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Estado de Minas FACT-CHECKING

Checamos: O que há por trás do teste positivo para COVID-19 em Coca-Cola

Vídeo com experiência já foi compartilhado milhares de vezes; outros testes com suco e purê de maçã também deram resultados positivos


17/12/2020 18:16 - atualizado 25/12/2020 18:22

"Na Áustria, até mesmo um copo de Coca-cola resulta positivo para o teste rápido de coronavírus", afirmam publicações nas redes sociais com um vídeo em que um parlamentar austríaco faz uma esperiência que dá resultado positivo.


Assim, o protagonista da cena e milhares de usuários que a compartilham em vários idiomas garantem que os testes usados em todo o mundo durante a pandemia são inúteis.

Na realidade, os fabricantes do kit de diagnóstico e vários especialistas explicaram à AFP que o experimento apenas reflete que os resultados de tais exames são inválidos se não forem usados nas condições corretas.
O vídeo, com duração de aproximadamente 3 minutos e meio, foi compartilhado mais de 6.000 vezes no Facebook (1, 2 e 3), no Instagram, no YouTube (1, 2)  e no Twitter (1 e 2) desde o último dia 11 de dezembro. Também foi difundido em artigos (1, 2) compartilhados centenas de vezes, segundo a ferramenta CrowdTangle.

Nele se observa o parlamentar austríaco Michael Schnedlitz, que realizou o experimento com um teste de antígenos e uma bebida à base de cola durante seu discurso no dia 10 de dezembro. “No final da minha fala vocês verão como esse teste é inútil e enganoso”, disse o político, que mostrou um copo com a bebida e o teste de diagnóstico depositado no líquido. Poucos minutos depois, Schnedlitz garantiu que o resultado do teste era positivo e acusou o governo de torrar os impostos dos cidadãos com a compra desses testes.

O mesmo vídeo circula em publicações em italiano, alemão, inglês e espanhol.

A equipe de checagem da AFP já verificou vídeos semelhantes: os que testaram suco, checado em espanhol, e purê de maçã como amostra também tiveram resultados positivos.

Em todos os casos, tanto os fabricantes dos kits como os diversos especialistas consultados indicam que as experiências foram realizadas em condições incorretas, fazendo que os resultados obtidos sejam inválidos.

Testes com antígenos


Os testes para covid-19 disponíveis em todo o mundo podem ser divididos em três categorias. A primeira inclui testes de PCR (sigla em ingês para Polymerase Chain Reaction, “reação em cadeia da polimerase”), feito por um processo bioquímico, em que se analisa se uma parte muito específica do novo genoma do coronavírus está presente na amostra utilizada (resultado positivo). O Instituto Robert Koch (RKI) chama esse teste, usado por laboratórios de todo o mundo, de "padrão ouro" para diagnóstico.

A segunda é a dos testes sorológicos, que verificam se uma pessoa tem anticorpos contra o SARS-CoV-2 no sangue. Os cientistas usam esse método para estimar quantas pessoas já tiveram uma infecção.

Por último, os testes de antígeno, como o usado no vídeo, são menos precisos do que os testes de PCR, mas fornecem resultados mais rápidos. Eles também são menos sensíveis do que os PCR, exigindo uma carga viral maior para mostrar um resultado positivo. Isso significa que, especialmente se a infecção for recente, o teste do antígeno pode dar falsos negativos.
Captura de tela realizada em 23 de dezembro de 2020 de uma publicação no Facebook (Captura de tela realizada em 23 de dezembro de 2020 de uma publicação no Facebook)
Captura de tela realizada em 23 de dezembro de 2020 de uma publicação no Facebook (Captura de tela realizada em 23 de dezembro de 2020 de uma publicação no Facebook)

O PCR detecta o material genético do novo coronavírus, enquanto os testes de antígeno são projetados para identificarem as moléculas que envolvem o vírus.

Em setembro a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) deu seu aval aos testes com antígenos, demonstrando que eles seriam uma alternativa aos PCR e que poderiam contribuir para conter o avanço da pandemia. No entanto, em seu guia atualizado em dezembro, os Centros para o Controle de Enfermidades (CDC) dos Estados Unidos advertiram que os testes de antígenos são menos sensíveis que os PCR.

Consultado sobre o vídeo em que o suco de maçã foi usado como amostra para um teste de antígeno, Juan Sabatté, médico, doutor em Microbiologia e pesquisador do Conselho Nacional Argentino de Pesquisas Científicas e Técnicas (Conicet) disse à AFP que “esses testes  geralmente detectam componentes do vírus SARS-COV-2 através do uso de anticorpos específicos”. Ao serem detectados, gera-se uma reação que é visualizada com cores e "na forma de uma faixa (a linha que aparece se for positiva)".

A explicação do fabricante


O teste que foi utilizado por Schnedlitz é produzido pelo Dialab GmbH. Após a viralização do vídeo, a empresa publicou uma explicação em sua conta no Facebook, na qual destacou que o legislador fez o teste de maneira incorreta.

Em primeiro lugar, destaca-se que o parlamentar não preparou a amostra da bebida de cola no buffer (solução tampão), o que permite estabilizar os valores de pH da substância. Ao não fazer isso, explica a empresa, provoca-se a destruição dos anticorpos contidos no teste, que são aqueles que reagem ao vírus. Esse procedimento, indica a empresa, “torna visível a marca positiva”.

“Se o teste tivesse sido realizado de maneira correta, conforme indicado no folheto do produto, teria sido negativo”, garantiu o comunicado. Como evidência, a publicação inclui um vídeo no qual uma pessoa realiza o mesmo experimento, mas misturando a bebida de cola com a solução tampão. O resultado obtido após alguns minutos é negativo.

“Esses exames devem ser sempre realizados por profissionais de saúde ou treinados, para evitar esse tipo de resultado”, acrescentou o texto.

O manual de uso destes kits indica que 10 gotas da amostra devem ser misturadas à solução tampão para posteriormente serem utilizadas no teste de detecção.

Consultado sobre a experiência de Schnedlitz, um porta-voz da Dialab GmbH disse ao grupo de imprensa alemão Welt que “qualquer teste de gravidez teria dado positivo. Antes de fazer essas declarações públicas vergonhosas, você deveria saber um pouco de química”.

Nas condições corretas


Especialistas em imunologia e bioquímica consultados pela AFP também destacaram que as condições em que são realizados os testes de antígeno, em particular o nível de acidez, são cruciais para um resultado válido. Além disso, ressaltaram que os testes são fabricados apenas para serem realizados com as amostras para as quais foram avaliados.

"Não é uma conquista distorcer as condições do teste a ponto de darem resultados falsos", disse Thomas Decker, professor de Imunobiologia da Universidade de Viena, à AFP. "O teste foi desenvolvido para permitir a ligação de um anticorpo a antígenos, e não para reações a certos alimentos", esclareceu.

O especialista foi contundente e comparou o experimento viralizado nas redes com a afirmação de que "um carro não funciona mais se você colocar purê de maçã no tanque [de gasolina]".

Na mesma linha, Anette Beck-Sickinger, professora de Bioquímica da Universidade de Leipzig, na Alemanha, afirmou que esse teste, como qualquer processo bioquímico, "só pode funcionar se for realizado nas condições corretas".

Modificar as condições do teste, como pH ou temperatura, pode "causar uma reação inespecífica dos anticorpos", causando um falso positivo, explicou a especialista. Em outras palavras, uma aplicação incorreta do teste mostra resultados incorretos.

Em conclusão, a experiência com uma bebida à base de cola feita pelo legislador austríaco não prova que o teste do antígeno seja inútil na detecção de covid-19. Tanto o fabricante do kit quanto os especialistas consultados indicaram que os resultados são inválidos porque o teste foi realizado incorretamente.


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