FOLHAPRESS
Em momento delicado para as forças da Rússia, que acumulam derrotas nos campos de batalha da Guerra da Ucrânia, uma forte explosão destruiu neste sábado (8/10) parte da única ponte que conecta o território russo à península da Crimeia, anexada pelo Kremlin em 2014. A estrutura é considerada rota crucial de abastecimento para as tropas de Vladimir Putin no país invadido.
Trechos da ponte teriam desmoronado. Considerada um dos símbolos da anexação russa da Crimeia, a gigantesca estrutura rodoviária e ferroviária tem 19 km de extensão e é uma das maiores da Europa.
Vídeos publicados nas redes sociais mostram partes das estruturas rodoviária e ferroviária destruídas, enquanto um trem é consumido pelas chamas. Uma câmera registrou o momento da explosão, que atingiu carros que passavam pelo local. Outras imagens capturadas à distância mostram fumaça espessa no horizonte.
Nos últimos dias, ataques contra alvos russos na Crimeia levaram pânico aos moradores da península. Os êxitos da contraofensiva ucraniana aumentaram a pressão sobre Putin, que determinou no mês passado a mobilização de 300 mil reservistas para lutar no conflito. Após a decisão, o mandatário russo registrou a primeira queda de sua popularidade desde a invasão do vizinho em fevereiro —a aprovação caiu de 83% para 77%, segundo o instituto de pesquisas Centro Levada, ainda independente na Rússia.
Neste sábado, Putin ordenou a criação de uma comissão para esclarecer a explosão. O Comitê de Investigação da Rússia informou ter identificado o proprietário do caminhão-bomba. Ele seria morador da região de Krasnodar, no sul da Rússia.
Autoridades ucranianas fizeram comentários irônicos sobre a explosão. O chefe do Conselho Nacional de Segurança e Defesa da Ucrânia, Oleksii Danilov, publicou nas redes sociais um vídeo da ponte em chamas ao lado de outro vídeo de Marilyn Monroe cantando "Feliz aniversário, senhor presidente", em referência a Putin que completou 70 anos nesta sexta (7).
Autoridades ucranianas vinham expressando o desejo de destruir a ponte de Kerch. O serviço postal da Ucrânia informou neste sábado que imprimirá um selo especial para comemorar a explosão.
Várias ações de sabotagem foram atribuídas à Ucrânia desde o início do conflito. Após a explosão na ponte, a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, afirmou que a reação de Kiev à destruição da infraestrutura "testifica a sua natureza terrorista". Serguei Aksionov, governador russo da Crimeia, informou que o tráfego foi suspenso enquanto os danos eram avaliados.
A destruição da estrutura ocorre em um momento em que a Rússia vem sofrendo sucessivas derrotas no front. Após os reveses, Putin fez novas ameaças de guerra nuclear contra o Ocidente. Nesta semana, o Ministério da Defesa russo passou a divulgar que parte dos reservistas mobilizados está sendo treinada para lutar num ambiente de guerra nuclear, química ou biológica.
Em meio ao crescente descontentamento na elite russa com o conflito, o Exército russo anunciou a nomeação do general Serguei Surovikin, 55, como comandante para o que ainda chama de "operação militar especial" na Ucrânia.
O general é um veterano da guerra civil no Tadjiquistão nos anos 1990, da segunda guerra da Tchetchênia (anos 2000) e da intervenção russa na Síria, lançada em 2015. Segundo relatório de julho do ministério da Defesa russo, Surovikin liderava agrupamento das forças ao Sul na Ucrânia.
O nome de seu antecessor nunca foi revelado oficialmente, mas de acordo com a mídia russa, era o general Alexander Dnornikov, outro veterano da segunda guerra tchechena e comandante das forças russas na Síria de 2015 a 2016.
Também neste sábado, o ministro das Relações Exteriores russo, Serguei Lavrov, acusou países do Ocidente de recorrer a "mentiras e manipulações" para elevar ainda mais a tensão no conflito. Segundo ele, os EUA e seus aliados tentam introduzir a retórica nuclear sobre a Ucrânia na agenda global.
"O Ocidente distorce tudo na tentativa de mostrar que é a Rússia que supostamente está expressando ameaças nucleares", disse Lavrov em entrevista ao jornal russo Argumenty i Fakty, segundo a agência de notícias Tass. "Várias manipulações e mentiras descaradas são exploradas [pelo Ocidente]. No entanto, estamos acostumados com isso."
Na quinta, o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, afirmou que a Otan deveria atacar o território da Rússia "preventivamente" para que os russos "saibam o que acontecerá com eles se usarem" armas nucleares. A declaração atraiu críticas do Kremlin.
Na quarta (5), Putin finalizou a sanção das leis regulando a anexação do equivalente a cerca de 18% da Ucrânia, a maior tomada territorial à força na Europa desde a Segunda Guerra Mundial —Moscou já havia anexado a Crimeia, 4,5% do vizinho.
O Kremlin continuou sem definir exatamente quais fronteiras estão previstas na absorção denunciada como ilegal no exterior.
O motivo são avanços de Kiev nas regiões de Donetsk (leste) e Kherson. Os ataques testam a retórica belicista de Putin, que prometeu usar até armas nucleares para defender o que considera novas partes da Rússia.
Numa tentativa de conter o avanço ucraniano, o Ministério da Defesa diz já ter alistado 200 mil dos 300 mil reservistas que deseja para combate, e que alguns poderão estar em ação já em novembro.