 19 e 20, exploraram o ouro mineiro, já em escala industrial. E nada deixaram, como mostram as histórias de Morro Velho e Mina da Passagem, exploradas por dois séculos em Nova Lima e Passagem e Mariana. Em 1911, em encontro internacional, em Estocolmo, patrocinado pelos EUA, sobre o ferro e a siderurgia nascentes, o geólogo da Escola de Minas de Ouro Preto, Gonzaga de Campos, apresentou ao mundo estudo pioneiro sobre as jazidas de minério de ferro de Minas, sob a denominação de Quadrilátero Ferrífero. Provocou corrida internacional às jazidas mineiras. Ingleses, alemães, americanos, franceses e belgas compraram imensas jazidas mas não investiram na siderurgia, como queria o governador nacionalista Artur Bernardes, com visão nacionalista. Hoje, as minas são da Vale, criada em 1942 por Getúlio Vargas em transação com capitais ingleses em nome do esforço de guerra. A Vale, a maior do mundo, domina também a logística de transporte e exportação, com domínio quase total das ferrovias, embarcadouros e portos.

E exportou cerca de 430 milhões de toneladas de minério de ferro em 2019. Destes, 52% saem de Minas Gerais e o resto principalmente de Carajás, no Pará, que dobrará sua produção em três anos, com custos menores. Mas a Lei Kandir, de 1996, retirou o imposto sobre exportação e Minas perdeu, até hoje, cerca de R$ 200 bilhões que poderiam ajudar muito o estado a superar a crise fiscal/financeira. Este ano completamos 300 anos da criação da Capitania de Minas, ocorrida em 2 de dezembro de 1720, e estas lembranças são pertinentes, pois convidam a uma reflexão sobre o momento e o futuro. E que a epidemia não impeça este debate, essencial a Minas, que precisa refletir sobre sua trajetória histórica e econômica, suas riquezas naturais e como transformá-las em melhoria de vida para os mineiros.

O prosseguimento do debate sobre a trajetória minera no seu tricentenário, como propuseram a ACMinas e o Instituto Histórico e Geográfico de Minas, pioneiros nesta comemoração e na discussão do significado da data, torna-se essencial neste 2021. Minas, sua realidade, seu futuro, potencialidades, correção de rumos, consciência crítica e histórica, cultura e turismo, são fundamentais nesta reflexão.



receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)