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Estado de Minas

Dom Serafim Fernandes de Araújo diz que a crise na igreja católica é séria

"Mas a Igreja está sofrendo porque está dentro de um mundo também podre" - Dom Serafim Fernandes de Araújo, cardeal-arcebispo emérito de Belo Horizonte, Minas Gerais. Em 13 de agosto fará 89 anos


postado em 03/03/2013 06:00 / atualizado em 03/03/2013 11:02

(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)


Dom Serafim Fernandes de Araújo, cardeal-arcebispo emérito de Belo Horizonte, sempre foi muito cuidadoso com as palavras. Afinal, é mineiro. No entanto, é mais do que isso: foi capelão militar, professor, reitor de universidade, integrante do Conselho Federal de Educação, ouviu milhares de confissões, se tornou até conselheiro de time de futebol, o Clube Atlético Mineiro. Por comportamento, é um político, um diplomata.


Daí por que a “veemência” de suas palavras sobre a crise na Igreja Católica provoca impacto. “Ela (a crise) é mais séria do que imaginamos”, comenta ele. “Mas a Igreja está sofrendo porque está dentro de um mundo também podre.” Como também? Ele apenas levanta a mão, como que dizendo: você entendeu. O repórter provoca: a renúncia não poderia ser apenas por questões de saúde? “Não faz sentido, não tem lógica …” Dom Serafim para, pensa, reclama com o fotógrafo, que lhe retrata sem paletó e sem o colarinho romano, e diz. “Se eu falar muito, vou fazer mal à Igreja. E eu amo a Igreja, dou minha vida por ela.”

Em outubro do ano passado, o então papa Bento XVI recebeu para uma celebração um grupo de religiosos que participaram do Concílio Vaticano II. Dois brasileiros participaram: dom Serafim e dom José Mauro Alarcón, de Iguatu (CE). O primeiro, inclusive, sentou à mesa do papa no jantar – o que demonstra seu prestígio. “Só conversamos amenidades.” Será?


Os papas e seus auxiliares puseram em prática o que foi decidido no Concílio? Mais uma parada, um olhar de reprovação para o fotógrafo… “Tentaram”, diz. “Houve erro, muitos erros. Mas não esqueça que a Igreja é santa e pecadora ao mesmo tempo.” Ele não especifica quais erros. Acredita que o Espírito Santo vai iluminar as mentes e corações dos cardeais que elegerão o próximo papa e, após algum silêncio, comenta: “Tem muita gente querendo virar Deus… .” Como assim? “Esse lado frágil da Igreja está ganhando do lado que prega o amor.”


Sim, apesar de egnimáticas, as frases são fortes. Pelo seu estilo, por sua formação –  estudou teologia e direito canônico em Roma – e por seu conhecido controle verbal. Insiste, repete, se inquieta: “Estou afastado, não tenho acompanhado de perto. Mas você viu os jornais hoje? Será que está acontecendo tanta coisa?”. Dizem que político e religioso mineiros, para afirmar algo, perguntam. Dom Serafim é um político. De centro, talvez mais à direita nesse escopo ideológico do clero brasileiro, sempre dividido.


Há 12 anos, surpreendeu muita gente ao defender que fossem investigadas algumas ações dos repressores militares. “Temos de procurar a verdade, doa a quem doer”, pregou, à época. Também contou que, em 1969, quando era reitor da PUC Minas, a Junta Militar que governava o país queria expropriar a universidade, “por causa de professores que não rezavam a cartilha da ditadura”.

 
Dom Serafim nasceu no interior, estudou na Diamantina de Juscelino Kubitschek e foi ordenado em 1949, em Roma. Tornou-se o mais jovem bispo do Brasil em 1959, com apenas 34 anos. João Paulo II, a quem confessadamente admira, foi quem o nomeou cardeal, em 1998.

 

Os papas do povo

 

João XXIII Considerado um dos papas mais queridos por cristãos e não cristãos nas últimas décadas, o italiano João XXIII deu início ao Concílio Vaticano II, em 1962. Seu nome de batismo era Angelo Giuseppe Roncalli e nasceu em Sotto il Monte, em 25 de novembro de 1881. Teve um curto pontificado de cinco anos (1958-1963). Apesar disso, ganhou notoriedade não apenas pelo carisma, mas principalmente pelos esforços em dialogar com o mundo fora do Vaticano. Com atos de cunho ecumênico, João XXIII procurou cooperar e dialogar com representantes de outras vertentes religiosas, como judeus e protestantes. Além disso, ajudou até na contenção da guerra fria entre União Soviética e Estados Unidos. Morreu em decorrência de um câncer de estômago em 3 de junho de 1963, antes do fim do Concílio que criou.

 

Paulo VI

O sucessor de João XXIII foi o também italiano Giovanni Battista Enrico Antonio Maria Montini, que adotou o nome de Paulo VI. Deu prioridade de pontificado à continuação dos trabalhos iniciados pelo predecessor, com foco principal no Concílio Vaticano II. Outra característica que Paulo VI manteve de João XXIII foi o esforço em dialogar com representantes de outras religiões, tendo sido o primeiro papa a conversar com o líder da Igreja Anglicana, por exemplo. Paulo VI também ficou conhecido como o Papa Peregrino devido ao fato de ter sido o primeiro pontífice a voar de avião e visitar os cinco continentes. Contudo, era criticado por não ter o mesmo carisma que João XXIII demonstrava. O papa, além disso, dedicou bastante atenção ao tema dos anticoncepcionais e do aborto, estabelecendo parâmetros que seriam referência para a Igreja décadas depois. Paulo VI faleceu em agosto de 1978, após 15 anos de pontificado, e foi sucedido por João Paulo I.

 

 

Três perguntas para Fernando Altemeyer Júnior
professor do Departamento de Ciências da Religião da PUC-SP 

 

 

Afinal, as decisões do Concílio Vaticano II se tornaram realidade?
Sim, muitas delas – e particularmente na América Latina. As questões litúrgicas, aquelas ligadas ao Ecumenismo e sobretudo o documento Gaudium et spes (Alegria e esperança, que trata da Igreja no mundo contemporâneo).
 
Há quem diga que ele acabou dividindo a Igreja — entre progressistas e conservadores, por exemplo...
Como o atraso da Igreja em relação ao período moderno e à Revolução Francesa havia criado um hiato de 200 anos de paralisia, o Concílio precisou assumir um gigantesco passo que nem todos estavam preparados ou dispostos a dar. Foi um salto de qualidade para atualizar a Igreja e repropor sua mensagem com linguagem adequada aos novos tempos e ambientes culturais. O Concílio não dividiu, mas aprofundou um desafio: o diálogo. E esse colóquio exige compromissos novos e radicais.

Em relação ao futuro: ter ou não ter um papa latino ou africano faz diferença?

Simbolicamente, sim! Do ponto de vista eclesiástico, talvez não. Dependerá dos gestos e da ação episcopal e da reforma que se fizer na Cúria Romana.

 

Pequeno glossário

 

Ad limina apostolorum — Visita obrigatória que todo bispo deve fazer a cada cinco anos, em viagem a Roma, ao papa e aos túmulos dos apóstolos Paulo e Pedro.

Cardeal — Bispo que recebe o direito de eleger ou ser eleito papa

Arcebispo — Espécie de “bispo maior” que governa a arquidiocese, com bispos sujeitos à sua autoridade. Costuma exercer influência sobre dioceses existentes na área próxima.

Bispo — Padre a quem foi concedido a plenitude da ordem sacerdotal, responsável pela direção de uma diocese

Arquidiocese — Diocese de maior importância, com outras subordinadas a ela.

Colégio episcopal — Grupo formado por todos os bispos do mundo, sob a direção do papa.

Concílio ecumênico — Reunião do colégio episcopal convocada pelo papa para debater assuntos de grande importância da Igreja Católica.

Congregação para a Doutrina da Fé — Nome adotado em 1962, após o Concílio Vaticano II, para a comissão antes conhecida como a Sagrada Congregação da Inquisição Romana e Universal, responsável pela Inquisição na Idade Média.

Diocese — Igreja sob direção de um bispo, localidade geográfica de administração da Igreja.

Missa versus populum — O padre celebra a missa virado para o povo, e não mais de costas, como foi definido no Concílio Vaticano II. 


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