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Ao contrário do dito por Bolsonaro, especialistas veem subnotificação de covid no Brasil

 

O presidente Jair Bolsonaro denunciou no último dia 7 de junho uma suposta supernotificação de óbitos por covid-19 no Brasil, citando como fonte um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU). Posteriormente, o TCU esclareceu que o documento não era de sua autoria, mas uma análise pessoal de um auditor. Ao contrário do que apontaria este relatório, especialistas indicaram à AFP que é muito provável que o número real de mortes por covid-19 no Brasil seja superior ao das estatísticas oficiais.





 

Ao deixar o Palácio da Alvorada no último dia 7 de junho, Bolsonaro disse a apoiadores que iria divulgar “em primeira mão” um relatório do Tribunal de Contas da União que mostraria que “em torno de 50% dos óbitos por covid-19 no ano passado não foram por covid”. 

Segundo dados das secretarias estaduais de saúde, foram registrados oficialmente 194.949 óbitos por covid-19 no Brasil em 2020. 

Após a fala de Bolsonaro, o TCU esclareceu que a informação citada não estava presente em nenhum relatório do órgão, mas em uma “uma análise pessoal de um servidor do Tribunal compartilhada para discussão”



“Ressalta-se, ainda, que as questões veiculadas no referido documento não encontram respaldo em nenhuma fiscalização do TCU”, acrescentou, indicando que seria instaurado um procedimento interno “para apurar se houve alguma inadequação de conduta funcional no caso”. Segundo reportado por veículos locais, o auditor foi afastado do cargo. 

Em nova conversa com apoiadores em 8 de junho de 2021, o presidente admitiu que “errou” ao atribuir o documento ao TCU, mas continuou insistindo na existência de uma supernotificação de óbitos por covid-19 no Brasil. 

“Vocês devem ter visto muitos vídeos no WhatsApp de pessoas falando ‘meu pai, meu tio, meu irmão, não morreu de covid’ e botaram covid por quê?”, questionou.

No entanto, para especialistas, a realidade do Brasil é exatamente oposta à citada por Bolsonaro. 





“Muito mais mortes”

“Nós com certeza temos muito mais casos e muito mais mortes do que as estatísticas oficiais informam”, disse à AFP Paulo Petry, doutor em Epidemiologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 

“Primeiramente, em função da pouca testagem. O Brasil, de fato, nunca testou em massa a sua população. Uma das premissas da epidemiologia, chamamos de busca ativa, é testar em massa a população, identificar os casos positivos, isolar esse caso e rastrear os seus contactantes diretos. Essa política nunca foi implementada e, com isto, nós temos uma subnotificação”, detalhou o especialista. 

Outro motivo, citou Petry, é que a covid-19 muitas vezes é “silenciosa”. “Nós chamamos de assintomáticos aqueles que têm o vírus, mas não apresentam nenhum tipo de sintoma, o que faz com que normalmente essas pessoas sigam a sua vida normal”, e não sejam diagnosticados, disse o epidemiologista. 



A identificação da doença também é difícil quando o vírus se manifesta de maneira atípica, explicou à AFP o infectologista Evaldo Stanislau, do Hospital das Clínicas, em São Paulo. 

“Todo mundo fica olhando a covid-19 como uma síndrome gripal , mas nós temos quadros de covid que imitam a dengue, por exemplo. Então tem muita gente que teve covid-19 e passou despercebido”, afirmou. 

Mesmo quando o teste é realizado, o resultado pode não ser confiável, destacou Stanislau. “Muitas vezes a amostra pode sair como negativa, mas é um falso negativo porque colheu no momento errado, porque transportou errado”, entre outros problemas técnicos. Resultados falso positivos também são possíveis, mas mais raros, como explicou o editor-chefe da Harvard Health Publishing, Robert Shmerling, em artigo de agosto de 2020

 

Todas essas possíveis falhas no processo de diagnóstico podem afetar o preenchimento das declarações de óbito, impactando diretamente na contagem de mortes por covid-19, explicou o infectologista: “Então, o sistema naturalmente te empurra para a subnotificação”.





Estudos reforçam subnotificação

De fato, no início de maio de 2021, o Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde (IHME, na sigla em inglês) da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, estimou que o Brasil já deveria ter 595.903 mortes por covid-19, consideravelmente mais do que as 408.680 registradas oficialmente na época. 

“Muitas mortes por covid-19 não são reportadas porque os países só reportam mortes que acontecem em hospitais ou em pacientes com infecções confirmadas. Em muitos lugares, os sistemas de notificação fracos e o baixo acesso ao sistema de saúde aumentam esse desafio”, aponta o relatório. 

No Brasil, um estudo com participação de pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) também estimou a existência de “alta subnotificação de mortes por covid-19”, ao identificar um excedente de mortes por causas naturais em quatro cidades durante a pandemia do coronavírus.



Em junho de 2020, um estudo realizado pelo Centro de Pesquisas Epidemiológicas da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) também havia apontado um quadro semelhante. De acordo com o levantamento, para cada caso confirmado de covid-19 segundo as estatísticas oficiais, existiam, na verdade, sete casos reais na população dos principais centros urbanos brasileiros. 

Até este dia 9 de junho, foram registrados oficialmente 476.792 óbitos por covid-19 no Brasil, tornando o país o segundo com o maior número de mortes pela doença. 

 

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