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Estado de Minas

Na linha de frente no Afeganistão, paz continua distante


06/11/2020 09:01

Na localidade de Aziz Abad é impossível ir à mesquita ao cair da noite, em razão dos combates. Na linha de frente de Maiwand, no sul do Afeganistão, ninguém acredita nas discussões de paz de Doha entre talibãs e o governo afegão.

Há meses, e apesar das negociações que vêm sendo realizadas desde setembro no Catar, as incursões neste distrito - o mais instável da província de Kandahar, um reduto histórico dos insurgentes - se multiplicaram.

"Você vê aquela mesquita?" pergunta Sardar, um fazendeiro de 40 anos de Aziz Abad. "Não podemos ir orar, é muito perigoso", completou.

Perdida no meio do deserto, esta árida cidade fica a poucos metros da última base controlada pelo governo de Cabul.

As ruas estão vazias, as paredes estão destruídas. O silêncio reina. A população vive trancada.

"Tenho parentes lá e não posso ir visitá-los", lamenta Sardar, apontando para o território dos talibãs.

O controle dos insurgentes parece permanente. E, em território governamental, os policiais, localizados em uma minibase cercada de arame farpado, sem água encanada ou eletricidade, mostram as casas em ruínas, os escombros e as trincheiras de onde os talibãs os observam, antes de atacarem a cada noite.

"Nem uma única noite se passa sem que tenhamos que nos refugiar em nossas próprias trincheiras", diz Zainulá, de 20 anos, que ingressou na polícia ainda adolescente.

Ele e os outros policiais defendem o território com alguns velhos Kalashnikovs.

Povoada por cães famintos, sua base está se desintegrando, e os sacos de areia que a protegem estão perfurados por projéteis inimigos.

- Paz improvável -

Visto daqui, o processo de paz parece altamente improvável.

"Os talibãs não querem paz", diz Zainulá, que usa apenas um nome, como muitos afegãos.

O jovem relembra nostalgicamente um passado recente, quando as forças afegãs tinham "o apoio aéreo das forças americanas, que bombardeavam os talibãs".

Em fevereiro, porém, os Estados Unidos assinaram um acordo com os rebeldes. O pacto prevê a retirada das tropas estrangeiras do território afegão antes de meados de 2021, em troca de promessas ambíguas dos insurgentes, incluindo negociações em Doha com uma delegação do governo.

Os Estados Unidos, que lideraram uma coalizão internacional que tirou o Talibã do poder em 2001, tinham até 100.000 soldados no Afeganistão em 2010. De acordo com um conselheiro da Casa Branca, o efetivo será reduzido para 2.500 no início de 2021.

Donald Trump chegou a anunciar que todo contingente norte-americano deixaria o Afeganistão "antes do Natal", notícia que afundou o ânimo das forças afegãs.

Livre da pressão militar americana, o Talibã tomou duas bases em uma semana, ganhou terreno e lançou inúmeros ataques a Maiwand, disse Abdul Ghafar, outro policial.

De acordo com Sigar, um comitê parlamentar americano que cita números do Exército, os ataques "inimigos" aumentaram 50% entre 1º de julho e 30 de setembro no Afeganistão, em comparação com o segundo trimestre do ano.

No final de setembro, centenas de insurgentes conseguiram penetrar um ou dois quilômetros no território do governo. Chegaram à cidade de Deh Qubat, a meia hora de estrada de Aziz Abad, algo sem precedentes, antes de serem repelidos pelas forças afegãs.

"Nunca vi combates tão intensos", confirma Jalil, um oficial de 26 anos, que participou da libertação de Deh Qubat diante de cerca de 300 insurgentes.

- Enganar os EUA -

"Enganam os americanos, fazem um acordo com eles, mas não a paz no Afeganistão. Vai começar outra guerra", garante este homem, que tem parentes entre os insurgentes.

Enquanto o presidente afegão, Ashraf Ghani, multiplica os apelos por um cessar-fogo permanente, os rebeldes se recusam a se comprometer neste ponto. Já controlavam cerca de metade do território afegão no início de 2019, segundo o Sigar, e a tendência é que tenham conquistado mais território desde então.

Os civis pagam o preço. De acordo com a ONU, o conflito deixou 2.200 mortos e 3.800 feridos nos primeiros nove meses do ano, e houve um aumento da violência desde setembro, causado por "elementos antigovernamentais" - os talibãs e o grupo extremista Estado Islâmico (EI).

Em Maiwand, ninguém acredita que a situação vai melhorar em um país que está entrando em sua quinta década de guerra e que conhece apenas violência, desde a invasão soviética no Natal de 1979.

"Tenho 41 anos e, em toda minha vida, nunca conheci a paz", lamenta Bibi Khanum, uma aldeã de Aziz Abad.

Desde o último ataque dos talibãs, Rafiulá, de 13 anos, tem medo de sair de casa. No rádio, ouve falar das negociações de Doha. Mas pensa que são uma farsa. "Os americanos fizeram a paz. O Talibã, não", desabafa.


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