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Estado de Minas SONHOS CORROÍDOS

A cada ano, mil mulheres se tornam vítimas de ataques com ácido

Sobreviventes relatam o drama da desfiguração e a dor do preconceito. Lei prevê prisão para agressor


postado em 31/08/2014 00:12 / atualizado em 31/08/2014 08:05

(foto: JEWEL SAMAD/AFP)
(foto: JEWEL SAMAD/AFP)



Brasília – No hinduísmo, Laxmi é mulher de Vishnu, o deus responsável pela manutenção do universo. Os adeptos da mais antiga religião do planeta também a veem como a personificação da beleza. Laxmi também é o nome de uma indiana que busca ressignificar a vida, depois que o ácido arremessado contra o rosto corroeu sua beleza e sua estima. Ela tinha apenas 15 anos quando ocorreu a tragédia. “Fui atacada em 22 de abril 2005 por um homem com o dobro de minha idade, com o qual me recusei a casar”, afirmou ao Estado de Minas, em entrevista por videoconferência. Laxmi conta que o incidente ocorreu à luz do dia, dentro de um dos mercados mais lotados de Nova Délhi. “Ele veio em uma bicicleta, com uma garota. Ambos me jogaram na estrada e derramaram o ácido”, lembra. “Fiquei física e emocionalmente sequelada. Eu o enviei à cadeia e meu trabalho está encerrado. Não posso odiá-lo, porque não foi para isso que nasci, mas também não consigo perdoá-lo.” A cada ano, cerca de mil mulheres são desfiguradas por ataques com ácido na Índia – em média, 83 todos os meses.


Laxmi passou por sete cirurgias plásticas e, ao contrário de muitas vítimas, escolheu viver sem se esconder da sociedade. Tornou-se uma espécie de porta-voz do movimento para pôr fim a agressões do tipo. “Muitas vítimas nunca retornam à vida. Algumas vezes, não medem esforços para ocultar sua desfiguração. Várias delas renunciam à educação ou ao trabalho por ter que aparecer em público. O suicídio também não é incomum. Eu não me escondi”, comentou. O preconceito foi inevitável. “Meus vizinhos e parentes abandonaram nossa família. Resolvi sair com a cara aberta e lutar para que me respeitassem.” O agressor foi condenado a 10 anos de prisão, e a cúmplice a sete anos.

Em 18 de julho de 2013, oito anos após o ataque, ela ganhou uma compensação equivalente a US$ 5 mil do governo. “É muito pouco para o que minha família precisou gastar com o meu tratamento. As despesas ultrapassaram os US$ 50 mil”, conta. Em meio à batalha judicial, Laxmi perdeu o irmão caçula e o pai. O ácido que levou-lhe o rosto corroeu os seus sonhos. “Sempre quis ser cantora. Antes da agressão, levava a vida de qualquer garota normal. Depois, encarei tanta dor e depressão que abandonei a escola”, diz.

A data 26 de maio de 2012 também não sai da memória de Ritu Saini, hoje com 19 anos. “O ataque ocorreu no momento em que eu jogava vôlei”, conta. O motivo da barbárie, ocorrido no vilarejo de Jamni, no distrito de Jind, seria uma disputa por patrimônio envolvendo o pai de Ritu e a irmã dele. “Meu primo, filho dessa tia, lançou o ácido em meu corpo”, afirma a jovem, também por videoconferência. Questionada sobre como lida com o preconceito por conta do rosto desfigurado, ela responde após um tempo meditando: “Sinto-me sozinha, sinto-me mal nesses dias”. Sua vida sofreu uma guinada “drástica e dolorosa”.

A prisão do primo Ram Niwas Saini, de 28,  que “contratou” os estudantes Pradeep e Neera para o atentado, e a indenização de 2 milhões de rúpias (cerca de R$ 60 mil) foram apenas paliativos para o sofrimento. Ritu abandonou o vôlei, esporte que mais amava, enfrentou até o momento cinco cirurgias e foi forçada ao repouso absoluto, por recomendação médica. Resistir é tudo o que passa pela cabeça dela, apesar de muitas vítimas preferirem o suicídio. “Quero viver os meus sonhos da mesma forma que antes do ataque”, declara.

O jornalista Ashish Shukla, cofundador da campanha Stop Acid Attacks, afirma ao EM que atentados com a substância corrosiva não apenas destroem a pele e os ossos das vítimas, mas também danificam seriamente o modo como elas se sentem e pensam. “Os problemas psicológicos são causados pelo terror sofrido durante o ataque. Elas sentem a pele queimar, além da terrível desfiguração que precisam enfrentar depois”, explica. Quem sobrevive costuma carregar o fardo da depressão, da tristeza, da desilusão. “As mulheres pensam nunca mais poder ter uma vida normal e anseiam pela morte. Também experimentam insônias e pesadelos, temem que o agressor as machuque novamente, se isolam e reclamam de dor de cabeça, fraqueza e exaustão. Elas matam sua própria vontade de viver.”

 


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