Brasília – “Prefiro uma Igreja rota, esfarrapada e suja por estar nas ruas atuando a uma Igreja enferma por estar confinada e se agarrando à própria (sensação ilusória de) segurança.” Em 26 de novembro, o papa Francisco usou a exortação apostólica Evangelii Gaudium (A alegria do Evangelho) para profetizar uma Igreja mais pobre, menos opulenta e mais preocupada com o social. Não por acaso, o jesuíta Jorge Mario Bergoglio, de 76 anos, buscou inspiração em São Francisco de Assis quando ascendeu ao trono de São Pedro, em 13 de março. Em nove meses, o argentino começou a gestar uma nova Igreja, enquanto tomava uma série de medidas para estancar denúncias de corrupção e pedofilia que maculavam a instituição. Nos gestos, na retórica e, principalmente, em sua simplicidade, Francisco tem devolvido a aura e o prestígio do pontificado, além de ensaiar profundas mudanças na Cúria Romana.
O padre jesuíta Thomas Reese, autor de Inside the Vatican: The politics and organization of the Catholic Church (O Vaticano por dentro: a política e a organização da Igreja Católica), acredita que o papa tem feito um “extraordinário trabalho” de remarcar o catolicismo. “Ele destacou, do Evangelho, a mensagem da compaixão e do amor de Deus. Mudou a Igreja de uma mãe irritante para uma mãe amorosa. O pontífice tem sido uma surpresa inesperada”, diz ao Estado de Minas, em entrevista por e-mail. De acordo com Reese, o compromisso de Francisco em reformar a Cúria vai demandar uma mudança de paradigmas. “Para converter a Cúria de uma corte papal em um serviço civil, ele terá que interromper a produção de bispos e cardeais burocratas.”
Também sacerdote jesuíta, o vaticanista Joseph Fessio elogia o estilo de Francisco. Segundo ele, o papa tem ensinado mais por entrevistas e por observações extemporâneas nas homilias, e ainda por seus exemplos. No dia de seu aniversário, o pontífice recebeu moradores de rua para um lanche farto. Em uma de suas audiências, abraçou um homem com o rosto deformado por uma grave doença.
DISFARCE
No Vaticano, especula-se que ele saia pelas ruas de Roma disfarçado, à noite, para dar dinheiro aos pobres. Ex-aluno do papa emérito, Bento XVI, Fessio diz que a Igreja tem sido abençoada com ótimos pontífices. “Eles não apenas foram dotados de inteligência de qualidades humanas, mas cada um teve uma personalidade poderosa, única e distinta”, explica. O estudioso destaca o fato de Francisco permanecer fiel à sua própria história – enquanto arcebispo de Buenos Aires, Bergoglio lavava os pés de detentos, na semana santa, e se voltava para a periferia.
Fessio crê que Francisco conseguirá reformar a Cúria, mas alerta que qualquer mudança será modesta. “Isso não envolveria, diretamente, muitas pessoas. Ele tem a autoridade de fazer o que pensa ser melhor e está promovendo as alterações depois de se consultar com o comitê de cardeais.” Para Vincent Lapomarda, vaticanista e professor de história do College of the Holy Cross, em Massachusetts, nos Estados Unidos, Francisco tem um ponto a seu favor: “É uma pessoa que compreende os problemas enfrentados pela Igreja e pelo mundo contemporâneo”.
Lapomarda classifica o pontificado do argentino de “extraordinário” e argumenta que o papa tem se mostrado um líder nato em palavras e ações. Além do empenho na reforma da Cúria, Francisco tem se engajado em um exercício de poder bastante crítico. Ele busca cortar a prática da Cúria Romana em ter a última palavra sobre os problemas nas dioceses e arquidioceses ao redor do mundo. “Francisco enfatiza que as igrejas locais devem decidir sobre muitos desses assuntos”, diz.
O tema pedofilia, tabu durante o pontificado de Bento XVI, é tratado sem rodeios pelo argentino, que criou uma comissão de investigação dentro da Santa Sé. O espírito inquieto e a ânsia por uma nova Igreja tornaram Francisco um papa admirado em todo o mundo. Um líder religioso que se apoia no carisma e na simplicidade para cativar milhões de católicos e não católicos em todo o mundo.