Jornal Estado de Minas

CPI DO SERTANEJO

Contratos de pequenas prefeituras de MG com sertanejos superam R$ 7 milhões

Apelidada de “CPI do Sertanejo” nas redes sociais, as revelações sobre cachês milionários pagos por prefeituras de cidades pequenas a cantores do gênero seguem vindo à tona, provocando cancelamento de shows, desabafos de cantores e até mesmo posicionamento do presidente da república. Levantamentos realizados e divulgados pelo Estado de Minas até esta terça-feira (31) mostram que, só neste ano, mais de R$ 7 milhões dos cofres públicos de cidades do interior mineiro já têm como destino o bolso de artistas.





Dados consultados no Portal da Transparência de dez cidades mineiras mostram que as cifras acordadas com artistas de música sertaneja para eventos em 2022 chegam à marca de R$ 7.046.000. Nenhum dos municípios tem mais de 100 mil habitantes. Somados, eles reúnem pouco menos de 370 mil moradores, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Os valores pagos para cada show variam, ainda que o artista seja o mesmo. Gusttavo Lima, um dos nomes mais debatidos neste assunto, cobrou R$ 1,2 milhão para tocar em Conceição do Mato Dentro e metade desse cachê para participar de um festival em Patrocínio, por exemplo.

Além do R$ 1,8 milhão previsto em contrato para Gusttavo Lima, outros nomes também entraram com destaque para o erário de cidades mineiras. Wesley Safadão assinou contrato de R$ 560 mil para um show em Buritizeiro; Luan Santana cobrou R$ 270 mil para se apresentar em Santa Rita do Sapucaí; e Fernando e Sorocaba chegaram a marca dos R$ 170 mil para cantar em Jacutinga.





Veja os valores previstos em contrato:
  • Conceição do Mato Dentro: R$ 2,3  milhões
  • Curvelo: R$ 1, 448 milhão
  • Buritizeiro: R$  917 mil
  • Patrocínio: R$ 850 mil 
  • Itapecerica: R$ 566 mil
  • Camacho: R$ 295 mil
  • Santa Rita do Sapucaí: R$ 270 mil
  • Jacutinga: R$ 170 mil
  • Cambuí: R$ 165 mil 
  • Monte Sião: R$  65 mil

Polêmica ampliada

Os altos valores pagos por prefeituras de todo o Brasil a artistas sertanejos ganhou repercussão inicial após críticas de Zé Neto, dupla com Cristiano, feitas à cantora Anitta. Na ocasião, ele disse que não precisava de dinheiro público, se referindo à lei Rouanet. A política de incentivo à cultura é alvo de ataques da base eleitoral de Jair Bolsonaro (PL) e entrou também na mira do sertanejo, gênero que tem vários representantes afeitos à imagem do presidente.

No entanto, além da contradição no discurso do artista sobre financiamento público, outros elementos foram tornando o cenário mais complexo. Em Conceição do Mato Dentro, Centro-Oeste mineiro, os cachês milionários seriam pagos com verba da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem), dinheiro que deveria ser destinado a melhorias na infraestrutura, qualidade ambiental, saúde e educação do município.

Leia mais: Conceição do Mato Dentro vive a polêmica entre os shows cancelados

Embora tenha alegado não estar infringindo nenhuma regra orçamentária, a prefeitura da cidade cancelou as apresentações de Gusttavo Lima e da dupla Bruno e Marrone, as mais caras da lista de atrações da 32ª Cavalgada do Jubileu do Senhor Bom Jesus do Matozinhos. A suspensão dos shows, no entanto, não são garantia de que os artistas não recebam o combinado, já que os contratos preveem pagamento adiantado e têm cláusulas de proteção contra quebra do acordo.





Os contratos assinados pela administração de Conceição do Mato Dentro estão agora na mira do Tribunal de Contas do Estado (TCE), que quer analisar os termos do acordo firmado com as duas atrações que tiveram a apresentação cancelada. Segundo o órgão, o gasto com os shows representa quase um quarto do que foi investido pela prefeitura com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) no ano passado.

Resposta dos artistas

Com cachês milionários pagos com dinheiro público também em outros estados e na mira do Ministério Público de Contas, Gusttavo Lima se manifestou em suas redes sociais dizendo estar sendo perseguido e que considerou “jogar a toalha” pela repercussão dos pagamentos vindos de administrações municipais.

O cantor sertanejo também disse que não deixará de cobrar seu cachê porque o dinheiro vem de prefeituras. Segundo ele, o pagamento é uma forma de valorização da arte e de pagar as despesas da equipe que o acompanha.





Pivô da “CPI”, Zé Neto participou da transmissão de desabafo do cantor mineiro via seção de comentários e tentou chamar a responsabilidade pelo que o colega classifica como perseguição. “Cara, quem tem que dar satisfação sou eu, irmão. Tô (sic) atravessando uma fase ruim, sou seu irmão, não precisa se explicar, joga para mim, irmão. Não tem nada a ver com você”, escreveu.

A manifestação de Gusttavo Lima foi repercutida também na família presidencial. O senador Flávio Bolsonaro (PL) comentou palavras de apoio na postagem do sertanejo e o próprio Presidente da República defendeu os cantores que recebem cachês gordos em cidades Brasil afora. “Nós priorizamos o artista mais de início de carreira, o artista que é sertanejo e que é mais humilde”, disse Jair Bolsonaro em entrevista ao apresentador Ratinho nesta terça (31).