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Usuários deturpam posicionamento da ONU sobre relações sexuais entre adultos e menores de idade

Não é verdade que a Organização das Nações Unidas (ONU) emitiu um relatório orientando que os países 'descriminalizem' a pedofilia, como sugerem publicações compartilhadas desde 18 de abril de 2023. As publicações deturpam o documento elaborado pela Comissão Internacional de Juristas (CIJ), em março de 2023, no qual pediam que a lei criminal reflita sobre 'os direitos e a capacidade' dos menores de idade de tomar decisões sobre atividade sexual consensual. O texto, na verdade, é um guia para a aplicação de leis criminais e a ONU disse à AFP não ter tomado tal decisão.


28/04/2023 17:16 - atualizado 30/04/2023 09:08

Não é verdade que a Organização das Nações Unidas (ONU) emitiu um relatório orientando que os países 'descriminalizem' a pedofilia, como sugerem publicações compartilhadas desde 18 de abril de 2023.

As publicações deturpam o documento elaborado pela Comissão Internacional de Juristas (CIJ), em março de 2023, no qual pediam que a lei criminal reflita sobre 'os direitos e a capacidade' dos menores de idade de tomar decisões sobre atividade sexual consensual.

O texto, na verdade, é um guia para a aplicação de leis criminais e a ONU disse à AFP não ter tomado tal decisão.

'A ONU não está envolvida na paz... Eles estão focados nas mudanças climáticas e na sexualização de crianças...Pais e mães se armem contra o progressismo', diz a legenda de uma publicação no Facebook. Alegação semelhante também circula no Instagram e no Twitter

O conteúdo também tem sido compartilhado em espanhol, inglês e italiano

Captura de tela feita em 28 de abril de 2023 de uma publicação no Facebook
Captura de tela feita em 28 de abril de 2023 de uma publicação no Facebook

O conteúdo compartilhado nas redes distorce as orientações do texto elaborado pela Comissão Internacional de Juristas, organização não governamental global composta por 60 advogados e juízes dedicados à defesa dos direitos humanos.

Origem do relatório

O documento, intitulado 'Princípios de 8 de março para uma abordagem do direito penal baseada nos direitos humanos que proíba condutas associadas ao sexo, à reprodução, ao uso de drogas, ao HIV, à falta de moradia e à pobreza', fornece um marco jurídico e assessoramento sobre a aplicação de leis criminais às condutas associadas ao sexo e à saúde, incluindo 'atividades sexuais consensuais'.

O relatório foi produzido em resposta a uma reunião de 2018 entre a CIJ,o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids (UNAIDS) e o escritório de Direitos Humanos da ONU. O UNAIDS confirmou à AFP que o texto foi elaborado pelo CIJ, e não pela ONU.

Em uma declaração datada de 20 de abril, a CIJ negou as alegações compartilhadas nas redes.

'O compromisso das Nações Unidas de combater a exploração sexual de crianças e o conteúdo dos Princípios de 8 de março foram grosseiramente deturpados em várias mídias sociais e sites', afirmou a Comissão. 

E continuou: 'Os Princípios de 8 de março não exigem a descriminalização das relações sexuais com crianças, nem a abolição de uma idade mínima de consentimento sexual prescrita em nível nacional. De fato, a CIJ destaca que os Estados devem ter uma obrigação clara, sob o direito internacional, de proteger as crianças de todos os tipos de abuso'.

Uma das seções do documento afirma que a conduta sexual consensual nunca deve ser penalizada, independentemente de fatores como o tipo de atividade sexual ou sexo, gênero, orientação sexual ou estado civil das pessoas envolvidas.

'No que diz respeito à aplicação do direito penal, qualquer idade mínima prescrita para o consentimento sexual deve ser aplicada de forma não discriminatória. A execução não pode estar vinculada ao sexo/gênero dos participantes ou à idade de consentimento para o casamento', diz o documento.

'Condutas sexuais envolvendo pessoas abaixo da idade mínima de consentimento sexual prescrita no país podem ser consentidas de fato, embora não de direito. Nesse contexto, a aplicação da lei penal deve refletir os direitos e a capacidade dos menores de 18 anos de tomar decisões sobre o envolvimento em relações sexuais consensuais e seu direito de serem ouvidos nos assuntos que lhes digam respeito', continua o texto.

Esse trecho se tornou a base para as publicações virais, que acusam erroneamente a ONU de apoiar leis que permitem que adultos tenham relações sexuais com crianças.

Mas essas alegações são 'representações mal-intencionadas', declarou o porta-voz da ONU, Stéphane Dujarric, durante uma coletiva de imprensa em 18 de abril.

O trecho mencionado trata da atividade sexual consensual entre adolescentes de idades semelhantes, disse Christine Stegling, diretora-executiva adjunta do UNAIDS para Política, Defesa e Conhecimento.

'Na aplicação da lei, reconhece-se que as sanções penais não são adequadas para adolescentes de idades semelhantes por atividade sexual consensual sem exploração', disse Stegling à AFP em 21 de abril de 2023.

'Igualmente, reconhece-se que não se deve impedir os adolescentes de acessar os serviços de saúde que os protegem. A ONU está determinada a combater a exploração sexual de crianças, afirma que a exploração e o abuso sexual de crianças é crime e apoia os países a protegerem as crianças', acrescentou.

Aziza Ahmed, professora de Direito da Universidade de Boston, declarou à AFP que os termos usados sobre a idade de consentimento e a aplicação não discriminatória das leis visam proteger os menores, e não colocá-los em perigo.

'Este relatório não incentiva o sexo entre adultos e menores, ou a descriminalização do sexo com crianças', disse Ahmed, codiretora do Programa de Justiça Reprodutiva da universidade, por e-mail. 'O relatório afirma que os Estados devem garantir que os jovens não enfrentem acusações criminais por se envolverem em atividades consensuais'.

Ahmed acrescentou que um país com 'leis duras contra pessoas LGBT' poderia, por exemplo, processar jovens por manter relações sexuais consentidas se a idade de consentimento for alta, ou se suas leis não impedirem que menores sejam julgados.

'Se os tribunais agirem de forma justa e com base neste relatório, devem garantir que levarão em conta a capacidade dos jovens de dar seu consentimento, em vez de sujeitá-los a duras sanções criminais', assinalou.

Rajat Khosla, do Instituto Internacional para a Saúde Global da Universidade das Nações Unidas, disse à AFP que, de acordo com o direito internacional, qualquer pessoa com menos de 18 anos é considerada criança ou menor de idade. O Comitê dos Direitos da Criança, por sua vez, 'reconhece que a adolescência não é facilmente definida'. Assim, um adolescente pode atingir a maioridade de acordo com diferentes definições (1, 2) e leis de cada país. 

O documento divulgado pela CIJ refere-se especificamente às relações sexuais de adolescentes.

Isso, observou Khosla, 'é consistente' com o Comentário Geral 20 (parágrafo 40) do Comitê dos Direitos da Criança, que recomenda que os Estados-membros 'levem em consideração a necessidade de equilibrar proteção e evolução das capacidades, e definam uma idade mínima aceitável para determinar a idade legal de consentimento sexual. Os Estados devem evitar criminalizar adolescentes de idades semelhantes por atividades sexuais consensuais e sem exploração'.

Em relação ao abuso sexual de menores, o sistema das Nações Unidas conta com outros protocolos e recomendações, como o artigo 34 da Convenção sobre os Direitos da Criança, que recomenda que os Estados-membros se comprometam a tomar medidas contra a indução e coação de crianças para 'atividade sexual ilegal' e exploração sexual de menores em suas diversas formas.

O AFP Checamos já verificou outra alegação com teor semelhante.

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