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Estado de Minas ADEUS

Música de luto: morre o percussionista pernambucano Naná Vasconcelos

O músico tratava de um câncer desde 2015, quando chegou a se submeter a sessões de quimioterapia


postado em 09/03/2016 08:30 / atualizado em 09/03/2016 12:11

Naná Vasconcelos inovou a linguagem da percussão(foto: Joao Rogerio Filho/Divulgacao)
Naná Vasconcelos inovou a linguagem da percussão (foto: Joao Rogerio Filho/Divulgacao)
O percussionista pernambucano Naná Vasconcelos não resistiu a complicações de um câncer de pulmão e faleceu, nesta quarta-feira (9/03), às 7h39, aos 71 anos. O músico tratava a doença desde 2015, quando chegou a se submeter a sessões de quimioterapia. Na época, Naná enfrentou a situação com bom humor, e gravou vídeo com poesia. Naná estava internado desde a semana passada, quando teria passado mal após show em Salvador. O quadro do músico piorou no último sábado.

O velório terá início às 14h, na Assembleia Legislativa de Pernambuco e o sepultamento foi confirmado para o cemitério de Santo Amaro, em Recife, às 10h desta quinta-feira (10).

No segundo semestre de 2015, Naná Vasconcelos ficou mais de 20 dias internado para tratar um câncer de pulmão, descoberto em agosto. Depois de enfrentar sessões de quimioterapia e radioterapia, declarou que lutaria contra a doença “com força e pensamento positivo”.

Artista de rara grandeza, não é exagero atribuir a Naná Vasconcelos o título de gênio. O pernambucano inovou a linguagem da percussão, sobretudo do berimbau, transitando de forma singular pela música afro-brasileira, jazz, MPB e obras compostas para orquestra. Gravou 24 álbuns e colaborou em vários outros a convite de artistas de todo o mundo. Vencedor de oito prêmios Grammy, foi eleito sete vezes consecutivas como melhor percussionista do ano, entre 1984 e 1990, pela revista Down Beat. Em dezembro de 2015, recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal Rural de Pernambuco.

Nascido no Recife em 2 de agosto de 1944, Juvenal de Holanda Vasconcelos recebeu formação musical na própria família. Aos 12 anos, já acompanhava o pai tocando bongô em uma banda marcial. Desde jovem, participou de grupos de maracatu. Em 1967, Naná se mudou para o Rio de Janeiro, onde trabalhou com Milton Nascimento. O pernambucano participou do álbum Milton (1970) tocando bateria e percussão. Em 1973, colaborou com outro disco de Milton, o clássico Milagre dos peixes (1973).

Em 1970, Naná se juntou ao grupo do saxofonista argentino Gato Barbieri – autor do tema do filme Último tango em Paris –, com quem se apresentou em Nova York e na Europa. Depois daboa recepção no Festival de Jazz de Montreaux, passou a morar em Paris, onde gravou seu primeiro álbum solo, Africadeus (1971). De volta ao Brasil, lançou Amazonas (1972), em que radicalizava os experimentos na percussão, misturando elementos de free jazz e ritmos afro-brasileiros. Nessa época, aprofundou sua ligação com o berimbau, instrumento que revolucionou, ao extrapolar a técnica ligada à capoeira.



DANÇA DAS CABEÇAS
Em meados dos anos 1970, Naná estabeleceu profícua parceria com o compositor Egberto Gismonti, que durou oito anos e resultou em três discos: o poderoso e cultuado Dança das cabeças, Sol do meio-dia e Duas vozes. No fim daquela década, voltou a Nova York, onde se dedicou ao jazz com toques de música latina e indiana. Muito ativo, formou o premiado grupo CoDoNa com o trompetista Don Cherry e o citarista Colin Walcott. Tocou também com o guitarrista Pat Metheny.

Já consagrado, o músico pernambucano soube explorar variadas estéticas. Brasileiríssima, sua percussão diferia da sonoridade caribenha. Com seus apitos e panelas, ele levou os ritmos da floresta para o mundo. Apresentou-se e gravou com artistas como B. B. King, ícone do blues; Jean-Luc Ponty, ás do new age; e Talking Heads, expoente do rock norte-americano. Tocou com orquestras de câmara e sinfônicas, aboliu fronteiras entre popular, erudito e jazz. Compôs para cinema, assinando as trilhas dos filmes Procura-se Susan desesperadamente (1985), Down by law (1986) e Amazonas (1990).

Em 1986, de volta ao Brasil, Naná fez turnês de sucesso e gravou uma série de discos, ora explorando os mais diferentes timbres com seu berimbau, ora criando arranjos complexos em que a percussão desempenhou importante papel. Sempre ativo, foi diretor artístico e um dos idealizadores do Panorama Percussivo Mundial (PercPan) e comandou o projeto para crianças carentes ABC das Artes Flor do Mangue, em Olinda.


CARNAVAL Em recente entrevista ao Estado de Minas, Naná falou de uma de suas grandes paixões: o carnaval. “É muito bonito ver essa festa popular se disseminando por todos os cantos. Sem falar no resgate das marchinhas e de outras músicas tradicionais carnavalescas”, ressaltou.

Uma de suas últimas aparições públicas foi na abertura do carnaval do Recife. Há 15 anos ele comandava cortejo de maracatus e caboclinhos pelo Centro Histórico da capital pernambucana. A participação de Naná não se resumia a abrir a festa. Ao longo de meses, ele frequentava as sedes dos grupos, orientando-os e ensaiando-os. “É importante estar lá, conversar, entender o que se passa com eles”, explicou.

Sua primeira lembrança do carnaval era "percussiva". Tinha 7 anos e dormia quando ouviu um barulho ensurdecedor. Achou que era trovão, mas não chovia. “Perguntei pra minha mãe o que era, e ela respondeu: ‘Isso é maracatu, meu filho’. Não teve jeito, ela teve que me levar para ver aquilo. Fiquei fascinado”.


 


A última vez em BH

Em novembro de 2015, Naná Vasconcelos se apresentou pela última vez em Belo Horizonte. Dias antes de embarcar, deixando o hospital onde se tratava do câncer, no Recife, revelou ao Estado de Minas: “Botei na cabeça que tinha de ser sem drama. Estou firme e forte. A música é de lei, ela é medicina, ela cura”. Durante aquele período no hospital, não deixou de compor e manteve projetos como um balé para a companhia paulista Dança Vida, a parceria com Zeca Baleiro e Paulo Lepetit na turnê do disco Café no bule e receber Egberto Gismonti em sua casa para escreverem Budista afro, peça para percussão e orquestra sinfônica.

Naná tinha muitas ideias para essa nova parceria com Gismonti. Planejava criar instrumentos especialmente voltados para o projeto. A empolgação era tanta que nem parecia que havia acabado de passar por 30 dias de radioterapia e três sessões de quimioterapia. Estava convicto de que não esconder a doença do público foi a melhor decisão. Emocionado, relatou como se formou a corrente de orações que uniu pessoas de diferentes credos para torcer por ele.


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