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Estado de Minas SOCIEDADE

Cerca de 2 milhões de pessoas vivem com o autismo no Brasil

Dados do CDC mostram que até 2% da população mundial tem o distúrbio. Governo federal lança projeto para inserção


02/04/2022 08:54 - atualizado 02/04/2022 21:58

Mariane Baltazar Alvim e o filho Miguel dos Santos
Mariane Baltazar Alvim e o filho Miguel dos Santos (foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) atinge de 1% a 2% da população mundial e, no Brasil, aproximadamente dois milhões de pessoas. Pelos dados Center of Diseases Control and Prevention (CDC), dos Estados Unidos, entre as crianças a proporção é de que uma a cada 44 sofra de um problema ainda pouco entendido, mas muito estudado. Por isso é que, hoje, no Dia Mundial de Conscientização do Autismo, a ideia é chamar a atenção para as pesquisas e para a luta contra o preconceito de quem tem tal condição.


De acordo com especialistas, o diagnóstico precoce define o tratamento correto, que pode ser a chave para garantir uma melhor qualidade de vida para quem tem TEA. A médica Ana Márcia Guimarães, do Departamento Científico (DC) de Desenvolvimento e Comportamento da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), ressalta a importância de a família não protelar o reconhecimento do distúrbio por sentir-se "envergonhada".


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"O diagnóstico tardio traz muitas implicações para o paciente e para a família. É um indivíduo que está comprometido nas suas habilidades sociais e atividades diárias. Descobrir tardiamente aumenta a incidência de transtornos psiquiátricos que seriam evitáveis", alerta.

Doutora em psicologia e professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), Viviane Neves Legnani explica que não há um exame laboratorial ou de imagem que possa identificar o TEA. "Quando o médico pede um exame, é para descartar outra possível patologia. Por isso, temos uma dificuldade de identificar o autismo, porque ele ocorre por meio do diagnóstico clínico, da observação feita pelo profissional e dos relatos dos pais, professores e pessoas próximas", observa.

Viviane faz um alerta: há uma diferença de uma detecção precoce do TEA para um diagnóstico precoce. "Quando os pais percebem que algo está diferente, podem levar ao profissional para que se façam as intervenções necessárias, e não percam a janela de desenvolvimento do filho. Assim, com tempo, a equipe multiprofissional trabalhará para ter um diagnóstico acertado se é ou não o TEA", explicou.


Programa

Por ocasião do Dia Mundial, o governo federal lançou, ontem, o programa TEAtivo, voltado para crianças e adolescentes autistas, que será desenvolvido pelo Ministério da Cidadania em conjunto com a Secretaria Nacional do Paradesporto. O objetivo é permitir o acesso à prática de atividades físicas e de lazer a crianças e adolescentes com o distúrbio que tenham entre entre cinco e 18 anos.

Os dois primeiros núcleos serão implementados em Goiânia e no município de Tanguá (RJ). O investimento da Secretaria Especial do Esporte do Ministério da Cidadania para implantar as unidades iniciais é de R$ 1,4 milhão. Até o fim do ano, o objetivo do governo federal é que o TEAtivo atenda aproximadamente 2,6 mil beneficiados. Para isso, mais R$ 1,7 milhão serão aplicados.


Batalhas diárias contra o preconceito

O olhar costuma evitar o contato direto; a hipersensibilidade à luz, som ou cheiro pode desencadear sobrecarga sensorial e as relações de amizade e de trabalho às vezes são um enigma. Cada pessoa dentro do Transtorno do Espectro Autista (TEA) tem um conjunto diferente de características de stims (movimentos repetitivos), hiperfocos e seletividade alimentar. No Dia Mundial de Conscientização do Autismo, celebrado hoje, a necessidade de combater a desinformação sobre o TEA é o principal esforço.

Estudante de fisioterapia, Vitória Félix, de 21 anos e moradora da Asa Sul, sofre com a falta de conhecimento da sociedade sobre o tema. "A questão é que as pessoas acreditam que nós, autistas, somos como uma receita de bolo. As pessoas falam que eu não tenho cara de autista, como se o TEA tivesse uma cara", explica.

Estudante de direito, Vinícius Europeu, 18, salienta que "muitos neurotípicos (pessoas sem autismo) têm uma visão muito fechada do que é o transtorno e criam muitas barreiras. Ou então, tentam justificar algum episódio ou erro dizendo que isso aconteceu devido ao autismo".

A mãe de Ricardo, de 8 anos, Tatiana Emos, vice-presidente da Comissão dos Direitos dos Autistas da subseção do Riacho Fundo I e II e Recanto das Emas, destaca que a luta é por um centro de tratamento para autistas de todas as idades. "Os autistas envelhecem e ficam adultos e, depois, idosos e sem intervenção. Isso gera uma série de problemas. Precisamos de um centro de tratamento com profissionais que possam atendê-los", alerta.

A luta pelo diagnóstico é árdua. Mariane Baltazar, moradora de Águas Claras, conta que Miguel, 8 anos, teve o diagnóstico fechado aos cinco. Uma das dificuldades, segundo ela, é que o filho busca a socialização com outras crianças. "Diferente dos outros autistas, que não têm esse comportamento, ele sempre quis conversar. Mas ele não entende muito bem o contexto social. Ele pensa que todo mundo é o melhor amigo dele. A terapia com ele é para encontrar esse outro equilíbrio", explica.

O pequeno André, filho de Ana Cláudia e Joaquim Bezerra, teve a condição de autista severo não verbal detectada com 1 ano e três meses de idade. Para eles, o segredo de um tratamento adequado passa pela aceitação, o envolvimento da família e a persistência — pilares, aliás, para lidar com o preconceito que ainda cerca o TEA.

"Nunca escondemos o André. Ele tinha 14 estereotipias, mas sempre falamos muito com as pessoas. Isso ajudou-o a se socializar e a inseri-lo sempre. Também buscamos escolas inclusivas, nas quais o bullying tinha sido extirpado da cultura da instituição", explicou Joaquim.


Uma linguagem de amor

Um dos mitos sobre o autismo é em relação a empatia das pessoas no espectro. De autoria da banda Timeout, compostas por autistas do Distrito Federal, o trecho da música Love In The Heart, destaca justamente o contrário: “amor é algo que eu sinto, amor é algo que eu toco com a minha banda”. A Timeout surgiu em 2017 é composta por atípicos nível 2 de suporte. Paolo Rietveld, um dos coordenadores do projeto, conta que a iniciativa surgiu para que os pacientes atendidos saíssem do ambiente terapêutico e vivessem uma experiência nova. “A banda também é coordenada por Carolina Passos, João Guilherme e Bruno Formiga, que já trabalham no atendimento de autistas. Nossa ideia inclusive é ampliar o projeto e levar os meninos para tocarem em novos lugares”, detalha.

Atualmente, a Timeout tem quatro membros: Ivan Madeira, João Gabriel Mello, Thiago Carneiro e Matheus Winkler. O diferencial, segundo Paolo, é a naturalidade das apresentações dos integrantes. “Tem toda uma beleza, os meninos vão sentindo a música. É tudo muito legítimo. A Timeout traz esse contexto de poder ser natural. Porque quem está dentro do espectro fica muito tempo tentando disfarçar as características para ser aceito na sociedade sem ser discriminado. Quando os meninos sobem no palco, a gente tem essa aceitação, de naturalizar o espectro”, destaca.

Para a mãe de João Gabriel, o vocalista da banda, participar da Timeout mudou a vida do filho. “Antes ele não tinha amigos, não era chamado para nenhuma festa da escola, era muito isolado. Agora isso mudou e ele tem os encontros com os amigos da banda, foi um marco fantástico”, afirma Flávia Lopes, 48, administradora e moradora da Asa Sul. Flávia diz para as mães que estão recebendo um diagnóstico dos filhos, “confiarem”. “Sei que é assustador, mas tudo se ajeita e é melhor do que a gente imagina. Encontramos um equilíbrio e essa jornada é muito bonita. Esse processo de autoconhecimento, depois do diagnóstico do João, me transformou”, confessa.

Banda Timeout formada por autistas no Distrito Federal em 2017
Banda Timeout formada por autistas no Distrito Federal em 2017 (foto: Arquivo Pessoal)


Vitórias diárias

Edilson Barbosa, diretor jurídico do Movimento Orgulho Autista Brasil (Moab), destaca que é necessário uma mudança na sociedade: “quando uma mãe tiver um menino no chão, em crise, ou um adolescente em crise, entender que não é porque ele foi malcriado, ou os pais não põe limites, mas que aquilo é uma crise real. Além disso, precisamos imediatamente de políticas públicas, porque a sociedade precisa de terapias, medicamentos e de um centro de referências que atenda os autistas para que tenham qualidade de vida”, opina.

Apesar do desafio e preconceito enfrentado na sociedade, Anderson Marques, 31, fotógrafo e pai de duas crianças autistas, defende a importância de se atentar aos pequenos momentos de conquista. “A Luísa tem 4 anos, e o Dylan tem 2 anos, e eles não falam. E hoje sabemos a importância de comemorar cada conquista, porque muitas vezes a gente vê eles sofrendo com crises de ansiedade. Um episódio que marcou minha esposa e eu foi uma vez que conversámos na sala e minha esposa estava muito triste, a gente falava que talvez nunca fossemos ouvir nossos filhos falarem. Então a Luísa chegou e deu um abraço e um beijo, e isso causou muita emoção. Ela (Luísa) mostrou um amor muito grande nesse momento. Tem uma frase muito bonita que diz isso, que o autismo prova que o amor não precisa de palavras”, finaliza.

*Estagiárias sob a supervisão de Fabio Grecchi


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