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Estado de Minas ESPECIAL

Vivos na memória: pais tentam manter lembranças de filhos mortos

Eles viram a ordem natural da vida ser invertida ao perderem os filhos; para superar a dor e seguir em frente, recorrem a algumas ferramentas, como a escrita terapêutica e o ativismo


01/11/2020 12:14

Alexandre Varela e Tatiana Borges usam a escrita terapêutica para lembrar do filho Henrique, morto pelo câncer(foto: ED ALVES/CB/D.A.Press)
Alexandre Varela e Tatiana Borges usam a escrita terapêutica para lembrar do filho Henrique, morto pelo câncer (foto: ED ALVES/CB/D.A.Press)
A morte é um ponto final. Mas pode tornar-se vírgulas e palavras. Mães e pais que perderam filhos recorrem à prosa, à poesia, ao trabalho e ao ativismo para viver cada fase do luto, acalmar a dor latente e se conectar com os seus. Na véspera do Dia de Finados, a Revista do Correio Braziliense traz histórias de pais e mães que procuram de toda forma manter vivas as recordações de filhos e filhas.

Alexandre Varela, 51 anos, tem o costume de escrever textos cheios de emoção sobre a perda do filho. Aos 19 anos, ele morreu no dia 21 de outubro de 2019, quando o pai diz ter sentido a maior dor da vida. Desde então, nos dias 21 de cada mês, o pai despeja no papel — ou melhor, na tela do computador — a saudade, as lembranças e o coração.

Para o servidor público, é uma forma de “celebrar a memória” de Henrique, um garoto que descreve como reservado e disciplinado. “Também é uma maneira de elevar a importância que ele teve na nossa vida. Além disso, acho que a gente tem que falar da morte. Ter consciência dela é um aprendizado, faz você querer aproveitar cada momento com quem você ama”, acrescenta.

“Vivemos na contramão. Era ele quem deveria me sepultar, cuidar de mim doente, mas a vida quis assim. Com isso, aprendemos que todo o tempo é de amar”, lamenta o pai. Em abril do ano passado, Henrique foi diagnosticado com um tumor no cérebro. Ele vinha sentindo dores de cabeça há algum tempo e os médicos investigavam a causa. Quando finalmente descoberta, foram cirurgias, internações, home care, quimioterapia. E, no início de setembro, a notícia de que o câncer havia alcançado um estágio contra o qual não se podia mais lutar.

Diante de um momento tão difícil, a mãe de Henrique, Tatiana Borges, 43, farmacêutica, também usou a escrita para desabafar. Mas não só isso. Espírita kardecista, ela acredita que pode ser uma forma de materializar a comunicação com o filho. “Começou como um diário do meu luto. Depois, eu comecei a escrever como se fosse para ele, como se ele fosse ler, contando do meu dia”, relata. Mas, discreta, não publica os textos. Nem mesmo os relê.

Vivendo cada momento

Os últimos dias de Henrique foram cercados de muito amor e cuidado por parte da família e dos amigos:
Os últimos dias de Henrique foram cercados de muito amor e cuidado por parte da família e dos amigos: "Tivemos a chance de nos despedir", diz o pai, Alexandre (foto: Arquivo pessoal)

Desde o primeiro diagnóstico, os pais já se preparavam para todas as possibilidades, inclusive para a pior delas. Durante os seis meses de tratamento contra o câncer e, depois, de cuidados paliativos, a ideia era deixar Henrique o mais feliz e confortável possível, apesar da agressividade da doença e das medicações. “Decidimos dedicar todo o tempo para que ele tivesse qualidade de vida, enquanto aguentasse, quisemos cercá-lo de carinho”, conta o pai.

Henrique teve uma festa de aniversário, mesmo internado na unidade de terapia intensiva do hospital e participou das comemorações da mãe e da avó, já em casa. Amigos da Universidade de Brasília (UnB), onde ele cursava publicidade, e da antiga escola costumavam visitá-lo. E, junto com toda a estrutura médica no quarto, foi colocada uma tevê, com todos os canais, para que o torcedor do Corinthians assistisse aos jogos de futebol, esporte que amava.

Tatiana fez terapia, e o casal leu diversos livros sobre o momento que viviam. Isso foi essencial para que vissem aqueles últimos meses com o filho como algo bonito, como uma oportunidade. “Muita gente perde a pessoa que ama para um suicídio, um acidente, uma violência, sem poder se despedir. A gente teve esse tempo”, consola-se Alexandre. Henrique disse “eu te amo à mãe”, à irmã e ao pai antes de não conseguir mais movimentar a cabeça, que era como ele soletrava as palavras à medida que a família ditava o alfabeto. Foi um dos momentos mais emotivos.

Se, para alguns, como para a própria Tatiana, que é kardecista, a vida continua de alguma forma em outro lugar, Alexandre não tem essa certeza. “Mas sei que a gente viveu na plenitude uma bela história, com problemas, claro: conflitos de um homem de 50 anos e um jovem de 18; mas de plenitude”, afirma. Além disso, a perda deixou uma lição preciosa: “Ensinou que existir é um momento único. Aprendemos que a gente precisa viver a vida o tempo todo, porque a morte vai chegar para todo mundo.”

Cuidados paliativos

Um dos livros que marcaram a experiência de Alexandre e Tatiana com o filho Henrique foi A morte é um dia que vale a pena viver, escrito por Ana Claudia Quintana Arantes, referência em cuidados paliativos no Brasil. Ela é fundadora da Casa do Cuidar, uma organização social sem fins lucrativos que atua na prática e nos ensino de cuidados paliativos. Entrevistamos a vice-presidente da instituição, a psicóloga Cristiane Ferraz Prade:

O que são cuidados paliativos?

É a assistência a pacientes com uma doença grave, progressiva, que ameaça a continuidade da vida. Qualquer pessoa que está em sofrimento, enfrentando uma doença grave que traz sofrimento não só físico, mas social, familiar e espiritual se beneficia do cuidado paliativo. Ele nasceu na Inglaterra, criado pela enfermeira, assistente social e médica, Cicely Saunders, muito admirada por nós. O cuidado paliativo atendendo o paciente nas várias dimensões do sofrimento humano. Ele e seus familiares vão tendo vários lutos, várias perdas. Lidamos com questionamentos como “quem sou eu neste mundo se não tenho uma função?”; sofrimento espiritual de crenças e valores, com pensamentos como “Deus está me castigando”.

Ele é voltado só para o paciente?

Não, porque a doença grave traz sofrimento não só para o paciente como para a família toda. E dependendo da família, toda circunstância muda: se o pai é o provedor, pode envolver problema financeiro; se um dos familiares acaba tornando-se o cuidador principal. E o trabalho é feito em equipe, com muitos profissionais para acolher paciente, família. Temos também que olhar para a equipe e validar a necessidade de cuidar de nós mesmos.

Uma doença grave nos coloca muito próximos da morte. Às vezes, não da própria, mas da de um ente querido. Como o cuidado paliativo trabalha isso com os pacientes?

Ele te convida a reconhecer a angústia, mas te acolhe no processo. Assim que se recebe a notícia de uma doença grave, começa o luto antecipatório para a pessoa que está doente e para a família. E aí, é preciso pensar em como se vai atravessar esse período de luto: é importante validar que ele é real e que pode ser bem usado. É um processo que pode trazer aproximação, oportunidade para resolução de conflitos, de resolver pendências. O luto antecipatório vivido, enfrentado e validado é uma chance de viver um momento de muito sentido, construído em família. Não significa que é mais fácil, mas as pessoas desenvolvem mais força para enfrentar a realidade.

É preciso falar sobre a morte

Thâmar Dias faz questão de, ao lado do caçula, Bruno, relembrar os bons momentos e o privilégio de ter convivido com Lucas, morto aos 23 anos(foto: Arquivo pessoal)
Thâmar Dias faz questão de, ao lado do caçula, Bruno, relembrar os bons momentos e o privilégio de ter convivido com Lucas, morto aos 23 anos (foto: Arquivo pessoal)

Thâmar Dias, 57 anos, funcionária pública, descreve a perda do filho como uma “mutilação brutal”. A dor ainda é enorme, mas, se antes era latente todo o tempo, a mãe diz que agora está mais instalada. “A gente vai aprendendo a conviver com ela.” Quando chega próximo do dia 27, a mãe já começa a se sentir pior. “Às vezes, nem sei que a data está chegando. Ela está gravada na amígdala”, afirma. E, nesse dia, ela sempre escreve. “É um jeito que eu tenho de sobreviver, é algo que ameniza a minha dor”, afirma.

Foi num dia 27, há um ano e oito meses, que o filho Lucas Dias, de 23 anos, morreu de H1N1. Estudante de ciência política da UnB, já tinha lido tudo quanto é livro de filosofia possível. No dia anterior, ele chegou em casa, à noite, sentindo-se gripado. Acordou no meio da madrugada vomitando e a mãe notou sinais de um choque séptico. Ele considerou um exagero, mas a mãe estava certa. “Mesmo com plano de saúde, corri para o Hospital Regional da Asa Norte (Hran), porque sei que os melhores médicos para emergência são os dos hospitais públicos”, lembra Thâmar.

A infecção foi controlada e, no dia seguinte, começaram a resolver a burocracia para transferi-lo para a internação em uma unidade particular, já que na pública não tinha vaga. Ele já estava bem, conversava, brincava. Mas o nariz começou a sangrar. Era uma hemorragia interna, no pulmão. E já não havia nada que se pudesse fazer por ele. Diante da notícia, só restou a Thâmar se despedir. “Não sei de onde tiramos força. Fiquei com ele, disse que ele ia dormir”, relembra.

Ela considera-se sortuda por ter tido esse momento: “Agora, com o coronavírus, tanta gente não pôde se despedir.” Ela lamenta as pessoas não poderem ter velórios. O de Lucas foi uma comoção na cidade. “É um consolo muito forte ver muita gente lá. Numa perda dessa, é importante ver que aquilo não tem importância só para você, mas para muitas pessoas. É um amparo. É a valorização da perda. Ver que ele era importante para muita gente, que estão dividindo o sofrimento. Receber um abraço. É algo que tem me angustiado: ver que as pessoas não podem se despedir”, lamenta.

São muitas as ferramentas para lidar com o fato de não ter o filho por perto. Thâmar convive com muitas pessoas que também perderam filhos — muitas que passaram por isso a procuram — e faz terapia. “Tenho primas que perderam filhos e somos muito ligadas. E eu achava que eu entendia o que elas sentiam. Hoje, eu sei que eu não sabia. Só sabe o que é isso quem passou. Rezo para que ninguém passe por algo assim”, deseja.

Lidando com a perda

Thâmar Dias faz questão de, ao lado do caçula, Bruno, relembrar os bons momentos e o privilégio de ter convivido com Lucas, morto aos 23 anos(foto: Arquivo pessoal)
Thâmar Dias faz questão de, ao lado do caçula, Bruno, relembrar os bons momentos e o privilégio de ter convivido com Lucas, morto aos 23 anos (foto: Arquivo pessoal)

Thâmar não se esquece de um amigo que, no dia do velório de Lucas, aconselhou: “Não deixe que ninguém cobre que você melhore, que você pare de sentir dor”. Na época, ela não entendeu bem, mas não demorou para aquilo fazer mais sentido. Depois de alguns meses da perda, se ela se emocionava falando do filho, se sofria, algumas pessoas diziam que já fazia tempo demais e que ela estava prorrogando o luto. “Eu fui ficando tão chocada. Nunca passou pela minha cabeça — nem antes — que as pessoas faziam isso. Hoje, exige-se uma superficialidade em tudo, e as pessoas não têm paciência nem com a dor do outro.”

Com outras pessoas, ela sentia constrangimento ao comentar algo sobre Lucas. “Você fala do seu filho com relativa normalidade, mas as pessoas ficam constrangidas porque está falando de um morto. Parece que querem que pare de falar sobre ele”, analisa. Thâmar não julga quem faz isso. E tem uma tese: “Você vira a face do pior pesadelo das pessoas; as pessoas têm muito medo de perder o filho, então, quando vêm falar com você, pensam muito nisso.”

Para a psicóloga Cristiane Ferraz Prade, vice-presidente da Casa do Cuidar, organização social sem fins lucrativos que atua na prática e ensino de cuidados paliativos, as pessoas têm dificuldade de lidar com a morte. Isso se traduz em frases como “vira essa boca para lá” toda vez que o tema é abordado. “Nossa sociedade evita angústias e elaborá-las. Prefere comprar alguma coisa para se distrair um pouco. A gente prioriza a distração, o entretenimento, o consumismo”, afirma.

Segundo ela, as pessoas evitam lidar com a morte e aí ficam sem saber o que fazer quando se deparam com ela. “Procuram qual a frase certa, perguntam-se se tem frase certa e acabam falando coisas que não ajudam. A gente se afasta desta angústia e não se permite elaborar a existência da finitude, que pode ser uma elaboração enriquecedora, que permite que se viva de forma autêntica e mais inteira. A morte é uma grande professora, mas a gente precisa ficar para ouvir a lição”, recomenda.

A terapia da escrita

Diários ficaram famosos ao longo da história. Como é o caso do de Anne Frank, a adolescente judia que escrevia sobre seus dias, enquanto vivia escondida num quarto oculto, durante a ocupação alemã nos Países Baixos. Nos documentos, ela afirma: “...pelo menos posso escrever, se não, me asfixiaria completamente”. Além de nos contar a história daquele tempo, escrever foi uma forma de a garota superar cada dia difícil.

Para a terapeuta e escritora Solange Perpin, os diários funcionam como uma catarse. Na terapia, as frases não precisam seguir regras, não importa a forma, mas o conteúdo, os eventos, as percepções deles, as sensações, as emoções e os pensamentos. “Escrever no dia tem a função catártica, principalmente se as ideias ainda estão um pouco confusas; é como se fosse um analgésico, alivia na hora”, afirma.

“A escrita terapêutica pode servir pra desabafar sobre uma emoção presente, para rever um fato do passado”, sugere. Solange explica que colocar no papel eventos dolorosos e traumas ajuda a dar significado a eles. “Se não ressignificamos aquela experiência, aquilo pode ficar como uma ferida aberta, causando dor.”

De acordo com a mestre em psicologia Idonézia Benetti, é comum referir-se à psicoterapia como a “cura pela fala”, mas escrever é também um recurso disponível. São processos diferentes. Para Solange, o falar é um ato mais impulsivo. Escrever faz com que pensemos mais. “Diferentemente da expressão verbal da emoção, a narrativa que emerge do uso da palavra escrita favorece os insights a partir de palavras cognitivamente encadeadas e associadas”, esclarece Idonézia.

Luto transformado em ativismo
Renata e Flora abraçaram a causa defendida pelo filho e irmão, Raul Aragão, morto enquanto pedalava na L2 Norte: 'Éramos uma cooperativa'(foto: Arquivo pessoal)
Renata e Flora abraçaram a causa defendida pelo filho e irmão, Raul Aragão, morto enquanto pedalava na L2 Norte: 'Éramos uma cooperativa' (foto: Arquivo pessoal)

A aposentada Renata Aragão, 61 anos, perdeu o filho há três anos e ganhou uma causa pela qual lutar. O ciclista Raul Aragão, estudante de ciências sociais da UnB e integrante da ONG Rodas da Paz, foi atropelado por um carro que trafegava a pelo menos 95km/h na L2 norte. Ele coordenava pesquisas para a organização, ensinava pessoas a pedalarem e incentivava o uso na bicicleta como meio de transporte.

No início de 2019, uma voluntária do Rodas da Paz, Josi Paes, apresentou um texto para lançarem um livro infantil. Renata abraçou o projeto e a ajudou na produção de Pedalar é suave, que tem o filho Raul como personagem. “O texto era a cara do Raul. Contava o que eles viveram, falava sobre o maior respeitar o menor, questionava: para que tanta pressa?”, conta a mãe. Como ainda só tinham o texto, começou a organização financeira, a procura por artistas para ilustrar. Mais trabalho.

Ilustrado pelos artistas Pedro Sangeon, o Gurulino, que já tinha feito uma homenagem a Raul com um grafite num tapume atrás da Rodoviária do Plano Piloto, e Luda Lima, o livro foi lançado em versão on-line no dia 24 de setembro — a semana mundial sem carro. Aproveitaram e colocaram um pássaro sempre acompanhando Raul, representando o ciclista Pedro Davison, também atropelado e morto, em 2006.

Agora, está sendo vendida a versão impressa no site do Rodas da Paz. “Todo esse trabalho preenche o rombo deixado por ele. É como se eu tivesse fazendo por ele, dando minha energia para ele. É um conforto ser voluntária, fazer um trabalho para que tenha harmonia no trânsito”, afirma.

Renata era atuante secundária na organização, sempre levada por Raul. Mas, com a morte dele, passou a trabalhar mais no movimento pelo respeito aos ciclistas e pela paz no tráfego. “Todos do Rodas o conheciam e me apoiaram muito. Eu fiquei com pena do mundo de perdê-lo. Ele tinha muito a fazer pelo trânsito, por todos os modais”, conta.

Abraço reconfortante

No velório, foi uma grata surpresa receber o abraço de tantas pessoas e ouvir delas a visão que tinham de Raul. “Professores me agradeciam pelo aluno que eu tinha dado a eles. Apareceu até uma senhorinha que conheceu o Raul porque ele colocou uma ghost bike para o marido dela, ciclista, que morreu em Samambaia. E ela gostou tanto dele que foi ao velório”, relembra.

Mãe também de Flora Gondim, Renata conta que os três eram muito unidos, e brinca que a família era como a descrita por Mafalda, personagem criada pelo cartunista Quino. “Tem uma tirinha em que ela abre a porta e pedem para falar com o chefe da família. E ela responde que eles são uma cooperativa. Nós éramos assim.”

Flora era estudante de audiovisual na UnB, na época do acidente. Acabou atrasando um pouco a formatura por conta da tragédia, mas transformou o ativismo do irmão, o desrespeito aos ciclistas e a desproporcionalidade das penas impostas aos motoristas no documentário Pedalar é suave, disponível no YouTube, que fez como trabalho final da faculdade e apresentou em 2018.

“A gente faz muita coisa para manter a memória dele viva”, afirma Flora. A mãe ajudou em toda a produção do filme, com financiamento coletivo e outras questões. E quando achou que seria momento de descansar, engatou no projeto do livro.

O trabalho de conclusão de curso de Raul, que ficou incompleto, era na área de sociologia urbana, e a orientadora dele chegou a publicar fragmentos no anuário de sociologia. “Era um aluno brilhante, e o TCC dele teve a síntese com a própria morte dele, com o impacto dos carros nos pedestres e ciclistas”, lamenta a mãe.

Ghost bikes
A bicicleta de Raul, a Dory, ganhou pintura branca e, colocada no local do acidente, está sempre decorada: memória viva(foto: Arquivo pessoal)
A bicicleta de Raul, a Dory, ganhou pintura branca e, colocada no local do acidente, está sempre decorada: memória viva (foto: Arquivo pessoal)

As ghost bikes são bicicletas brancas instaladas em locais de acidentes fatais com ciclistas. “É uma homenagem a quem morreu e uma mensagem de paz no trânsito”, afirma Renata Aragão. A ghost bike de Raul é a bicicleta dele, pintada de branco. Ele a chamava de Dory, por ser azul como o peixe do filme Procurando Nemo.

Quando foi colocada, a Rodas da Paz e amigos da família fizeram um grande evento. Encontraram-se no Museu Nacional e pedalaram até a 407 Norte, onde aconteceu a tragédia. Em várias cidades, ciclistas também pedalaram em homenagem a Raul. “No primeiro dia, colocaram balões e, no aniversário dele, também. Depois, eu e minha mãe tivemos a ideia de enfeitar mais vezes. Já aconteceu de amigos dele colocarem outras homenagens e a gente sempre achou ótimo”, conta Flora.

Ela chama a atenção de quem passa, sempre com a pintura branca em dia e enfeitada com flores e até adornos temáticos, dependendo da época. Quando está fora, Renata pede para amigas ajudarem. Quando completou três anos do acidente, estava na Alemanha, para acompanhar o nascimento da primeira neta, então, pediu para amigas ajudarem.

“Todo mundo cuida um pouco da Dory. Até quem não conheceu o Raul. Um músico já tocou saxofone lá. E, uma vez, eu estava cuidando dela e parou uma pessoa no carro para me contar que tinha visto um beija-flor nela e tirado uma foto. Pediu meu número para me enviar”, conta Renata. Tudo isso traz uma sensação de suavidade à mãe. “Nós não somos pessoas religiosas, somos ativistas; ele era um sociólogo, anarquista. Não temos o conforto da igreja, porque não é nossa linha, mas das mensagens que ele passou e que a gente passa”, afirma a mãe.


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