(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas BH 125 anos

Uma viagem à 'cidade oculta' no aniversário de 125 anos de BH

Subterrâneos, uma via histórica, nascentes cristalinas. EM percorre marcos e recantos pouco conhecidos da maioria na capital mineira


12/12/2022 04:00 - atualizado 12/12/2022 06:35

tuneu
Parte de projeto ferroviário frustrado, o túnel de Capitão Eduardo terminou aberto ao tráfego de veículos (foto: Fotos: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)

A cidade tem segredos, mistérios, seus guardados, alguns bem pertos dos olhos, embora desconhecidos da maioria da população, outros nos subterrâneos de construções do século passado. E se ainda brotam nascentes cristalinas à flor da terra, visíveis a olho nu, é possível encontrar túneis, verdadeiras obras de arte, por onde passa uma parte da história do Brasil. Ver para crer. Belo Horizonte, que comemora hoje 125 anos – a inauguração foi em 12 de dezembro de 1897 – é um livro aberto para ser pesquisado e, principalmente, conhecido, a fundo, pelos moradores e visitantes. 

A cidade é feita de monumentos e construída, a cada dia, pelas mãos de homens e mulheres, jovens e adultos, belo-horizontinos de nascença e de coração que escolheram esta terra para viver. Portanto, no aniversário da capital ou em qualquer época, nada mais oportuno do que passear e conhecer o melhor da capital: seu povo, sua história, sua paisagem aos pés da Serra do Curral e valorizada pelos conjuntos arquitetônicos.

Perto de completar 80 anos, o aposentado Heraldo de Moraes Moreira conhece grande parte da história de Belo Horizonte. E não só de abrir livros, ver recortes de jornais ou visitar museus, pois a aprendizagem foi além: passou também pela escola da vida. Com memória prodigiosa e boa disposição para se locomover – apenas impedido, nesses dias, por um machucado na perna, em decorrência de um bloco de concreto que caiu na canela –, ele assistiu ao crescimento vertiginoso e às profundas transformações da capital, que, hoje (12/12), comemora 125 anos.

“Andei de bonde, acompanhei as mudanças da cidade, entre elas a chegada de prédios a lugares de mata virgem, o desaparecimento de fazendas e a construção do túnel de Capitão Eduardo”, afirma o mineiro nascido no município vizinho de Sabará e residente no Bairro Beija-Flor, na Região Nordeste da capital. A citação do túnel, da década de 1950, é a senha para a equipe do Estado de Minas ir ao encontro de marcos, monumentos, acervos, equipamentos e outros locais que a maioria dos belo-horizontinos possivelmente nunca viu.

Na lista “BH que BH não conhece”, há abrigo antiaéreo em plena Região Centro-Sul, memorial no porão, que remete a um ambiente da Idade Média, da Basílica Nossa Senhora de Lourdes, onde fica também um columbário, espaço para se guardarem cinzas fúnebres, e as nascentes do poluído Ribeirão Arrudas, no Bairro Petrópolis, no Barreiro.

PEDRA SOBRE PEDRA

São muitas as histórias guardadas na memória e no coração de Heraldo de Moraes Moreira, que, logo de cara, brinca que não tem qualquer parentesco com o cantor e compositor baiano Moraes Moreira (1947-2020). “Nasci em 22 de janeiro de 1943, na localidade chamada Borges, perto de onde moro, na divisa com Belo Horizonte”, conta o homem, que começou a trabalhar, ainda adolescente, numa das empreiteiras encarregadas da construção do túnel ferroviário, que pode ser visto na Rua Padre Argemiro Moreira. Na boca da estrutura, liberada ao tráfego de veículos, está a siga MT - DNEF, de Ministério dos Transportes – Departamento Nacional de Estrada de Ferro, extinto em 1974.

“Quase todo mundo que morava nesta região trabalhava na construção do túnel, que chamávamos de ‘Trecho’. Eu sempre fui do almoxarifado, e, na época, era empregado da Brasil Construtora. Havia também operando aqui a Indústria e Concreto Armado (ICA)”, diz Heraldo, interrompido, ao final da frase, por um estrondo no telhado da varanda, nos fundos da casa. Mas não era nada demais: apenas uma manga madura se desprendera de um galho.

O movimento era intenso nos tempos da construção do túnel, ressalta Heraldo. E exigia muita força bruta, por parte dos operários. Depois das explosões com dinamite, vinha o serviço manual. “Os trabalhadores usavam martelete diretamente na rocha, outros quebravam com a marreta”, recorda-se fazendo um movimento, no ar, com as mãos, da ferramenta imaginária.
“Sem dúvida, é o túnel mais antigo de Belo Horizonte. Nessa época, não havia os da Lagoinha”, diz Heraldo, em referência ao complexo viário implantado na paisagem urbana nas décadas de 1970 e 1980. Curiosamente, o projeto da via ferroviária não se consumou. “Colocaram os trilhos, fizeram testes, construíram outros túneis em Santa Luzia, mas a ferrovia não vingou. Muito tempo depois, o nosso túnel foi aberto ao trânsito de veículos”.

O túnel de Capitão Eduardo fazia parte da linha ferroviária projetada para ligar Belo Horizonte a Itabira, um trajeto de 100 quilômetros, com obras iniciadas em 1948 no governo do presidente Eurico Gaspar Dutra (de 1946 a 1951). Quando as obras foram paralisadas, cerca de 5 mil a 6 mil pessoas ficaram ao deus-dará e a população à espera do trem que nunca apitou. De Itabira, a ferrovia cortaria a Serra do Espinhaço até chegar a Peçanha, na Região do Rio Doce, a 304 quilômetros da capital. Com a morte do presidente Getúlio Vargas, em agosto de 1954, o projeto entrou em colapso, sendo sepultado definitivamente no governo de Juscelino Kubitschek (de 1956 a 1961), quando as rodovias ganharam destaque em detrimento do transporte ferroviário.
 
Heraldo
Aos 80 anos, Heraldo Moreira relembra a construção da via, a mais antiga de BH nesse formato (foto: Fotos: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)
 

FOLHA DE TAIOBA

Para quem gosta de descobrir a cidade, conhecer mais da história local ou simplesmente “se aventurar por aí”, o túnel de Capitão Eduardo surpreende. Sem revestimento de concreto, a não ser nas duas entradas, as paredes internas estão na rocha bruta, como se tivessem sido artisticamente modeladas. “Meu pai trabalhou aí durante muitos anos. Veio de longe para o Trecho”, conta uma mulher que, correndo para pegar o ônibus, pouco tempo tem para conversa.

Nas palavras de Heraldo, o passado vai ganhando uma forma tão viva que se torna, agora, um cenário. “Belo Horizonte tinha muitas nascentes...tantas e tão limpas, que a gente bebia na folha de inhame ou de taioba. Aqui tudo era mato, à beira do Rio das Velhas.” Da região cortada pela rodovia BR-381, o almoxarife aposentado tem mais recordações. Com um sorriso, faz uma pergunta à equipe do EM. “Sabem como se chamava essa estrada?” À resposta “BR-262”, ele retruca: “Não! Bem antes, o nome era BR-31”. Tal numeração prevaleceu até 1964.
 
Porteiro
O porteiro Milton dos Santos no bunker construído em 1947: "Parece uma fortaleza" (foto: Fotos: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)
 

Abrigo antiáreo no Centro-Sul


As cenas da guerra na Europa, iniciada em fevereiro deste ano, mostram a invasão das tropas russas na Ucrânia, com a resistência na capital Kiev e em outras cidades, bem como o êxodo de milhões de pessoas, e muita gente, notadamente famílias inteiras, buscando proteção nos abrigos antiaéreos. Nesses “bunkers” (palavra alemã para ambiente parcial ou totalmente subterrâneo, fortificado e construído para resistir aos projéteis de guerra), é possível se proteger dos bombardeios.
Na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), estações de metrô em Londres, na Inglaterra, foram usadas, pelos civis, como proteção contra as bombas lançadas pelos aviões nazistas. Mas o que Belo Horizonte tem a ver com isso? Na capital mineira, alguns prédios, na década de 1940, foram erguidos com esse compartimento no subsolo. O mesmo ocorreu no Rio de Janeiro (RJ) com os edifícios na Avenida Atlântica, em Copacabana, os quais, depois, viraram garagens.

Localizado na Avenida Bias Fortes, perto da Praça Raul Soares, na Região Centro-Sul, o Edifício Indaiá data de 1947. Logo na entrada, há um retrato em preto e branco no qual o prédio se sobressai na capital ainda dominada pelas casas. O contraste entre dois tempos instiga ainda mais a curiosidade dos repórteres, quando descem as escadas rumo ao compartimento de proteção.

Pintado de branco, hoje com piso de porcelanato, o abrigo antiaéreo do Indaiá tem grossas colunas de concreto. “Parece uma fortaleza”, compara o porteiro Milton Carmo dos Santos, que trabalha no prédio de 11 andares há 18 anos. “Sempre tem alguém interessado em conhecer”, acrescenta, antes de mostrar duas argolas chumbadas na parede, na entrada de uma escada estreita, para que fosse colocada uma barra de ferro a fim de garantir maior proteção aos abrigados.

Impossível não imaginar os tempos da Segunda Guerra Mundial ou pensar, com um certo delírio, se realmente seria possível Adolf Hitler (1889-19450), o “führer” da Alemanha Nazista, mandar bombardear uma capital brasileira. Nunca é demais lembrar que, em 1942, navios comerciais nacionais foram torpedeados e afundados, na costa brasileira, por um submarino germânico, provocando até manifestação de belo-horizontinos na Praça da Liberdade, na Região Centro-Sul de BH.
 
Outro edifício que também dispõe de abrigo antiaéreo é o Acaiaca, na Avenida Afonso Pena, edificação cuja marca registrada está nos índios ou efígies indígenas que caracterizam a fachada de 30 andares – um de olho na Rua Espírito Santo, outro, na Rua dos Tamoios. Recentemente restaurado, o Acaiaca é tombado pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte.

Uma curiosidade é que o “bunker” fica exatamente sob o antigo cinema, palco de grandes filmes, inclusive “de guerra”, estreias e encontro de gerações e gerações de belo-horizontinos. Uma pesquisa sobre esse monumento de BH, pintado na cor areia, mostra que ele foi inaugurado em 1943, portanto no auge do conflito entre nazistas e os aliados. Sem dúvida, essa história daria um grande filme, pois já resultou no livro “Edifício Acaiaca: O colosso humano e concreto”, de Antonio Rocha Miranda.
 
Indaiá
Edifício Indaiá, na Avenida Bias Fortes, que mantém o abrigo antiaéreo (foto: Fotos: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)
 


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)