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Estado de Minas CHECAMOS

Sigilos de cem anos não são estabelecidos por decreto, mas por lei, e podem ser revogados

Lula e Bolsonaro já trocaram farpas na campanha eleitoral de primeiro e segundo turnos sobre o tema


12/10/2022 17:26 - atualizado 13/10/2022 07:54

Por AFP


Lula e Bolsonaro
Lula e Bolsonaro (foto: EVARISTO SA, MICHAEL DANTAS / AFP)
 

Em campanha eleitoral, candidatos à Presidência têm travado um embate sobre o que ficou conhecido como 'sigilo de cem anos'. De um lado, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirma que vai 'fazer um decreto' para acabar com a restrição de acesso a informações envolvendo o governo de Jair Bolsonaro (PL), enquanto o presidente o desafiou a apontar um decreto seu que tenha determinado sigilo.

De fato, isso não seria possível, pois, apesar de existirem, sigilos de até cem anos não são decretados pelo chefe de Estado, mas estabelecidos via Lei de Acesso à Informação.

Contudo, há, sim, mecanismos que permitem a um novo mandatário revogá-los.

'E eu vou fazer uma coisa pra você, eu vou fazer um decreto acabando seu sigilo de cem anos, pra saber o que tanto você quer esconder por cem anos', Lula disse a Bolsonaro em 29 de setembro, no último debate presidencial antes do primeiro turno das eleições gerais de 2022.

O presidente rebateu: '[Lula] diz que eu decretei o sigilo da minha família. Qual decreto? Me dá o número do decreto'.

O discurso tem sido repetido por Lula em atos de campanha, tuítes e em propaganda eleitoral.

Lei de Acesso à Informação

O sigilo de informação é, na verdade, uma restrição de acesso a determinados dados, estabelecida via Lei de Acesso à Informação (LAI). Sancionada em 18 de novembro de 2011 pela então presidente Dilma Rousseff (PT), a lei assegura o direito fundamental de acesso à informação, com o 'sigilo como exceção'.

Há três formas pelas quais é possível restringir o acesso à informação: se ela for considerada pessoal, protegida por outras leis ou classificada nos termos da LAI (quando há risco à segurança da sociedade ou do Estado), resumiram à AFP Luiz Fernando Toledo, cofundador da agência Fiquem Sabendo e pesquisador no Brown Institute, da Universidade de Columbia, e Renato Toledo, advogado e doutorando em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP).

A única categoria que permite sigilo de até cem anos é a das informações pessoais.

Isso é avaliado em nível administrativo, por um servidor, que decide se determinada informação se caracteriza ou não como pessoal após um pedido de acesso à informação, que pode ser feito por qualquer cidadão a órgãos do governo.

O prazo centenário é reservado na lei para a proteção de informações privadas que constem em documentos públicos, explica Carlos Affonso Souza, advogado e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS). Ele comenta:

'Então quando o governo recusa acesso a um documento por cem anos, ele não faz isso porque a informação é importante para a segurança do Estado, mas sim por entender que ela é privada e que não existe interesse público nela'.

Casos famosos já entraram nessa categoria. Um levantamento feito pela Fiquem Sabendo para a AFP de todos os pedidos de informação já negados na Lei de Acesso à Informação desde 2015 (a partir de quando os dados ficaram disponíveis), e que se enquadram nos 'cem anos de sigilo', mostra alguns exemplos: o cartão de vacinação do presidente, seus testes de covid-19 e receituário médico no tratamento da doença, visitas à primeira-dama Michelle Bolsonaro no palácio da Alvorada e documentos do processo sobre a participação do general Eduardo Pazuello em ato com Bolsonaro.

O artigo 31 da LAI, citado nas respostas a esses pedidos, descreve como deve ser feito o tratamento das informações pessoais e sinaliza o prazo máximo de um século: 'Terão seu acesso restrito, independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo máximo de 100 (cem) anos a contar da sua data de produção, a agentes públicos legalmente autorizados e à pessoa a que elas se referirem'. O inciso II menciona a possibilidade de divulgação das informações 'diante de previsão legal ou consentimento expresso da pessoa a que elas se referirem'.

Rafael Zanatta, advogado e diretor de pesquisa da Associação Data Privacy Brasil, lembra, contudo, que a lei foi criada para 'proteger cidadãos de abusos do Estado, e não para proteger representantes políticos ou os que exercem cargos e funções de interesse público'.

Revogação de sigilo

As classificações de sigilo ou restrições de acesso à informação podem ser revistas por um novo presidente, comentaram Renato Toledo e Rafael Zanatta. Para isso, caso eleito, o líder do PT precisaria 'rever alguns entendimentos, como o de que se informações médicas de um presidente (ou servidores em geral em cargos de chefia) são públicas ou não', explicou Luiz Fernando Toledo, da Fiquem Sabendo.

Os dois advogados concordam que um decreto poderia ser uma das vias para a mudança. 'Um novo decreto feito em 2023 poderia substituir o decreto de 2012', diz o diretor de pesquisa da Data Privacy Brasil, em referência ao Decreto 7.724/2012, que regulamenta a Lei de Acesso à Informação.

Segundo ele, um novo decreto poderia ter, por exemplo, um sistema de escalonamento para que uma informação descrita como pessoal tivesse critérios de cinco, dez, quinze anos, até chegar às situações máximas de cem anos.

Renato Toledo acrescenta que Lula poderia fazer um decreto descrevendo que determinados atos não configuram 'informação pessoal', assumindo portanto que são públicos e que devem ser divulgados.

Mas essa não é a única maneira possível de revogar sigilos, indica Souza: 'Como não se trata — em regra — de um decreto, essa decisão pode ser revista pela própria autoridade responsável [pela aplicação da LAI] ou mesmo reformada em um novo governo. Basta a autoridade encarregada revisar o posicionamento anterior'.

Renato Toledo concorda, citando o princípio da autotutela, que determina que 'a administração pode rever atos que já foram produzidos'. Assim, o governo poderia dar uma nova decisão em um processo em que o acesso à informação tenha sido antes negado, ou formular novas interpretações com base em novos pedidos.

Há ainda outros mecanismos segundo os quais sigilos aplicados no mandato de Bolsonaro poderiam ser revogados em um novo governo, de acordo com Renato Toledo: por uma mudança na lei, uma resolução da Controladoria-Geral da União (CGU) ou um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), ou até uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) declarando inconstitucionalidade em algum entendimento de sigilo.

Zanatta lembra, no entanto, os apontamentos de alguns pesquisadores sobre 'a existência de um sistema legal obsoleto de classificação de informações e de regras de direito à intimidade, que destoam das discussões contemporâneas sobre proteção de dados pessoais e accountability'.

Nesse sentido, ele afirma, o presidente poderia preparar um novo projeto de lei que reformasse a LAI, 'atacando problemas mais estruturais', como a não descrição de um prazo menor para a aplicação do sigilo nas informações pessoais.


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