O anúncio formal do abandono definitivo da chamada "Doutrina Monroe" por parte dos Estados Unidos era previsível, mas deve vir acompanhado de atos concretos em relação à América Latina, afirmaram analistas consultados pela AFP nesta terça-feira.
Em um histórico discurso pronunciado na segunda na sede da Organização de Estados Americanos (OEA), o secretário de Estado americano, John Kerry, disse formalmente que o período marcado por essa doutrina estava encerrado.
"La unión hace la fuerza", declarou Kerry em espanhol, aos países latino-americanos, ao defender o fim formal da política intervencionista dos Estados Unidos na região e propor uma nova relação "entre iguais".
Para analistas, porém, o fim da "Doutrina Monroe" (que serviu de base para mais de um século de intervenção americana no subcontinente) era uma necessidade.
"Acho que é o reconhecimento oficial de algo que já existia há algum tempo. Houve mudanças dramáticas na região e nos Estados Unidos e falar agora da 'Doutrina Monroe' já não fazia sentido", disse à AFP o presidente do "think tank" Inter-American Dialogue, Michael Shifter.
Para o especialista, "já há bastante tempo" que a política externa americana abandonou, na prática, essa doutrina, "e eu acho que Kerry reconheceu o que todo o mundo já sabia".
Para Mavis Anderson, do Latin America Work Group (LAWG), "é algo que se vinha discutindo desde a primeira administração de Barak Obama, que já falou de um novo começo, de uma nova relação com a América Latina".
Para Shifter, embora o fim formal da doutrina tenha sido uma necessidade para se adaptar a uma nova realidade, "a América Latina agora espera saber como isso se traduzirá na prática, em temas concretos".
O especialista mencionou a "Aliança para o Progresso", lançada por John F. Kennedy, em 1961. "Mas era uma iniciativa motivada pelo anticomunismo, como uma alternativa ao modelo cubano, e não necessariamente por critérios de desenvolvimento", completou.
Já Anderson disse à AFP que o abandono da doutrina intervencionista e sua substituição por um tratamento entre iguais vai exigir "uma reconstrução da confiança" entre Estados Unidos e América Latina.
"Acho que uma parte dessa reconstrução da confiança passará por Havana", com "a reforma das leis sobre o embargo a Cuba", afirmou.
Esse gesto, acrescentou, "será uma das iniciativas mais significativas que nosso governo poderá adotar para construir a confiança com a América Latina. Os líderes da região pedem por isso há muito tempo", acrescentou.
Tal iniciativa "abriria uma nova forma de diálogo em um hemisfério, no qual os países são iguais e onde não há uma exceção para Cuba", disse Anderson, referindo-se a uma frase de Kerry na OEA.
Tanto Shifter quanto Anderson concordam que um dos temas da agenda de interesse comum para iniciar um novo diálogo poderá ser a ação conjunta com relação à mudança climática, conforme proposto por Kerry em seu discurso de segunda.
Ainda assim a agenda não estará livre de problemas. Para Shifter, "essa proposta é importante, mas ainda não está claro o que é que os Estados Unidos estão dispostos a fazer".