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Estado de Minas

Morador de rua incendiado em Brasília queria ser jogador de futebol

José Edson Miclos trocou Tocantins e Goiás pelo Distrito Federal em busca de uma vida melhor. O futuro começou promissor, mas as drogas o levaram às ruas e à morte


postado em 07/03/2012 09:21

Eram 11h05 de 5 fevereiro de 1985, quando nasceu José Edson Miclos, em Araguaína, Tocantins. O primeiro filho do motorista de caminhão Francisco Miclos e da dona de casa Celimar veio ao mundo com saúde, em um dia ensolarado. Após nove meses de espera, a mãe apertou o filho contra o peito. Desejou-lhe um futuro bom. Pediu em oração que o mal jamais o alcançasse. Mesmo sem ter condições financeiras para oferecer conforto ou pagar um colégio particular, deu-lhe um lar, amor de pai e de mãe e a convivência com três irmãos, nos anos seguintes.

O relógio marcava 13h35, em 26 de fevereiro de 2012, quando todas as preces de Celimar, feitas naquele dia distante em um leito de hospital, acabaram contrariadas. Naquele momento, o coração de José Edson parou de bater. Decretou-se a morte dele no Hospital Regional da Asa Norte (Hran). O jovem de 26 anos não resistiu após ser queimado vivo, enquanto dormia em um gramado de Santa Maria. No atentado, Paulo Cezar Maia, 42, que estava ao lado de José, ficou gravemente ferido. Paulo ainda está internado, sem previsão de alta, e corre risco de morte.

José Edson vivia como morador de rua, apesar de ter casa e família à sua espera. Optou pelo frio, pela fome e pela sede, tomado pelo vício em drogas. Começou com o cigarro, partiu para a maconha e terminou no crack. Da trajetória dele, restaram apenas pedaços de um cobertor queimado, jogados debaixo de um tronco de árvore, também incendiado. No dia seguinte, pessoas passavam pelo local do crime. Algumas paravam para olhar os vestígios da barbárie. Outras, indiferentes, seguiam o caminho sem sinal de surpresa. Era como se nada houvesse ocorrido ali.

Se os sonhos de José Edson tivessem se tornado realidade, ele seria jogador de futebol. Viveria como uma estrela, ficaria famoso e teria feito gols históricos, além de dar uma vida confortável a toda a família Miclos. Os planos seguiram rumos bem diferentes. O rapaz de estatura média, olhos castanhos claros, cabelos encaracolados e sorriso quase infantil vivia sem teto havia pouco mais de um ano e meio.

Trocou todas as expectativas pelas drogas aos 14. Nessa idade, mudou-se da casa da mãe, em Padre Bernardo (GO), para morar com um tio, em Santa Maria. O parente é dono de uma gráfica. Deu emprego a José Edson, que se tornou um de seus melhores funcionários, trabalhando como encadernador. O garoto entregou os primeiros salários à mãe. “Ele dizia: ‘Mãe, vamos ao mercado. Quero fazer uma compra boa para vocês’. Sempre se preocupou demais com o nosso bem. Tinha um coração humilde”, lembrou Celimar.

Drogas
José Edson fez amigos em Santa Maria. Eles apresentaram-lhe as drogas. O jovem de aparência dócil, sempre perfumado e de roupa limpa, que nunca dispensava uma saída para comer batatas fritas, deu lugar a outra pessoa. Ao se olhar no espelho, José se viu envelhecido demais. Barba sem fazer, cabelos sujos, a face inchada e o corpo ferido. Sem apetite nenhum pela comida ou pela vida. O que não era visível, a alma, estava em estado ainda mais degradante. “Ele perdeu a vontade de jogar bola. Perdeu namoradas. Afastou-se da família. Eu olhava e pensava: ‘Onde tá o meu filho?’”, contou a mãe.

A família tentou interná-lo diversas vezes. “Nas clínicas de caridade, a pessoa só fica se quiser. Ele não dava conta. Eu vendi muita balinha na rua para pagar tratamento, só que não deu”, lamentou Celimar. Em 5 de fevereiro, José completou 26 anos. O último aniversário não teve festa. Só crack. Dias depois, ele manifestou aos parentes o desejo de se curar e de sair das ruas. Falava em casar-se, ter filhos e trabalhar. Seria internado na segunda-feira seguinte ao dia do crime. Não houve tempo para a recuperação. A maldade humana agiu mais rápido do que a força de vontade de Edson.

O envolvimento de José com as drogas e a mendicância trouxeram problemas com a polícia. Havia registro na ficha dele nas delegacias por esses motivos. Ainda assim, de acordo com amigos e familiares, ele não chegou a roubar ou agredir para alimentar o vício. “Nunca sumiu um alfinete de dentro de casa. Ele pedia muito. Pedia na rua, pedia para a gente. Mas roubar jamais. Também nunca ficou agressivo, nunca bateu em ninguém”, relatou Celimar.

Filme de horror
Moradores da área próxima à praça na qual ocorreu a barbárie confirmam as palavras da família. “Eles não mexiam com ninguém. Ficavam sempre por aí, fumando e pedindo dinheiro. Nunca bateram, assaltaram. Ficavam na deles”, disse uma moradora, que não quis se identificar. Segundo a polícia, um comerciante da região pediu para que um grupo de jovens “se livrasse” dos mendigos, para afastá-los de sua loja. Os assassinos compraram gasolina em um posto perto dali e atearam fogo em dois homens desprevenidos, José e Paulo, que dormiam apenas com o céu sobre suas cabeças.

Não se sabe em que José Edson pensou quando sentiu o corpo queimar. Alguns viram o jovem correr em chamas, como em um filme de horror. Era cedo, antes das 10h, no domingo passado, quando o telefone tocou na casa de Celimar. Do outro lado da linha, a má notícia. Celimar, o marido, Francisco, e os outros três filhos correram para o Hran. “Eu sempre soube que não terminaria bem”, afirmou a mulher. Apenas mãe e pai puderam entrar no quarto onde Edson tentava sobreviver, irreconhecível. Sem clareza nas palavras ou força para se expressar, José Edson se despediu. Disse: “Mãe, não chora. Você tem problema de coração. Vai lá e chama o meu irmão”. Em seguida, fechou os olhos e nunca mais voltou a abri-los.

Os rostos da barbárie
Os sete acusados de atearem fogo aos moradores de rua moram na mesma Quadra, na QR 516, em Santa Maria. Fora o suspeito de ser o mandante do crime, o marceneiro Daniel Lima, os outros seis se conhecem desde a infância

Daniel de Abreu Lima, 36 anos
» Suspeito de encomendar o crime, ele era proprietário de uma marcenaria na QR 118. O marceneiro prometeu R$ 100 a Edmar para que “se livrasse” dos moradores de rua. Ele levou o grupo de carro para o local do crime. Daniel tem uma passagem na polícia por maus-tratos.

Edmar Pereira da Cunha Junior, 19 anos, o Juninho
Com passagem por furto qualificado e corrupção de menores, estava em liberdade provisória desde julho de 2011. Mostrou desdém ao ser apresentado como suspeito. Decidiu voltar ao local e queimar os mendigos, além de riscar o palito de fósforo para atear fogo às vítimas.

Lucas Junior Araújo e Sá, 19 anos, o Lucão
Suspeito de ter jogado gasolina sobre os moradores de rua, Lucas tem passagem na polícia por lesão corporal e violência contra a mulher. Minutos antes de ferirem diretamente os mendigos, teria sido ele também a jogar o combustível sobre o sofá onde as vítimas dormiam.

Gervanio Balbino de Oliveira, 21 anos
Sem passagens pela polícia, Gervanio acompanhou o grupo no momento em que eles atearam fogo ao sofá e quando Edmar e Lucas queimaram os moradores de rua. Por estar presente e ter sido conivente com o ato, responderá igualmente por duplo homicídio qualificado.

Daniel Douglas de Cavalcante Cardoso, 19 anos
Beneficiado com a delação premiada por entregar os comparsas, Daniel é o único entre os amigos com mais de 18 anos a permanecer solto. Ele prestava serviço militar obrigatório na Aeronáutica, mas acabou expulso da instituição por conta do crime.

Adolescentes
Assim como Gervanio e Daniel, os dois garotos participaram da agressão, ainda que indiretamente. Os acusados com menos de 18 anos, no entanto, permanecem em liberdade. Eles responderão a ato infracional análogo a duplo homicídio. Podem pegar até três anos de internação no Centro Juvenil de Atendimento Especializado (Caje).


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