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Estado de Minas

Atentado nos EUA influencia debate sobre imigração

O ataque na Maratona de Boston pode dificultar a intenção de Barack Obama de fazer mudanças na lei que concede cidadania americana a estrangeiros que vivem no país


postado em 29/04/2013 00:12 / atualizado em 29/04/2013 08:18

Fachada de mesquita de Boston usada pelos irmãos Tsarnaev, acusados de realizar as explosões(foto: Kayana Szymczak/Getty Images/AFP)
Fachada de mesquita de Boston usada pelos irmãos Tsarnaev, acusados de realizar as explosões (foto: Kayana Szymczak/Getty Images/AFP)

As explosões na linha de chegada da Maratona de Boston, que fizeram os Estados Unidos reviver o medo e o horror do 11 de setembro de 2001, também ameaçam uma das principais promessas da campanha de reeleição do presidente Barack Obama. A informação sobre a nacionalidade e a religião dos irmãos Tsarnaev, acusados do ataque, transformou especulações em argumento político e alimentou discussões sobre a revisão das leis de imigração, que deve ser apresentada no meio do ano. Os desdobramentos do ataque mostram que a reforma pode sofrer uma ofensiva mais perigosa do que o Partido Democrata esperava, com risco de mais uma derrota para o presidente no Senado – no começo do mês, o governo amargou a não aprovação de um acordo bipartidário para o controle do uso de armas de fogo.

O ataque de Boston foi o primeiro em solo americano desde o atentado da Al-Qaeda ao World Trade Center e ao Pentágono, transformando-se no primeiro grande desafio de segurança nacional enfrentado por Obama desde que chegou à Presidência, em 2008. Depois do choque que revelou a vulnerabilidade do país em 2001 e do título de "inimigo número 1" de organizações radicais islâmicas, os EUA despendem altas cifras e grande número de pessoal para garantir a segurança. Apesar de toda a mobilização, nas últimas semanas, falhas das agências internas ganharam destaque na discussão das políticas internas. "Não tenho ideia de quem tem a culpa. Só sei que o sistema é defeituoso", defendeu a senadora Lindsey Graham, acusando o país de relaxar nas questões de segurança.

Mais discreto do que o antecessor, George W. Bush, que promoveu uma “guerra ao terror”, Obama faz pouco alarde sobre a ação dos órgãos federais, apesar de manter o tradicionalmente duro discurso de intolerância contra o terrorismo. "A situação está sendo resolvida de forma muito diferente do 11/9. O ataque de 2001 foi feito em três locais, foi um ataque direto ao governo federal e custou milhares de vidas. Esse atentado é local e tem proporções muito menores", avalia o professor de ciência política da Universidade de New Hampshire e especialista em terrorismo Lionel Ingram

CONSERVADORES Ingram ressalta que os irmãos viveram nos EUA por mais de 10 anos e o mais novo, Dzhokhar, de 19 anos, era um cidadão americano, nacionalizado em 2012. A questão, segundo ele, não pode ter o caráter doméstico descartado. "Não seria lógico tratar esse assunto apenas como um problema de imigração. Problemas de imigração são, essencialmente, o que você vai fazer com os imigrantes ilegais e como você deixa as pessoas entrarem", defende.

Parte mais radical dos políticos conservadores entende o assunto de forma diferente. Pouco depois de a nacionalidade dos irmãos ser conhecida, o senador republicado Charles Grassley, contrário à reforma migratória, iniciou um debate no Senado, argumentando que a entrada de estrangeiros diminui a segurança dos americanos. "Como garantimos que as pessoas que querem nos fazer mal não recebam benefícios com as leis de imigração, incluindo a nova lei", questionou.

Democratas e republicanos que trabalham pela reforma rechaçaram as ideias de Grassley. O senador democrata Charles Schumer, integrante da "gangue dos oito", que organizou a proposta de reforma, defende que a nova legislação permitiria um controle maior pelo Estado e, consequentemente, diminuiria as chances de novos atentados. "Em geral, somos um país mais seguro quando as forças de segurança sabem quem está aqui, têm suas digitais, fotos, têm o passado dessas pessoas checado", justificou, em resposta a Grassley.

Barack Obama aproveitou a abertura da biblioteca dedicada a George W. Bush, na quinta-feira, para pressionar os parlamentares. "Há sete anos, o presidente Bush recomeçou uma importante conversa sobre nossa história como nação de leis e de imigrantes, e, apesar de uma reforma compreensiva sobre imigração ter demorado um pouco mais do que o esperado, estou confiante que, neste ano, vamos aprová-la."

O já dividido Congresso americano reflete contradições da sociedade e não deve mudar sua rotina devido ao aumento das pressões sob a administração Obama, avalia Christian Lohbauer, professor da Universidade de São Paulo (USP). "Pouca gente dá valor a isso, mas os EUA estão entre os países que mais recebem imigrantes, inclusive islâmicos. Não tem como ter certeza de que todos são bem-intencionados, mas proibir a entrada de imigrantes é ainda pior para eles", observa.

Conceitos deturpados

Dias antes de a identidade dos irmãos Tamerlan e Dzorkhar Tsarnaev ser revelada, imigrantes árabes e seguidores do islã já relatavam desconforto com especulações sobre a nacionalidade e a religião dos culpados pelo atentado de Boston. Para analistas de segurança internacional, as origens religiosa e geográfica dos Tsarnaev aumentam as desconfiança em relação aos imigrantes muçulmanos. "A noção sobre quem são os islâmicos foi deturpada pela ação de terroristas", justifica Paul DeVito, professor e especialista em psicologia do terrorismo da Universidade de Saint Joseph, na Filadélfia.

O especialista não descarta a ação de grupos xenófobos, mas defende que a sociedade americana aprendeu "lições importantes de compreensão e respeito com as diferenças" depois dos ataques de 11 de setembro de 2001 e, por isso, a resposta ao recente atentado deve ser mais tolerante. "Quando as pessoas pensam sobre esse assunto de forma racional, entendem que a maior parte dos muçulmanos é muito respeitosa em relação às leis e à vida", argumenta.

Enquanto a população de grandes cidades nas costas Leste e Oeste do país consegue interagir e aceitar culturas diferentes com mais facilidade, o Centro-Sul dos EUA concentra a parte mais conservadora, em que grupos americanos radicais têm espaço para proliferar ideias racistas, observa Williams Gonçalves, analista de segurança internacional e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). "Para esse grupo, o fato de os acusados serem islâmicos reforça a ideia de que todo muçulmano é terrorista", afirma.

Ainda hoje, visto como o país de oportunidades, os EUA atraem milhares de imigrantes em busca da sonhada "vida melhor" desde sua colonização. "Nunca houve um momento sem imigrantes chegando aqui. E cada grupo que chegou à América, no início, enfrentou um certo nível de desconfiança", afirma DeVito. O que une a sociedade americana, segundo ele, é a convivência e o trabalho conjunto. Em momentos difíceis, o sentimento de patriotismo e solidariedade é ressaltado. "Aprendemos que, quando trabalhamos juntos, as coisas são melhores a longo prazo", conclui.


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