A revisão dos indultos aos guerrilheiros do extinto M-19, que alcançam influentes políticos atuais, pode ser uma pedra no caminho para a Colômbia, enquanto o país busca acabar com mais de meio século de conflito armado.
O anúncio, na segunda-feira, da procuradoria gerou uma interrogação sobre o futuro das negociações atuais com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc, comunistas), principal guerrilha do país, que avançam com o compromisso de selar a paz definitiva em março do ano que vem.
O exame dos "alcances de coisa julgada" dos benefícios dados ao Movimento 19 de Abril (M-19, nacionalista), que depôs as armas em 1990, para determinar estes se aplicam para crimes de guerra, é uma "manobra jurídica e política questionável", disse à AFP o advogado criminalista Fabio Humar.
Para o especialista, reabrir o debate sobre o processo do M-19, considerado um dos mais bem sucedidos da Colômbia, implica em reconhecer que a lei que tornou possível a implementação dos indultos está errada, o que teria efeitos diretos no processo com as Farc, que tem 7.000 membros.
Em Havana, sede desde novembro de 2012 dos diálogos com esta guerrilha, as partes discutem atualmente o ponto sobre as vítimas, que inclui os termos da justiça para os combatentes. Já no ano passado chegou-se a um acordo parcial sobre a participação política dos ex-guerrilheiros.
"Ninguém vai poder fazer um acordo de paz com a certeza de que a solução jurídica fique blindada porque sempre é possível que apareçam novas interpretações 25 anos depois", sentenciou nesta terça-feira o senador Antonio Navarro, ex-guerrilheiro do M-19, lembrando que este debate surgiu recorrentemente nos últimos anos.
"Fizemos um acordo com o Estado colombiano em 190 e cumprimos nossa parte", insistiu, em declarações à emissora de rádio Caracol Radio Navarro, que foi constituinte, prefeito e governador.
O governo de Juan Manuel Santos também se pronunciou.
"Estas decisões têm vigência e legalidade e não consideramos que possam ser sujeitas a uma revisão", disse nesta terça-feira a jornalistas o ministro do Interior, Juan Fernando Cristo.
Abrir a caixa de Pandora sobre este tema também pode afetar a eventual abertura de uma mesa formal de diálogos com o Exército de Libertação Nacional (ELN, guevarista), segundo grupo rebelde ativo, com 1.500 combatentes.
"Debate longo"
O advogado criminalista Alejandro Gómez explicou que suspender os indultos a ex-membros do M-19 implica determinar como "o direito internacional, onde os crimes contra a humanidade e os crimes de guerra são considerados imprescritíveis, pode pressionar o direito nacional".
É "um debate longo", destacou.
Entre os ex-membros do M-19, poderiam ser investigados o prefeito de Bogotá, Gustavo Petro, e Everth Bustamante, senador do direitista Centro Democrático.
Segundo o promotor Eduardo Montealegre, "a Corte Interamericana de Direitos Humanos declarou inválidos todas as anistias e os indultos proferidos durante duas décadas na América Latina: as anistias chilenas, as peruanas, as argentinas e outras, quando foram incondicionais, quando foram por crimes internacionais".
Para evitar isto, o governo colombiano anunciou um acordo histórico com as Farc em setembro, no qual os bandos acordaram anistia para crimes políticos, mas privação de liberdade para aqueles contra a humanidade. Este tema, no entanto, continua em discussão na ilha.
O anúncio do promotor também semeia dúvidas sobre outros processos de paz como o do Exército Popular de Libertação (EPL) ou a guerrilha indígena Movimento Armado Quintín Lame, fechados em 1991.
"No mínimo, diria pouco oportuno", disse nesta terça-feira a José Mujica, ex-guerrilheiro que foi presidente do Uruguai, ao ser consultado na Blu Radio sobre o anúncio do promotor.
Montealegre falou na comemoração dos 30 anos da tomada do Palácio da Justiça pelo M-19 e sua posterior recuperação pelas forças militares, onde morreram uma centena de pessoas e dez continuam desaparecidas.
Este caso ainda gera polêmica, enquanto há militares detidos e outros estão sob investigação pelos excessos da força de Estado e o desaparecimento forçado de pessoas, ex-membros do M-19 gozam de imunidade.
No entanto, os rebeldes que participam daqueles atos fatídicos de 6 e 7 de novembro de 1985 morreram então.