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Estado de Minas BASTIDORES DO CAOS

Primeira a perceber surto, neuropediatra relembra trajetória da microcefalia em PE

Em 2014, Pernambuco registrou 12 casos de microcefalia. Em agosto de 2015, esse também foi o número encontrado, mas em uma única semana


postado em 17/01/2016 10:00 / atualizado em 17/01/2016 21:12

Carolina Cotta
Enviada especial


Mães em busca de exames e explicações no Hospital Oswaldo Cruz(foto: Carolina Cotta/EM/D.A.Press)
Mães em busca de exames e explicações no Hospital Oswaldo Cruz (foto: Carolina Cotta/EM/D.A.Press)

Recife – Rafaela Gomes Pereira, de 21 anos, soube, ainda durante a gravidez, que a filha teria microcefalia. “No oitavo mês de gestação, o médico pediu um ultrassom de rotina e me perguntou se eu tinha alguma queixa. Na época, final de outubro, não se falava dos casos, logo depois tudo estourou. Ele me disse que ela teria esse problema. Deus sempre escolhe pessoas especiais para cuidarem de filhos especiais. Se fui escolhida, é porque sou capaz. Mas é difícil demais, porque a gente sempre quer um filho saudável. Mas foi melhor saber antes”, afirma a mãe de Rita Cecília, de 2 meses. Com a avó de Rita, Ilma Márcia Gomes, de 39, Rafaela viajou mais de 550 quilômetros, de Salgueiro ao Recife, para fazer os exames necessários à confirmação do diagnóstico.


Ilma está “babando” na netinha. Quando soube da microcefalia, passou dois dias chorando, mas a aceitação de Rafaela a confortou. Mesmo assim, ela fez uma promessa para Santa Rita, a santa das causas impossíveis. “Ela se chamaria Ana Cecília, mas, quando soube da microcefalia, pedi a Santa Rita para que ela não nascesse com essa situação, mas que viesse com vida. Ela pesou 1,6kg ao nascer e o baixo peso era outra preocupação.” Não bastasse o sofrimento de ver a criança nascer com uma condição incapacitante, a família enfrentou uma situação constrangedora. “Fizeram fotos dela assim que nasceu e essas imagens circularam na internet. Diziam que eram cenas fortes, porque ela nasceu praticamente só com a face e com as perninhas para trás.”

Dois meses depois, as perninhas estão aparentemente normais. Segundo a neuropediatra Vanessa van der Linden, essas malformações estão sendo observadas em algumas crianças. “Não sabemos o mecanismo de ação do zika vírus. Se ele mesmo provoca as lesões, se libera uma toxina. Não sabemos se outras doenças associadas estão envolvidas. Tudo precisa ser pesquisado”, defende. Rafaela, como outras mães ouvidas pelo Estado de Minas, se nega a acreditar na relação da microcefalia com o zika. Mas teve os sintomas aos dois meses de gestação. “Sei até quando ela pegou”, conta Ilma. “Fomos passar o Dia das Mães em Arco Verde, onde tinha muitos casos de zika. Meu sobrinho estava doente. Assim que voltamos, Rafaela teve as manchas. Achei que era rubéola, mas o médico receitou dipirona e repouso.”

'Nosso medo era que essas crianças voltassem para suas cidades. Quando se nasce com a infecção congênita, a investigação precisa ser rápida', Vanessa van der Linden, neuropediatra do Hospital Barão de Lucena(foto: Carolina Cotta/EM/D.A.Press)
'Nosso medo era que essas crianças voltassem para suas cidades. Quando se nasce com a infecção congênita, a investigação precisa ser rápida', Vanessa van der Linden, neuropediatra do Hospital Barão de Lucena (foto: Carolina Cotta/EM/D.A.Press)


CARACTERÍSTICAS
Em 2014, Pernambuco registrou 12 casos de microcefalia. Em agosto de 2015, esse também foi o número encontrado, mas em uma única semana. Como neuropediatra, Vanessa  estava acostumada a ver crianças com infecção congênita no berçário. Mas uma por mês, ou mesmo uma a cada dois meses. Quando se deparou com cinco casos ao mesmo tempo, percebeu que havia algo estranho. Poucos dias antes, ela já tinha atendido um caso de microcefalia severa que chamou a atenção não só pelo tamanho da cabeça, bem menor que o padrão dessas anomalias, mas pelo fato de a mãe ter apresentado expressivas manchas vermelhas pelo corpo durante a gravidez.

Essa primeira criança logo passou por uma tomografia. Foi quando Vanessa identificou a presença de calcificações, que sugeriam, então, uma causa infecciosa, e não genética. A criança passou por exames para checar as possíveis infecções – citomegalovírus, toxoplasmose, rubéola, herpes e sífilis –, mas todos os resultados foram negativos. “Era uma das menores cabeças que eu já tinha visto, e ela tinha outra característica peculiar, que são dobrinhas pelo excesso de pele no couro cabeludo. Eu já ia começar a investigar se, apesar das calcificações, podia ser uma doença genética quando apareceram as cinco crianças na mesma semana”, lembra Vanessa.

Os casos eram semelhantes. Cabeças bem pequenas, calcificações e ventrículos grandes. O caso inicial, comparado com os novos cinco casos, mostrava outra particularidade. “O padrão de calcificação era muito diferente daquele provocado pelo citomegalovírus. Todas as crianças tinham calcificações parecidas, muito marcantes, concentradas logo abaixo do córtex”, lembra.

INVESTIGAÇÃO
A maioria das seis mães tinha apresentado manchas avermelhadas pela pele, chamadas exantemas ou rash cutâneo. Vanessa procurou ajuda da infectologista Regina Coeli, do Huoc. Os principais agentes causadores de microcefalia já tinham sido investigados. Era preciso checar outros vírus que também provocam manchas na pele. A dengue, teoricamente, não provoca infecção congênita por não conseguir acessar a placenta. “Nosso medo era que essas crianças voltassem para suas cidades. Quando se nasce com a infecção congênita, a investigação precisa ser rápida.”

Então, veio a surpresa. Quando Vanessa comentou os casos com a mãe, a também neuropediatra Ana van der Linden, ela contou que no Impi, onde atende, havia sete casos iguais. Vanessa ligou para outros hospitais e descobriu que também neles havia casos de microcefalia. “De repente, todo dia chegava um bebê. É tudo muito novo, mas o enfrentamento foi muito ágil. Em poucos dias, tivemos reuniões com o Ministério da Saúde e a Organização Pan-americana de Saúde (Opas), fizemos um protocolo e começamos a notificar.”

CONFIRMAÇÃO O fato de Pernambuco vir enfrentando uma epidemia de zika desde maio de 2015 colocou as suspeitas sobre o vírus. Entre seus sintomas, estão as manchas vermelhas. Ele já era epidêmico, e ser transmitido pelo mosquito explicaria a dispersão da doença por todo o estado.

Mas logo eles ultrapassariam as fronteiras de Pernambuco. E foram os casos na Paraíba que reforçaram as evidências de uma relação da microcefalia com o vírus zika. A identificação de uma possível microcefalia em dois bebês ainda em gestação permitiu colher amostras do líquido amniótico e foi encontrado o zika vírus. Ainda era preciso checar se ele alcançava a criança. Um bebê com microcefalia que morreu logo após o parto, no Ceará, deu aos médicos a peça que faltava ao quebra-cabeça: a autópsia confirmou a presença do vírus nos tecidos da criança.

ORIGEM DO PROBLEMA

A infecção congênita é uma das causas da microcefalia. Ela ocorre quando um agente infeccioso, como um vírus ou um parasita, consegue ultrapassar a barreira placentária e atingir o feto. Uma das principais características da infecção congênita é uma agressão ao cérebro que provoca calcificações. Essas, geralmente, não são encontradas em microcefalias causadas por doenças genéticas, podendo ocorrer em casos raros.


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