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Estado de Minas DESCOBERTA

Fundador das Casas Bahia, Samuel Klein abusava de crianças na empresa

Segundo reportagem da Agência Pública, empresário, morto em 2014, manteve esquema de aliciamento de crianças e adolescentes para a prática de exploração sexual


15/04/2021 18:09 - atualizado 16/04/2021 15:57

Samuel Klein, fundador da Casas Bahia, morreu há quase sete anos
Samuel Klein, fundador da Casas Bahia, morreu há quase sete anos (foto: Reprodução)
 
Revelações chocantes de crimes sexuais cometidos pelo fundador da Casas Bahia, Samuel Klein, falecido em 2014, repercutiram em todo o país nesta quinta-feira (15/04). O empresário, durante décadas, comandou um suposto esquema de aliciamento de crianças e adolescentes para a prática de exploração sexual nas dependências da sede da empresa, em São Caetano do Sul (SP), além de outros locais em Santos (SP), São Vicente (SP), Guarujá (SP) e Angra dos Reis (RJ).

O filho de Klein, Saul Klein, também é investigado por estrupro de mais de 30 mulheres. Fontes ligadas ao caso afirmam que pai e filho agiam de forma semelhante.

 
A reportagem da Agência Pública ouviu mais de 35 fontes, entre vítimas que acusam Samuel Klein, advogados e ex-funcionários da Casas Bahia e da família, consultou processos judiciais e inquéritos policiais, dentre outros. Diante disso, o empresário teria sustentado, de 1989 a 2010, uma rotina de exploração sexual de meninas, entre 9 e 17 anos, na sede da empresa e em outros imóveis registrados em seu nome.

Além disso, o fundador da famosa rede de varejo teria organizado um recrutamento de meninas para festas e orgias. Como “moeda de troca”, Klein pagava as vítimas e seus familiares e oferecia produtos das lojas.

O então segredo só foi descoberto a partir das recentes denúncias envolvendo Saul Klein, filho do patriarca. O Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) investiga possíveis casos de aliciamento e estupro de várias mulheres. Dessa forma, a Agência Pública desvendou uma história silenciada por muitos anos.

Samuel Klein e o início da Casas Bahia

Nascido na Polônia em 1923, ele viveu na ocupação nazista em sua terra natal e foi levado ao campo de concentração de Majdanek aos 19 anos. Samuel conseguiu fugir do campo de concentração e, nos anos 1950, emigrou para o Brasil, onde começou a vender produtos de porta em porta empurrando uma charrete em São Caetano do Sul.
 
Lá, ele fundou a primeira loja da empresa, em 1952, que nas décadas seguintes se tornaria uma das maiores redes varejistas do país. 

Hoje, a rede é parte do conglomerado Via Varejo, grupo que tem faturamento médio anual de R$ 30 bilhões. Klein virou nome de rua na cidade onde se estabeleceu e até hoje é visto como um dos grandes nomes do mundo dos negócios da história do Brasil. 

Relatos e recrutamento

Uma das vítimas, Karina Lopes Carvalhal, de 40 anos, tinha apenas nove anos quando sofreu violência sexual, em 1989. Conforme relatou à Pública, ela soube através de suas irmãs que o empresário presenteava menores de idade que fossem à sede da empresa. Como precisava de um tênis, ela decidiu ir. “Eu não tinha um tênis pra pôr, usava o das minhas irmãs, meus dedos eram todos tortos”, disse.

Chegando ao local, Karina foi ao escritório particular de Samuel Klein e em seguida foi abusada. “Ele me cumprimentou e já passou a mão nos meus peitos. Ele dizia que moça bonita. Muito linda”, relembra. Ao ir embora, a mulher sentiu alívio e conseguiu levar para casa o tênis e uma quantia em dinheiro.

“A gente ficava contente que tinha ganhado um tênis. Não tínhamos noção dessa situação de violência”, afirmou. A vítima ainda disse que nas outras visitas, os abusos se intensificaram e se tornaram rotina. ““A segunda vez, ele já me levou pro quartinho e me abusou”. O caso de Karina se tornou complexo, porque outras mulheres de sua família também foram violentadas.

As adolescentes geralmente ficavam sabendo por outras meninas que o empresário dava dinheiro e outros presentes. Após um primeiro contato, que frequentemente já incluía abusos sexuais, elas eram selecionadas por Samuel. Alguns funcionários das lojas ajudavam ativamente nos crimes.

Apartamentos no edifício Universo Palace, em Santos (SP), e na Ilha Porchat, em São Vicente (SP), eram utilizados para as práticas. As casas de veraneio em Guarujá (SP) e em Angra dos Reis, além de seu imóvel no condomínio de Alphaville, em Barueri (SP), também entram na lista.
 
A mansão do empresário no condomínio Porto Bracuhy, em Angra dos Reis, é um dos endereços mais citados pelas mulheres que relataram os abusos. 

Os relatos afirmam que os abusos eram explícitos. Klein recrutava o grupo que iria ao quarto e praticava sexo vaginal ou oral, normalmente sem uso de preservativos. “Parece que a gente tinha a obrigação de fazer [atos sexuais] porque ele tinha dado dinheiro no dia anterior”, disse uma vítima.
 
Uma das vítimas conta que Klein tinha preferência por virgens. “Quando ele perdia o interesse, a gente levava uma menina mais nova pra encantar mais ele, entendeu? Ele dava mais dinheiro pra gente, poderia pegar mais coisa: um armário, uma TV. Aí a gente estourava”.

Cláudia*, uma outra vítima, disse que muitos funcionários que trabalhavam para Samuel também recrutavam meninas para o filho dele. “Ele (Samuel) era pedófilo, agia como um. Gostava de meninas com o corpo menos evoluído, que era meu caso. Então ele gostou de mim. A gente tinha que ficar mentindo porque ele gostava disso”, completou.
 
Uma mulher, hoje com 26 anos, foi enganada por um falso anúncio de desfile de sapatos internacionais. Ao chegar no aeroporto de São Paulo, a jovem encontrou outra moça e as duas foram levadas por um motorista de Saul.

“Tive que me despir para ele, me exibir, estava atordoada, mas ele escolheu a outra moça que estava comigo naquela hora, que era essa goiana que veio no carro comigo”. Ela conta que viu Saul fazer sexo anal sem preservativo com a colega. “Ela saiu do quarto chorando, porque ele a machucou muito.”
 

Processos judiciais

Renata* (nome fictício), é outra vítima e entrou com ação na Justiça em busca de indenização por danos morais. Ela conta que foi estuprada quando tinha 16 anos, na casa de praia do empresário em Angra dos Reis, em outubro de 2008. A ida dela ao local foi por conta de sua colega de quarto que costumava frequentar as residências de Klein e teria recebido muitos presentes e dinheiro.

Segundo Renata*, o empresário a chamou para uma conversa em um chalé que era cercado por 12 seguranças. Chegando lá, viu um enfermeiro aplicando uma injeção de viagra no homem. Na época, Klein tinha 85 anos.

“Ele me pegou à força, rasgou minha roupa e me violentou. Não adiantava gritar. Eu chorei e fiquei sangrando direto”, relata.

Logo depois, o enfermeiro responsável pela injeção em Klein a socorreu no início do sangramento. Porém, a mulher ficou presa no local, impedida de ir embora e ir ao médico, e foi estuprada novamente. 

Testemunhas

Testemunhas como seguranças, ex-funcionários, motoristas de táxi, assistentes pessoais de Samuel, advogados de mulheres que citam acordos extrajudiciais, vizinhos de prédio e lojistas que contam que o empresário oferecia produtos para as adolescentes, afirmam que os abusos sexuais ocorriam. Os pagamentos em dinheiro ou eletrodomésticos eram feitos pela secretária do empresário de São Caetano e em outras filiais da Casas Bahia. 

Uma ex-gerente de uma loja da Casas Bahia na Vila Diva, Zona Leste de São Paulo, Josilene* (nome fictício), contou à Pública que Samuel Klein e o filho usavam o caixa das lojas como parte dos pagamentos das meninas e mulheres aliciadas.

“De manhã tocava o telefone: ‘aqui é da parte do dr. Samuel ou do dr. Saul, e precisa separar tanto pro final do dia’. Então a gente ia no caixa, conversava, e as caixas iam separando o que entrava em dinheiro. E no final as meninas passavam e retiravam os valores com bilhetes de autorização supostamente escritos por Samuel.”, destacou.

A ex-funcionária Suzana Morcelli também confirma os pagamentos. “As garotas iam às lojas e pegavam os pagamentos tanto em dinheiro vivo quanto em mercadoria. E não eram valores pequenos. Lembro de uma que falou: ‘O que vocês demoram o mês todo para receber, nós ganhamos em uma hora’." 

Crime 

Ter relação sexual com menor de 14 anos é considerado estupro de vulnerável, com pena de oito a quinze anos de reclusão. Se a vítima tiver entre 14 e 18 anos e o ato envolver algum tipo de troca, ficará caracterizado o crime de exploração sexual de criança ou adolescente, com pena de quatro a dez anos de prisão. 

Somente no segundo semestre de 2020, foram 921 denúncias de exploração sexual e 3.346 denúncias de abuso sexual físico contra crianças e adolescentes. Apenas 10% das situações de abusos e de exploração sexual infantojuvenil são notificadas pelas autoridades.

Números trágicos

No primeiro semestre do ano passado, aconteceram 25.469 estupros no Brasil, segundo o Anuário Brasileiro da Violência. Desse total, 17.287 foram estupros de vulneráveis. Em 2019, 57,9% das 66.123 vítimas de estupro tinham no máximo 13 anos. Dentro desse percentual, a maioria tinha entre 10 e 13 anos. Mais de 18% tinham apenas entre 5 e 9 anos. 

Em sua maioria, as vítimas de estupro e de estupros de vulneráveis são do sexo feminino (85,7%). No caso dos meninos, esse tipo de violência acontece com maior frequência aos 4 anos, enquanto, entre as meninas, aos 13. Os autores são quase sempre conhecidos da família (84,1% dos casos) ou pessoas de confiança.
 
* Estagiário sob supervisão da subeditora Ellen Cristie.  


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