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Estado de Minas MEIO AMBIENTE

Onça a 40km de BH? Pesquisa revela a fauna em cavernas do Gandarela

Estudo com armadilhas fotográficas no parque vizinho à capital flagra felino e busca mais espécimes para mapear fauna que vive em área de cavidades naturais


15/08/2021 04:00 - atualizado 15/08/2021 07:53

(foto: OGREE/Divulgação)
 
Itabirito - Não é todo dia que um dos caçadores mais adaptados do planeta é emboscado com sucesso. Mas desta vez, a onça-parda (Puma concolor), também conhecida como suçuarana, não teve a menor chance. Em 30 segundos, mesmo camuflado sob o manto da noite, por volta das 22h, o segundo maior felino das Américas foi flagrado passo-a-passo, se esgueirando com desenvoltura ao varar a densa mata atlântica na boca de uma das cavernas do Parque Nacional (Parna) da Serra do Gandarela.
 
A apenas 40 quilômetros de Belo Horizonte, o puma desta vez não foi presa de caçadores, que já dizimaram a espécie nas fazendas e cercanias urbanas. Foi alvo de um estudo científico que espalhou câmeras de disparo passivo e medidores para revelar os animais que orbitam e frequentam as grutas de uma das mais importantes unidades de conservação do Quadrilátero Ferrífero. O objetivo é gerar conhecimento e inspirar a conservação ambiental.

Parece até um contrassenso que justamente naquele local do parque, na formação que é chamada de Serra da Jaguara – que na língua tupi significa Serra da Onça – encontrar e estudar uma suçuarana seja um fato tão comemorado. Mas a condição se deve justamente à raridade do evento, ligada à redução das populações de onças-pardas. Para os especialistas envolvidos nesses estudos, pertencentes ao Opilião – Grupo de Estudos Espeleológicos (OGrEE), em menos de um mês de trabalho, flagrar uma onça-parda passando por uma das cavernas foi um prêmio.
 
Nesses primeiros 30 dias, com instrumentos e métodos ainda sendo ajustados para procurar rastros, condições climáticas e pistas da fauna local, além da onça, as câmeras registraram uma irara, que é uma espécie de marta, um roedor, borboletas, pássaros e até uma equipe de espeleólogos a serviço de uma mineradora.

“Isso mostra que teremos muito material para trabalhar. Muitos animais terão seus hábitos conhecidos, bem como a sua relação com as cavernas do parque. A própria unidade tem poucos estudos, por ser muito nova, de 2014, sobretudo no que se refere às cavernas”, afirma um dos estudiosos à frente da pesquisa, o professor de química Luciano Faria, doutor em história da ciência. “Boa parte dos bichos foge quando chegamos a uma caverna. E sempre quis saber quais animais frequentavam as grutas, caçavam ou pernoitavam nelas. Daí a ideia de usar instrumentos como as câmeras com sensor de movimento escondidas em árvores para filmá-los”, afirma.

O estudo do OGrEE é denominado Projeto Monitoramento da Visitação de Mastofauna e do Microclima em Cavidades Naturais no Parna Gandarela, e conta com formas distintas de detectar os animais e seus hábitos nos arredores e dentro das cavernas. Atualmente, duas grutas são monitoradas: dos Ecos e Luna. As câmeras com disparo por sensor de movimento filmam e fotografam tanto de dia quanto à noite. Uma delas foi colocada em uma trilha em espaço aberto, para registrar a fauna que circula pelo parque. As demais estão voltadas para as entradas das cavernas, sendo capazes de registrar os animais que entram ou circulam nas proximidades.

Equipamentos também monitoram umidade, temperatura e pressão atmosférica. Placas de acrílico com areia são posicionadas nos acessos das cavidades rochosas para flagrar as pegadas, mas a busca do grupo também é ativa, vasculhando no exterior das grutas por rastros e no interior por restos de alimentos deixados pelos animais e também por fezes que possam ter sido depositadas.

No caso da suçuarana registrada pelas câmeras, a passagem do felino durou pouco mais de 30 segundos e a caverna em si, pelo menos neste um mês de projeto, ainda não foi usada pelo animal. O espécime de um pouco mais de um metro (sem considerar a cauda em forma de letra jota) surgiu com passadas fáceis e silenciosas. Apesar de as patas com garras retráteis sustentarem pesos que variam de 40 a 80 quilos, passaram sem deixar qualquer vestígio.

Ao fim, o animal já de costas para a câmera deixou um último olhar. Como se estivesse se despedindo. Nesse relance, os olhos adaptados para refletir a mínima luminosidade e assim auxiliar na visão noturna ainda refletiram os sensores das câmeras que emitem raios infravermelhos.

A bióloga do OGrEE Cristina Machado Borges, doutora em biologia comparada, frisa que o trabalho ainda está em fase de coleta das primeiras amostras e depende muito da sorte. “Como as armadilhas fotográficas (as câmeras escondidas) estão voltadas para a entrada das cavernas, pode ser que voltemos a ver outros comportamentos da onça-parda e de outros animais, como uma marcação de território. O uso da caverna como abrigo também é possível nas noites mais frias, por terem temperatura mais estável. Pode ser um ponto de emboscada e caça. Se acharmos fezes com vestígios de carne e ossadas pode ser um indicativo de ser um ponto de alimentação”, explica.
 

A onça-parda ou puma (Puma concolor)

 
Também conhecida no Brasil por suçuarana e leão-baio. É o segundo maior felino das américas, menor apenas do que a onça-pintada. Carnívoro e caçador, geralmente preda cervídeos (veados), mas se adapta à caça disponível em seu território. Pode atingir 1,55 metro de comprimento sem a cauda e 78 quilos. Há registros desses animais do Parque da Serra do Gandarela ao Caraça. É um caçador solitário, com o pico de atividade no crepúsculo ou à noite, descansando no resto do dia. Quando não há cervos, pode se alimentar de capivaras, roedores, macacos e criações, como gado, galinhas e porcos – o que geralmente leva a conflitos com fazendeiros. Os machos são extremamente territoriais e o encontro entre dois adultos pode resultar em combate até a morte. Os territórios variam com a disponibilidade de caça, de 50 a 300 quilômetros quadrados, com sobreposição de indivíduos diferentes.
 
(foto: OGREE/Divulgação)
 

Irara (Eira barbara)

 
Também chamado de jaguapé, papa-mel e taira, é um animal onívoro da família dos mustelídeos (Mustelidae). Tem aspecto semelhante ao das martas e doninhas, podendo atingir comprimento de até 71 centímetros (não incluindo a cauda, que pode se estender por 46 centímetros). Pesam até sete quilos e têm pelagem curta, de marrom escura a preta. Seus pés têm dedos de comprimento desigual e suas garras são curtas, curvas e adaptadas para escalar e correr. São encontradas na maior parte da América do Sul a leste dos Andes. Já foram identificados indivíduos entre os parques do Gandarela e do Caraça. São onívoros oportunistas, caçando roedores e outros pequenos mamíferos, bem como pássaros, lagartos e invertebrados, e escalam árvores para obter frutas e mel. São animais de hábitos diurnos. 

Um laboratório natural em área de mineração

O monitoramento sistemático do clima, imagens de câmeras escondidas e vestígios dos animais podem trazer para a ciência brasileira mais conhecimento sobre os hábitos e adaptações da fauna relacionada às cavidades do Parque Nacional da Serra do Gandarela. O monitoramento ambiental tem potencial para ajudar a relacionar certos comportamentos dos animais analisados com as chuvas, a seca, o calor e outros fatores.
 
“Instalamos um termohigrômetro (medidor de umidade e temperatura) em um abrigo meteorológico de PVC para o registro dessas condições climáticas e também da pressão atmosférica. Em breve traremos uma estação meteorológica que contribuirá com esses dados e ainda com a direção e velocidade dos ventos, volume e intensidade das chuvas, por exemplo”, afirma o geógrafo Antoniel Fernandes, integrante do Opilião - Grupo de Estudos Espeleológicos (OGrEE), que realiza as pesquisas.

Os dados também vão enriquecer o conhecimento sobre o parque. “No Gandarela, não há dados específicos do clima, apenas do entorno. Com esse trabalho teremos leituras da unidade de conservação, mas será preciso fazer medições contínuas e por um longo período. Isso é muito importante, pois é um local que atrai cada vez mais pessoas para atrativos como as cachoeiras e que está próximo de grandes cidades como BH”, observa Fernandes.

A escolha do Parna da Serra do Gandarela para o estudo da relação da fauna com as cavernas engloba diversos motivos, segundo professor de química Luciano Faria, doutor em história da ciência. “Temos uma oportunidade muito boa no Gandarela, por ser uma área que reúne os exemplos de cavernas como as ferruginosas, formadas pela canga de minério de ferro, as carbonáticas, que ocorrem em calcáreo como as do Carste de Lagoa Santa, e as quartzíticas (formadas por mais de 73% de quartzo)... Assim, a relação de cada um desses tipos de formação com a fauna poderá ser estudada”, explica.

Mas outros motivos também colaboraram para a escolha do Gandarela pelo OGrEE. Um deles é a grande diversidade do parque. De acordo com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, o Gandarela é o “último fragmento significativo de áreas naturais em bom estado de conservação dentro do Quadrilátero Ferrífero, contendo importantes remanescentes de Mata Atlântica semidecídua, de vegetação de campo rupestres sobre canga (40% do restante mineiro) e sobre quartzito, em transição com formações do cerrado”.

O patrimônio de cavidades rochosas do Gandarela carece de estudos e é muito rico também, de acordo com o chefe da unidade de conservação federal, Tarcísio Nunes. “Hoje estão cadastradas 270 cavernas dentro do parque. No Quadrilátero Ferrífero, boa parte das cavernas já foram destruídas pela mineração. É muito importante ter esses estudos, pois se sabe muito pouco sobre as formações, a fauna e a flora presente nelas e os estudos podem dar origem a descobertas de espécies, desenvolvimento de fármacos, antibióticos e outros remédios”, exemplifica. “Sem falar que, ao ganhar notoriedade, isso incentiva a conservação do parque pelas pessoas”, destaca Nunes.

Em todo Brasil, os estudos sobre cavernas ainda estão começando, segundo avaliação da bióloga Cristina Machado Borges, doutora em biologia comparada e  integrante do OGrEE. “É preciso incentivo para que se formem mais cientistas com pesquisas voltadas para o estudo de cavernas no Brasil. Os congressos de espeleologia ainda são pequenos, com cerca de 500 pessoas, enquanto os de fauna levam milhares de profissionais”, afirma. Ela destaca ainda a importância de conhecer melhor o Gandarela para reforçar sua proteção, pois a unidade está em meio a uma pressão ambiental muito grande, devido ao recurso de minério de ferro. “Por isso precisamos conhecer melhor o que tem nas cavernas. Para ter equilíbrio entre exploração e conservação. O Gandarela é um laboratório perfeito para isso”, destaca. 


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